Correio braziliense, n. 20790 , 24/04/2020. Economia, p.7

 

Bolsonaro desautoriza anúncio feito por Onyx

Sarah Teófilo

Israel Medeiros*

24/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Ministro anunciara, na segunda-feira, a liberação da segunda parcela do auxílio energencial de R$ 600 por questão de "humanidade". Presidente reagiu, pois faltou combinar entre eles que seria preciso ampliar o orçamento. Nova data deve sair na próxima semana

O anúncio de antecipação da segunda parcela do auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal durou pouco mais de dois dias. O anúncio fora feito, na segunda-feira, pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, justificando ser a medida uma questão de “humanidade”. Porém, foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, que, ao responder a uma apoiadora numa rede social, afirmou que o anúncio não tieve sua autorização. Agora, não há data sobre quando a segunda parcela será liberada. Pelo cronograma inicial, seria em 15 de maio.

Em entrevista à Band TV, na noite de ontem, Onyx informou que o calendário para a segunda parcela será alterado e anunciado no início da semana que vem. Conforme explicou, a demanda pelo auxílio é muito maior que o esperado. Sem calendário, o ministro disse que o Ministério da Economia deve liberar cerca de R$ 25 bilhões para garantir a continuidade do auxílio nos próximos dias. Salientou ainda que algumas pessoas podem receber as duas parcelas juntas, na primeira semana de maio.

O pagamento foi adiado porque o volume de trabalhadores que têm direito ao auxílio superou as expectativas do governo, forçando o Executivo a ampliar o orçamento. Conforme dados da Caixa Econômica Federal (CEF), até ontem 45,9 milhões de trabalhadores haviam solicitado o benefício. Entretanto, no cruzamento de dados percebe-se mais 51 milhões de brasileiros do CadÚnico e do Bolsa Família com direito ao auxílio. O total de contemplados pelo programa vai, dessa forma, superar a previsão inicial, que era de 54 milhões de trabalhadores. Por isso, o orçamento de R$ 98,2 bilhões também precisará ser aumentado.

O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, disse ontem, em live realizada pelo site Uol, que a pasta da Cidadania estava fazendo o cálculo de quanto será preciso liberar de crédito suplementar para que o benefício emergencial seja pago aos que têm direito. A intenção, segundo ele, é resolver ainda nesta semana o impasse que impediu o repasse da segunda parcela ontem.

“Se tem mais gente para receber, não posso fazer com o orçamento que tinha antes. Preciso de mais dinheiro. O auxílio emergencial vai ser pago, mas precisa orçamentar isso primeiro”, explicou. O valor acumulado da liberação de recursos (tanto daqueles inscritos no Bolsa Família e no CadÚnico, quanto dos que fizeram cadastro pelo aplicativo ou pelo site) chegou a R$ 23,5 bilhões, segundo a Caixa.

Em nota, o banco informou que “está preparada para efetuar o crédito da segunda parcela do Auxílio Emergencial do Governo Federal e aguarda a liberação de recursos orçamentários e de um novo calendário por parte do Ministério da Cidadania”.

Desconforto

O anúncio de antecipação gerou, ainda, um desconforto no Planalto, quando Bolsonaro desautorizou Onyx por anunciar a antecipação do pagamento da segunda parcela sem tê-lo consultado. “Nada foi cancelado. Um ministro anunciou, sem estar autorizado, que iria antecipar a segunda parcela. Primeiro se deve pagar a todos a primeira parcela, depois o dinheiro depende de crédito suplementar já que ultrapassou em quase 10 milhões o número de requerentes. Tudo será pago no planejado pela Caixa”, escreveu Bolsonaro.

Somente às 20h49 de quarta-feira, o Ministério da Cidadania divulgou nota voltando atrás na decisão de antecipar o pagamento para ontem. E justificou a decisão da mesma forma que Bolsonaro dissera à apoiadora.

Na noite de ontem, a Caixa informou que creditará mais R$ 1,2 bilhão da primeira parcela do auxílio para 1,9 milhão de cadastrados que passaram pelo crivo da Dataprev. O depósito será feito hoje à noite e poderá ser acessado amanhã. (Colaborou Marina Barbosa)

*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi

45,9 milhões

de trabalhadores tinham se cadastrado, pelo aplicativo ou pelo site, até ontem,para receber o auxílio emergencial

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Plano Pró-Brasil racha governo

Rosana Hessel

24/04/2020

 

 

O governo rachou em relação ao Plano Pró-Brasil, lançado pela Casa Civil como salvação para a economia pós-pandemia. A proposta mal saiu do papel e recebeu críticas do mercado e da equipe econômica por ter um viés desenvolvimentista e de longo prazo, o contrário da cartilha seguida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O chefe da equipe econômica nem apareceu no lançamento do plano idealizado pelo ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Neto, na quarta-feira, evidenciando o atrito entre as duas pastas. A desconfiança do mercado com o comprometimento do governo em controlar os gastos, apesar da crise econômica, aumentou com essa guinada na política econômica com a proposta.

Se o Plano não tiver freios para o aumento de despesas, a saída de Guedes será inevitável, segundo fontes do mercado. As apostas voltaram com força para o balcão ontem, especialmente depois de notícias de desentendimentos entre o ministro e seu colega da pasta do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que teria ajudando na formatação do Pró-Brasil.

Ao lançar o Plano, Braga Neto garantiu não ter qualquer semelhança com o Plano Marshall, apesar de os técnicos da equipe econômica classificarem as propostas para reativar a economia pós-pandemia como semelhantes ao programa pelo qual os Estados Unidos ajudaram a Europa a se reerguer, depois da II Guerra Mundial. Tais iniciativas estavam sendo desenhadas com o menor desembolso possível do Tesouro Nacional e, agora, o desafio será juntá-las com a proposta da Casa Civil.

O anúncio do general foi visto como um atropelo a essa agenda, ao propor um programa prevendo aumento de gastos do governo por um período de até 10 anos. A proposta foi comparada por amigos de Guedes aos antigos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) dos governos militares. No mercado financeiro, foi até chamada de “Flerte com a Nova Matriz Econômica”.

Para o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), a proposta está mais parecida com o 3º PND do governo de Ernesto Geisel. “Por enquanto, é só uma carta de intenções. Mas os militares deram um aviso para a equipe econômica de que a cartilha de Guedes está fora”, avaliou.

Má-interpretação

Ontem, Braga Neto disse que houve “má interpretação e um desvirtuamento” do escopo do Pró-Brasil. Ao lançar a proposta, foi levantada a possibilidade da utilização de R$ 30 bilhões em investimentos públicos, e de R$ 250 bilhões em contratos de concessões à iniciativa privada. O chefe da Casa Civil negou conflitos com a equipe de Guedes e estouro do teto de gastos.

“Vamos alinhar os planos. Vamos ver o que o pessoal quer e comparar necessidade com possibilidade. Ninguém falou em estourar o planejamento já estipulado pelo Ministério da Economia”, disse. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, reforçou em teleconferência para investidores que o Pró-Brasil também terá investimentos privados. O grupo de trabalho deve realizar a primeira reunião hoje.

Interlocutores do ministro da Economia, no entanto, confirmam que a equipe econômica foi surpreendida com o anúncio. Mas afastam a saída de Guedes e a ideia de esvaziamento pasta, apesar dos rumores de divisão do ministério por causa da aproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado Roberto Jefferson –– que poderia levar à recriação do Ministério do Trabalho, em troca de apoio do PTB no Congresso.  “Essa divisão na pasta só ocorre se o ministro sair”, garantiu um interlocutor de Guedes. (Colaboraram Augusto Fernandes e Marina Barbosa)

Frase

“Por enquanto, é só uma carta de intenções. Mas os militares deram um aviso para a equipe econômica de que a cartilha de Guedes está fora” 

José Luiz Oreiro, economista e professor da UnB