Título: Iphan vai pôr fim à festa na Esplanada
Autor: Campoli, Clara; Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2012, Cidades, p. 21

A partir de 2013, instituto proibirá no gramado central do Eixo Monumental eventos que agridam o tombamento do Plano Piloto. Serão autorizadas apenas quatro datas, incluindo o aniversário de Brasília e as comemorações de ano-novo

Em meio à celebração dos 25 anos do título de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), as inúmeras festas no principal cartão-postal da cidade serão severamente regradas. A partir de 2013, o uso indiscriminado do canteiro central ao longo do Eixo Monumental para eventos terá novas normas. A decisão é do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que atualmente é um dos órgãos que regulam as festas na Esplanada dos Ministérios.

Com a nova portaria, o espaço cívico ficará restrito a acontecimentos tradicionais em Brasília, as chamadas festas cívicas: o aniversário da cidade, o Dia da Independência, o Natal e o ano-novo. Fora esses eventos, os demais poderão ocupar espaços menos centrais da região. “O Iphan não vai aceitar qualquer instalação provisória ou precária. Isso destrói o gramado, suja, tem um alto custo e fica aviltando o uso cívico. Afeta visualmente, com funções não previstas para a área. Se a gente deixar, vão fazer toda semana. Vão transformar isso num grande acampamento no lugar do espaço nobre, de uso popular, que temos”, avisa o superintendente do órgão, José Leme Galvão.

Ao longo deste ano, eventos como a Bienal do Livro, o Dia de Nossa Senhora Aparecida e até uma competição de motocross se instalaram na área. O mais recente aconteceu na última sexta-feira, no Dia do Evangélico — as tendas ainda estão sendo desmontadas. Do alto da Plataforma da Rodoviária, a enfermeira Luana Carvalho, 28, tentava tirar fotos do Congresso Nacional durante a tarde de ontem. É a primeira vez que a carioca, residente em Natal, visita Brasília. Luana acabou encontrando a visão mais famosa da cidade obstruída pela estrutura provisória. “Eu gostei muito da cidade, achei muito bonita a Esplanada. Mas, daqui, isso tampa um pouco a visão, atrapalha para fotografar. Tive que tirar fotos de lá de perto, porque daqui não tem como”, reclamou.

Segundo Galvão, muitos organizadores de festas nem sequer pedem permissão ao órgão, simplesmente montam a estrutura no local que escolherem. “Isso (as mudanças) ainda não está formalizado adequadamente. Mas, na medida em que não estiver mais autorizado, não vamos mais ter problemas”, acredita o superintendente. Ele propõe outros pontos da cidade para que os eventos encontrem áreas alternativas, como o Parque da Cidade. “O que não falta em Brasília é espaço. A capital é generosa ao extremo.”

A Administração de Brasília é uma das responsáveis por autorizar o uso do espaço. De acordo com o administrador em exercício, Jean Carmo Barbosa, hoje nenhum evento ocorre sem a anuência do Iphan. Ele ressalta que regulamentar o uso da Esplanada é essencial. “ É uma discussão antiga, uma bandeira também da nossa administração. Ela não pode ser liberada para qualquer evento”, defende. Segundo ele, é preciso analisar o conteúdo da nova portaria do Iphan para saber como serão as limitações. “Hoje, existe uma proposta no PPCUB (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília) que já delimita alguns espaços para festas e restringe para outros eventos. Temos que saber qual quadrante será destinado a esses quatro eventos oficiais, os mais importantes do calendário oficial”, diz o administrador em exercício.

Uma das exigências previstas na legislação atual (leia O que diz a lei) é que os organizados dos eventos assinem um termo de ocupação se responsabilizando por entregar o local exatamente como receberam. Logo, se a grama for danificada ou algum outro dano ocorrer, é necessário reparar. O tempo em que a estrutura será desmontada também é previamente combinado com o contratante. Isso vai depender do tamanho do evento.

Opiniões divididas O arquiteto Carlos Magalhães não acredita que a regulamentação vai acabar com o uso indevido do espaço. Desde 1959, quando chegou à cidade, viu outras normas serem feitas e desrespeitadas. “O ex-deputado Geraldo Campos e o GDF já fizeram regulamentação, mas nunca respeitaram. É um absurdo que usem o espaço para festivais de asneiras. É uma demonstração de falta de cultura”, critica. Indignado, ele afirma que o espaço não foi criado para esses fins e ressalta que somente os eventos oficiais devem ocorrer na Esplanada. “É assim nos países civilizados. Mas estou descrente com relação à norma. Para funcionar, o Iphan deve ter pulso forte. Mandar arrancar o que não tiver autorização e não permitir que essas festas ocorram.”

O posicionamento do Departamento Distrito Federal do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/DF) é favorável à medida. “A Esplanada é uma área que tem uma destinação. Não é para shows ou espetáculos. É um espaço cívico, representativo. As pessoas têm que entender que o espaço vazio de Brasília não é o mesmo de áreas desocupadas, ele tem uma razão de ser. É um espaço simbólico, de caráter representativo da capital da República”, defende Paulo Henrique Paranhos, presidente do órgão. Para ele, a definição de datas inerentes à rotina do brasiliense é positiva e faz parte da solução para o espaço do Eixo Monumental.

Colaborou Thaís Paranhos

Memória

Julho de 2012 O Circo Tihany ficou instalado na área ao lado do Teatro Nacional de 9 de julho a 18 de setembro, com apresentações diárias. O lugar é destinado a eventos culturais, mas teve uma ordem de despejo da Administração de Brasília, sob alegação de que o circo ocupava uma área crucial para os eventos do Sete de Setembro. A três dias do desfile, a Presidência da República decidiu retirar a determinação e o circo permaneceu no local até o fim do prazo.

Maio de 2012

O gramado central da Esplanada dos Ministérios recebeu, em 27 de maio, uma etapa do Red Bull X-Fighters, evento de motocross. Na ocasião, a organização colocou grandes morros de terra em frente ao Congresso Nacional para a apresentação das acrobacias. Além dessa estrutura, foram montados banheiros químicos, arquibancada e praça de alimentação para o público. O evento provocou a reação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no DF (Iphan), que sugeriu o uso restrito do espaço para comemorações cívicas e do aniversário da cidade.

Abril de 2012

Quase todos os anos, Brasília recebe jogos de vôlei de praia no gramado central da Esplanada dos Ministérios. Em 2012, a organização ergueu um complexo de 60 mil metros quadrados com uma quadra principal, arenas complementares e de treinamentos, além de arquibancada e tendas. Na montagem das quadras, foram usados 2,6 mil metros cúbicos de areia, o equivalente a 110 caminhões cheios.

O que diz a lei

O artigo 43 do Decreto nº 31.482 é genérico quanto ao uso da Esplanada dos Ministérios. Porém, ele prevê que, no caso de eventos realizados na zona cívico-administrativa e em áreas do entorno e de monumentos tombados, é necessário preencher uma série de requisitos. Segundo a legislação, os organizadores “deverão apresentar (a documentação) com antecedência mínima de sete dias úteis e o requerimento de atividade pretendida com local, período, horário de realização do evento e público estimado”. O texto do PPCUB, em discussão, prevê destinação específica para as áreas da Esplanada.