O globo, n. 31663, 15/04/2020. Economia, p. 17

 

Alternativa de R$ 77 bi

Marcello Corrêa

Amanda Almeida

Bruno Goés

15/04/2020

 

 

Governo deve enviar pacote ao Senado. Maia critica valor de repasse a estados

JULIO NASCIMENTO/PRNovo projeto. Esteves Colnago (à esquerda), Waldery Rodrigues e Marcelo Guaranys durante a apresentação da proposta do governo de ajuda a estados e municípios, no Palácio do Planalto

 Depois de sofrer derrota com a aprovação de um“pacote bomba” de auxílio a estados e municípios na Câmara, o governo recorreu ontem ao Senado para tentar avançar com uma proposta alternativa para atender os entes federados. O texto prevê um pacote de R$ 77,4 bilhões para os governos locais. Desse montante, R$ 40 bilhões são repasses diretos do Tesouro Nacional. Há também R $37,4 bilhões em suspensão de pagamento de dívidas coma União e com bancos públicos. O presidente Jair Bolsonaro chegou a se reunir com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para discutir o assunto.

A estratégia foi adotada depois de o Executivo encontrar as portas fechadas entre os deputados. A proposta, apresentada ontem por integrantes da equipe econômica no Palácio do Planalto, é exatamente a mesma sugerida a líderes da Câmara na segunda-feira e rejeitada no mesmo dia.

No lugar da proposta do governo, os deputados aprovaram um projeto com custo de R$ 89,6 bilhões. Mais do que o valor, superior ao do plano desenhado pela equipe econômica, o texto preocupa o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao prever que a União compense estados e municípios por perdas na arrecadação de ICMS e ISS. Essa espécie de seguro responde pela maior parte do impacto: R$ 80 bilhões, caso as perdas de receita sejam de 30%.

O governo é contra esse ponto da proposta porque considera que seria um “cheque em branco” para governadores e prefeitos. Também preocupa a equipe econômica a falta de previsão sobre o custo com a medida. Se a perda for de 50%, essa conta pode saltar para R$ 142,5 bilhões.

— Essa incerteza em relação ao tamanho do cheque a ser dado pela União cria muita dificuldade. Vou fazer um cheque de R$ 80 bilhões, vou fazer um cheque de R$ 150 bilhões? Estamos dispostos a fazer a ajuda que for necessária em valores fixos — disse o chefe da Assessoria Especial do Ministério da Economia, Esteves Colnago.

Inicialmente, a proposta da equipe de Guedes exigia que governadores se comprometessem anão reajustar salários do funcionalismo por dois anos. A avaliação é que era necessário ter contrapartidas para repasse de recursos. A ideia enfrentou resistência dos parlamentares e foi deixada de lado tanto no projeto da Câmara quanto na proposta alternativa do próprio governo.

—Não é compensar todos os estados e municípios de toda a perda da atividade econômica.Nosso objetivo é garantir os recursos para a saúde. Garantir os recursos para o combate e ajuda à população para o combate aos males da saúde com relação ao coronavírus. Todos vamos perder arrecadação. O governo federal, estados e municípios, e agente não vai conseguir fazer com que o povo pague por tudo isso — disse o secretário-executivo do Ministério da Economia,

Marcelo Guaranys.

Para vencer resistências, a equipe econômica admite fazer até novas transferências no futuro. Os técnicos ainda não sabem, porém, se o valor poderia superar os mais de R$ 80 bilhões da Câmara. A condição é que os valores sejam fixos e distribuídos de acordo coma população de cada estado.

—Seda quia 15 dias( os valores) semostrarem insuficientes, agente podes e reunir e propor uma nova medida com novos recursos e para outras finalidades —disse Colnago.

No Senado, a ideia rejeitada pela Câmara foi bem recebida. Ontem, Alcolumbre sugeriu a Bolsonaro que o governo edite uma medida provisória (MP) com as transferências de recursos.

Alcolumbre disse que não pretende votar o projeto que veio da Câmara. A decisão tem como pano de fundo a disputa entre as duas Casas do Congresso a respeito do protagonismo nas ações contra a pandemia. Ao ouvir de Jorginho Mello (PL-SC) cobrança para que falasse com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para votar um texto de sua autoria, Alcolumbre foi direto sobre o mal-estar:

— Por isso que não vamos pautar o projeto (de ajuda a estados) que eles votaram ontem (segunda-feira).

PARA MAIA, R$ 22 BI É POUCO

Diante da negociação com o Senado, Maia fez duras críticas à proposta do governo. O parlamentar criticou a transferência de R$ 40 bilhões proposta pela equipe econômica, porque, desses recursos, só R$ 22,5 bilhões são livres para gestores locais gastarem como quiserem. O restante é carimbado para gastos em saúde, assistência Social e merenda escolar.

— A maioria dos estados e municípios não sobrevive por três meses (com essa ajuda )— disse Maia.—Estamos analisando( anova proposta). O governo, no fundo, trabalha numa tentativa de divisão da federação.

O presidente da Câmara destacou ainda que o as medidas que estão sendo tomadas precisarão ser prorrogadas. Segundo ele, “alguns setores da economia” já começam a pressionar neste sentido:

— Essa crise ainda está começando, e não apenas estados e municípios vão precisar do apoio do governo por um período maior do que aquele proposto (...) Na medida do emprego, o prazo será aquém daquele que as empresas precisarão. E também em relação ao auxílio da renda mínima. Depois desse período, haverá um apressão correta e necessária por ampliação desse apoio por parte do governo federal.

Maia afirmou que é legítimo modificara proposta. Mas criticou as atitudes do governo:

— O problema é que você entra por uma porta e, quando sai, leva um coice. Essa é a relação que o governo tem tido com os políticos do Congresso desde que assumiu o poder.

Responsável por costurar o texto criticado pelo governo, o deputado Pedro Paulo (DEMRJ) disse que defende a compensação de receitas por um entendimento de que é a melhor solução técnica:

— Essa previsibilidade é fundamental.

Especialistas defendem a ajuda aos estados, mas com critérios bem estabelecidos. A economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, pondera que, sem garantias, os recursos podem acabar servindo para outras finalidades:

— O risco é de os recursos irem para despesas correntes, para o crescimento vegetativo da folha de pagamento, que cresce a cada ano. Os trabalhadores do Brasil inteiro estão empobrecendo por causa da crise. O serviço público precisa pagar aconta. Por isso, o caráter temporário desse apoio agora precisa ficar bem claro, bem como as contrapartidas de estados e municípios.