O globo, n. 31664, 16/04/2020. Economia, p. 19

 

Disputa política afetará combate à Covid-19

João Sorima Neto 

16/04/2020

 

 

Especialistas em finanças públicas consideram que o embate entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional sobre o escopo da ajuda federal aos estados e municípios prejudicará ações contra o coronavírus

 As divergências políticas entre governo e Congresso sobre o tamanho do socorro a estados e municípios podem atrasar as ações de combate ao novo coronavírus. Além disso, têm o potencial de piorara situação fis caldos governos locais,na avaliação de especialistas em contas públicas.

O governo acenou com uma proposta de R$ 77,4 bilhões, um montante que engloba R$ 40 bilhões em repasses a estados e municípios, além da suspensão de dívidas dos governos locais coma União e bancos públicos. Já o projeto aprovadona Câmara tem impacto estimado de mais de R$ 89 bilhões e prevê a compensação, por seis meses, das perdas na arrecadação de impostos como ICMS e ISS.

Na avaliação da equipe econômica, isso funcionaria como um cheque em branco, pois não é possível antever de quanto será aqueda. No Senado, parlamentares afirmam que farão uma medida provisória junto com o governo, ou outro projeto.

— Esse conflito atrapalha muito e dificulta ainda a questão fiscal dos estados e municípios. Quanto mais rápido for decidido um valor, melhor a efetividade de aplicação dos recursos. Trata-se de uma operação complexa. É preciso ter um mínimo de controle de onde os recursos serão aplicados. Demorou para cair a ficha d eque a ajuda é necessária nesse grau de instabilidade que estamos vivendo — diz Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Para ele, o ideal é que se estabeleça um valor fixo de ajuda, que poderiam ser os R$ 40 bilhões que a equipe econômica do governo federal está disposta a oferecer. A suspensão de dívidas dos estados coma União, outra ajuda oferecida pelo governo federal, já está em vigor por decisão do STF, lembra Pellegrini:

— É preciso ponderar que não há garantia nem de ter 100% desses R$ 40 bilhões, já que a União também perde com impostos.

PODER DA CANETA

O professor do Insper André Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas da instituição, lembra que a situação fiscal dos estados já era delicada e, com a crise, ficou dramática. Para ele, é preciso cooperação entre Executivo e Congresso para que a ajuda financeira seja decidida de forma rápida. Quando há conflito, como agora, a tendência é o debate se estender por mais tempo.

— O tempo agora é mais precioso do que nunca, já que quem vai pagar a conta disso é o cidadão. E pode pagar com a própria vida, se não houver recursos para ações de saúde. Cada poder tem autonomia, mas não dá para ficar numa disputa sobre qual caneta tem mais poder —diz Marques.

Dos três estados com maior número de casos de Covid-19, em tese São Paulo e Amazonas — ainda que não tenham uma ótima situação de caixa —estão melhor do que o Rio e têm mais fôlego para aguentar a queda de arrecadação com ICMS e ISS (este, no caso das prefeituras). Mas isso dependerá da velocidade dos gastos. Marques lembra que a situação dos hospitais do Amazonas já é delicada:

— São Paulo já anunciou contenção de despesas, mas há muita demanda por saúde. Então é preciso observar qual será o socorro do governo federal, se o corte de despesas anunciado será mesmo implementado, e o fôlego de caixa. São muitas variáveis para estimar quanto tempo o estado aguenta. Já o Rio tinha uma situação fiscal dramática, está no regime de recuperação especial, e agora não está gerando caixa com ICMS.

Marques observa que, qualquer que seja a forma de ajuda aos estados, com recursos fixos ou variáveis, é preciso haver um mínimo de fiscalização sobre o uso do dinheiro, como argumenta o governo. E, pelo lado da Câmara, é legitima a preocupação de que o total de recursos a serem repassados seja insuficiente.

— Os dois lados têm argumentos. Mas é preciso sentar à mesa e conversar —diz o professor do Insper.

Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada da FGV/Ibre, avalia que nenhum estado estava preparado para um choque tão intenso como o da pandemia. Para ela, o melhor caminho é mesmo uma ajuda da União:

— Mas a questão é que se não for algo muito bem desenhado, pode gerar problemas. Embora o tempo esteja correndo, é importante fazer algo bem feito.

Ela avalia que, pela ótica de gasto com pessoal frente a receita e capacidade de pagamento, os melhores são São Paulo e Espírito Santo.