O globo, n. 31664, 16/04/2020. Especial Coronavírus, p. 15

 

Estratégia feminina

Ana Rosa Alves

16/04/2020

 

 

 Líderes mulheres se destacam no combate à covid-19

BERND VON JUTRCZENKA/AFPForça. A chanceler alemã Angela Merkel: liderança bem-sucedida

 Não há uma resposta global unificada à Covid-19, com países tendo diferentes níveis de sucesso no combate à doença. É consenso, no entanto, que Taiwan, Nova Zelândia, Alemanha e alguns países nórdicos estão entre as nações mais eficientes em controlar a pandemia em seus territórios. Com tamanhos, culturas e em continentes diferentes, elas têm algo em comum entre si: são governadas por mulheres.

Segundo a ONU, as mulheres ocupam apenas 7% dos cargos de liderança globais, algo que ressalta seu sucesso na contenção do vírus. Isto deve-se, em maior parte, a intervenções rápidas, baseadas em argumentos científicos, testes em massa, medidas de isolamento efetivas e transparência com a população.

A eficiência com que Tsai Ing-wen agiu chama atenção. Com cerca de 23 milhões de habitantes, Taiwan tem 395 casos diagnosticados de Covid-19 e apenas seis mortes. A estatística é ainda mais surpreendente frente à grande vulnerabilidade da ilha: localizada na costa leste chinesa e vista por Pequim como uma província rebelde, tem apenas 15 aliados diplomáticos e sequer faz parte da Organização Mundial da Saúde.

Em 31 de dezembro, mesmo dia em que o governo local de Wuhan, berço da doença, assumiu ter registrado casos de uma “pneumonia misteriosa”, Tsai anunciou que os voos originários da cidade passariam por inspeções sanitárias. No dia 23 de janeiro, todos os visitantes de Wuhan foram banidos, veto estendido em 6 de fevereiro para todos os chineses.

No dia 19 de março, buscando evitar uma nova onda de coronavírus desencadeada por casos importados, Tsai anunciou o fechamento das fronteiras para todos os não residentes. O país também aumentou consideravelmente a produção de equipamentos respiratórios e máscaras.

É evidente que não há uma correlação direta entre gênero e competência , mas algumas pesquisas —como as pela Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA, e pela Universidade Radboud, na Holanda — mostram que mulheres em ambientes majoritariamente masculinos tendem a basear suas decisões em fatos e argumentos científicos.

Com isso, é possível que se destaquem ainda mais em meio aos seus pares que questionam as diretrizes de epidemiologistas e da Organização Mundial da Saúde.

— É importante que qualquer liderança estratégica competente e responsável esteja conectada com a realidade, e quem faz essa ponte é a ciência, são especialistas, os fatos e os dados. E essas mulheres vêm fazendo isso de forma muito eficiente — disse Maisa Diniz, cofundadora do coletivo suprapartidário Vote Nelas, que busca aumentara participação feminina na política.—Fica cada vez mais claro que competição e agressividade não são sustentáveis ou desejáveis em um momento como este.

A chanceler Angela Merkel se destaca por seu pragmatismo mesmo em meio à crise sanitária mais grave de sua gestão. Sua abordagem pró-ciência ed ire taéextre mamente aprovada pela população: ela viu sua popularidade voltara crescer após uma polêmica união regional de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU) coma extrema direita.

Com 132.321 casos de Covid-19, a Alemanha é o quarto país do planeta mais afetado pela doença. Ainda assim, registra apenas 3.502 mortes — na França, com pouco mais de 131 mil casos, as mortes passam de 15,7 mil. Merkel evitou pedir um confinamento nacional, optando por uma série de medidas de distanciamento. Além deter o maior número de leitos de terapia intensiva do continente, o país aplica testes em massa na população, ultrapassando 100 mil ao dia.

Quem também recebe elogio sé a primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern. Ela anunciou um dos confinamentos gerais mais restritos do mundo em 23 de março, quando a ilha registrava apenas 102 diagnósticos confirmados, sem nenhuma morte. Menos de um mês depois, o país registra apenas 1.366 casos, com apenas nove óbitos.

Ardern implementou um sistema de alerta detalhado, com quatro níveis, que orienta a população a agir. Mesmo com o cenário sob controle, o país continua no nível máximo, o quatro. Nesta quarta, reconhecendo os desafios econômicos impostos pela crise, a premier anunciou cortes de 20% nos eu salário e nos de seu Gabinete por seis meses.

Sucesso parecido é visto nos países nórdicos, quatro dos quais governados por mulheres. A premier da Islândia, Katrín Jakobsdóttir ,também agiu cedo, rastreando os contatos de contaminados, pondo sob quarentena casos suspeitos e aplicando testes em massa na população de cerca de 360 mil habitantes. No total ,1.720 pessoas foram diagnosticadas com Covid-19, com oito mortes —a taxa de mortalidade no país, de 0,47%, é uma das menores do mundo.

A Dinamarca, por sua vez, foi o segundo país europeu a anunciar uma quarentena, no dia 11 de março, antes de registrar mortes pela doença. Com 6.876 casos registrados e 309 óbitos, a primeira-ministra Mette Frederiksen anunciou ontem que o país iniciará a uma retomada das atividades antes do previsto, com o retorno de creches e escolas de ensino fundamental.

Já a Finlândia, governada por Sanna Marin, que com 34 ano sé apremi ermais jovem do mundo, entrou em estado de emergência em 16 de março, com o fechamento de escola, espaços públicos e limitação de aglomerações. Os acessos à região de Helsinki, epicentro da pandemia no país, foram fechados dias depois. Coma estabilização dos novos casos, foram reabertos ontem.

VALORIZAR ESPAÇOS

A primeira-ministra norueguesa Erna Solberg também agiu rápido, fechando as fronteiras para estrangeiros, interrompendo as aulas e cessando aglomerações públicas. Quem descumprisse a quarentena, ficaria sujei toa 15 dias de prisão ou multas de até US$ 2 mil. Tal qual as outras nações da região, a Noruega começa alevantar gradualmente as restrições.

— É importante valorizar essas lideranças para que outras mulheres sintam que sim, esse é um lugar para elas. Foram muitos séculos em que estivemos banidas destes espaços e quanto mais evidenciar a importância delas, fica claro que é o melhor para todos — diz Duda Alcântara, cofundadora do Vote Nelas.

Várias governantes adotaram quarentena antes mesmo de haver mortes em seus países