Correio braziliense, n. 20787 , 21/04/2020. Artigos, p.11

 

A festa silenciosa de Brasília

Leila Barros

21/04/2020

 

 

Neste 21 de abril, o bolo, os abraços, a comemoração e a visita a cada recanto da cidade, para celebrar terra tão amada, terão que ficar para depois. A Covid-19 não permite descuido, por isso, temos que continuar seguindo a recomendação de permanecer em casa. Eu adoraria extravasar a minha felicidade pelos 60 anos de Brasília lá na Esplanada dos Ministérios, no meio do povo, recordando cada momento importante que a nossa capital protagonizou e testemunhou na construção da história do Brasil. 

Tenho o orgulho de dizer que não apenas sou representante de Brasília, eu sou de Brasília. Nasci quando a menina Brasília nem sequer havia se tornado a mulher maravilhosa e pujante que é hoje. Sou de Taguatinga, fui aluna de colégio público. Depois, ganhei uma bolsa de estudos em uma escola no Plano Piloto. Foram três anos da minha vida entre o Plano e Taguatinga. Estudando e treinando. Alimentando o sonho de ser uma atleta. Anos puxados, mas felizes. Época em que vi o Lago Paranoá pela primeira vez, desbravei e me apaixonei por esta cidade que, na minha interpretação, é um poema escrito a tantas mãos por gente como Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Darcy Ribeiro, Israel Pinheiro e tantos outros.

Como aluna do Maria Auxiliadora — que integra a congregação Salesiana — conheci e compreendi o sonho de JK. Ele acreditava que Brasília fosse a cidade da previsão de São João Bosco narrada em livro. O italiano fundador da congregação dos Salesianos sonhara que, entre os paralelos 15 e 20, à beira de um lago, “quando se vierem escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a terra prometida, de onde jorrará leite e mel”.  Passados 77 anos do episódio, exatamente dentro das coordenadas geográficas citadas pelo religioso e às margens do Lago Paranoá, Brasília era inaugurada para ser a nova capital do país.

Brasília: filha de algumas mentes iluminadas e mãe generosa de milhões de brasileiros de fibra e valor que para cá vieram, construíram seu futuro e deram sequência ao ciclo da vida fazendo os próprios filhos na jovem e bela capital. Na verdade, os braços da nossa cidade continuam abertos, e gente de todos os recantos do mundo chega por aqui, todos os anos, para desfrutar da nossa hospitalidade. Ver a cidade deserta, mesmo que pelas lentes da imprensa, fotografias e filmagens, faz lembrar o passado em que não éramos tantos assim. Com o tempo, a cidade cresceu e a população se multiplicou. Hoje, com mais de 3 milhões de habitantes, somos a terceira região metropolitana do Brasil.

Aquele foi um momento de afirmação da capacidade do brasileiro. Tínhamos conseguido vencer o desafio de transformar em obras físicas as plantas e os desenhos dos prédios majestosos e com linhas sinuosas que pareciam contrariar as leis da física. Acabáramos de construir, no meio do cerrado e distante de tudo, uma cidade moderna, em menos de quatro anos. Obra do esforço e do suor de milhares de conterrâneos vindos de todas as partes do país, estes heróis de sua geração que se tornaram popularmente conhecidos como candangos. 

A cidade que nasceu embalada por tantos sonhos chega aos 60 anos. Continua linda e oferecendo a melhor qualidade de vida do país, mas apresenta desgastes e problemas, típicos da passagem do tempo e também de certo grau de descuido. Mas podemos melhorar, sempre acredito que dá para melhorar. Devemos sempre trabalhar para aperfeiçoar os serviços que o poder público oferece à população. Também temos que corrigir problemas provocados pelo crescimento de forma desordenada de regiões administrativas, que obriga milhares de famílias a conviverem sem o mínimo em infraestrutura básica. Temos tudo para nos reinventarmos. Depende apenas de nós. Temos a joia mais preciosa, que é o capital humano. Vamos encarar o desafio?

 LEILA BARROS

Senadora (PSB-DF)