Correio braziliense, n. 20787 , 21/04/2020. Política, p.4

 

PGR pede investigação, senador mira presidente

Renato Souza

Luiz Calcagno

21/04/2020

 

 

Augusto Aras envia pedido ao Supremo para apurar manifestações de domingo contra a democracia. Randolfe Rodrigues representa contra Jair Bolsonaro na Procuradoria

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de investigação contra os organizadores dos protestos que pediram o fechamento da Corte e do Congresso, ocorridos no domingo. A ação tramita sob sigilo. O presidente Jair Bolsonaro, que marcou presença e até discursou na manifestação em Brasília, não é citado pela Procuradoria. Se o STF aceitar o pedido, a Polícia Federal entrará na investigação. Os responsáveis pelo ato poderão ser presos por violar a Lei de Segurança Nacional.

De acordo com Aras, houve participação de deputados federais nos atos, o que justifica a competência do STF sobre o episódio. Ainda de acordo com o procurador-geral, uma das pautas era a instauração de uma norma semelhante ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suprimiu direitos individuais e coletivos e cassou mandatos de políticos durante a ditadura militar. “O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, argumentou.

Na opinião de especialistas, há pouca ou nenhuma possibilidade de enquadramento do presidente da República na investigação que deve ser aberta pelo Supremo a pedido da PGR. É o que afirma a professora Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV). De acordo com ela, mesmo tendo participado do ato, o presidente não é um dos organizadores nem citou o AI-5 ou o fechamento de instituições. “O discurso não tem nada se referindo ao AI-5 ou ao Congresso Nacional. A princípio, não existe possibilidade de que o presidente seja enquadrado nessa investigação. Mas alguém pode denunciá-lo por ilícito penal, que, em razão da aglomeração, pode representar crime de responsabilidade contra o direito fundamental à saúde”, ressaltou.

Representação

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entrou com uma representação na PGR contra Bolsonaro. O parlamentar argumentou que, ao comparecer ao evento em Brasília, discursar, afirmar que acredita nos presentes e divulgar o vídeo em suas redes sociais, o presidente demonstrou concordar com o protesto e com as pautas dos manifestantes. Além disso, ao marcar presença, o chefe do Executivo contrariou as determinações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde ao incentivar aglomerações.

O senador descreveu as manifestações como “uma posição declarada a favor do desmonte e do enfraquecimento planejado das instituições democráticas e da credibilidade das autoridades de maior relevo na República”.

Já o líder do Cidadania na Câmara, Arnaldo Jardim (SP), e o presidente nacional da legenda, Roberto Freire, pediram a inclusão de Bolsonaro no pedido de inquérito de Aras ao STF.

Frase

“O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa"

Augusto Aras, procurador-geral da República

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Toffoli condena ataques "nefastos"

Renato Souza

21/04/2020

 

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, repudiou ataques contra as instituições democráticas. Em uma teleconferência com seis entidades, ele destacou que não há solução para o país que não seja “dentro da institucionalidade e do Estado democrático de direito”. O magistrado falou publicamente pela primeira vez desde os protestos em várias cidades, no domingo, pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso. O presidente Jair Bolsonaro esteve presente em uma das manifestações, em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

A presença do chefe do Executivo no local gerou forte reação do parlamento e no Poder Judiciário, pois era nítido que os organizadores, assim como os participantes, pediram por intervenção militar e defenderam o fechamento do Legislativo e do Judiciário. No mesmo dia, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que pedir a volta da ditadura militar “é sonhar com um passado que nunca existiu”. A mensagem, que pede respeito aos ideais democráticos, foi publicada no Twitter pelo magistrado e compartilhada pelo ministro Gilmar Mendes. Nos bastidores, outros integrantes da Corte avaliaram a situação como grave, mas preferem aguardar os desenrolar dos fatos e acompanhar ações sobre o tema que já começam a chegar ao Supremo.

O presidente do STF participou do debate virtual organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Estiveram presentes representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Comissão Arns, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Agência Brasileira de Cooperação e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “As seis entidades têm no DNA o conhecimento do quão nefasto é o autoritarismo, do quão nefastos são os fundamentalismos, do quão nefasto é o ataque às instituições e à democracia”, enfatizou Toffoli. Ele destacou o papel das entidades que integraram o evento na restauração da democracia, após os 21 anos do regime militar.

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Atritos continuarão, dizem especialistas

Luiz Calcagno

Jorge Vasconcellos

21/04/2020

 

 

A crise constante entre o Executivo e o Legislativo atrasará as tomadas de decisão no combate ao novo coronavírus, tanto no que diz respeito à saúde quanto no que se refere a empregos e economia. E já existem exemplos disso. Um deles é o projeto de lei de ajuda aos estados, que contraria o governo. Outro, já em vigor, é o auxílio emergencial aos trabalhadores informais que, na ausência de iniciativa do presidente, passou na Câmara com um texto de 2018 adaptado à nova situação.

Nesse cenário, há, ainda, um equilíbrio de impossibilidades: de um lado, não há clima para um impeachment de Jair Bolsonaro, que sairia mais forte de um processo, caso conseguisse evitar a perda do mandato, e de outro, não há espaço para um eventual golpe na democracia, pois, dificilmente, o presidente da República, isolado politicamente por conta de suas declarações mais recentes, teria apoio dos militares, por exemplo. É como cientistas políticos avaliam a relação entre dois dos Três Poderes na semana que começou com o chefe do Executivo participando de uma manifestação contrária ao STF e ao Congresso e revogando uma medida provisória que estava condenada a caducar no parlamento — a MP 905, que criava o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, destinado a estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos.

Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael destacou que um momento de crise já é desfavorável ao diálogo naturalmente e piora quando um dos lados não tem interesse em manter o tom da conversa. “O país está passando por uma crise, e o que se tem de fazer é responder às demandas da sociedade. O ideal era que houvesse mais unidade entre presidente e governadores, entre Executivo e Legislativo, mas é muito difícil atravessar uma crise dessa, com escolhas controversas, em um momento em que se briga por tudo”, avaliou. “Nas nossas circunstâncias, por exemplo, qualquer presidente do mundo manteria o (Luiz Henrique) Mandetta (ex-ministro da Saúde), mas Bolsonaro tira em nome de questões políticas, teorias conspiratórias, grupos ideológicos.”

Herança

Eduardo Galvão, professor de Políticas Públicas do Ibmec Brasília, por sua vez, destacou que a tensão entre Executivo e Legislativo tem em Bolsonaro seu agravador, mas há antecedentes históricos. “A crise entre poderes é sintoma de uma transformação. O modelo de presidencialismo de coalizão sempre seguiu a lógica de compartilhamento do poder por meio de indicação de cargos, emendas parlamentares e verba no orçamento. Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara) e depois o Rodrigo Maia (atual presidente da Casa) desidrataram a possibilidade de emendas. Bolsonaro não quis distribuir cargos. O Congresso engessou ainda mais o Orçamento”, enumerou.

Ele recordou, ainda, que a crise ganha contornos mais claros por conta da pandemia, que evidencia as fraquezas e as instabilidades da sociedade, mas que o presidente já dispara contra o Legislativo há mais tempo. “Veja que as ferramentas tradicionais não funcionam mais. Bolsonaro propôs o fim do presidencialismo de coalizão, mas não colocou outro modelo no lugar. E até encontramos o rumo, vai haver atritos. Se as instituições não forem fortes, pode haver ruptura”, alertou.