Valor econômico, v.20, n.4980, 14/04/2020. Política, p. A10

 

Mandetta perde apoio de militares após declarações

Fabio Murakawa

Marcelo Ribeiro

Rafael Bitencourt

14/04/2020

 

 

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, perdeu boa parte do apoio de que gozava entre os militares que fazem parte do núcleo mais próximo do presidente. O motivo é a percepção por parte dos ministros Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) de que Mandetta não respeita a hierarquia e que pouco fez para manter a paz costurada por eles com o presidente Jair Bolsonaro na semana passada.

Ramos e Braga Netto foram os principais artífices da trégua selada entre o presidente e o ministro na semana passada, quando Mandetta ficou por um fio de ser demitido. Eles aconselharam Bolsonaro a não demitir o auxiliar em meio à pandemia.

Também ficou claro para o governo na ocasião a força política que Mandetta havia adquirido no cargo e seu prestígio junto à opinião pública, por conta de sua abordagem técnica do combate ao coronavírus e da facilidade que tem para se comunicar.

Entretanto, a entrevista concedida por Mandetta ao "Fantástico", no domingo, foi considerada uma afronta até mesmo por quem o defendia dentro do governo. No programa da TV Globo, Mandetta disse que "quando você vê pessoas entrando em padaria" isso é "uma coisa equivocada". Três dias antes, Bolsonaro havia entrado em uma padaria em Brasília para tomar um cafezinho.

O ministro também afirmou que a população brasileira não sabe se segue as suas recomendações ou as do presidente.

As falas de Mandetta foram vistas como uma provocação no Palácio do Planalto. Há quem interprete no governo que o ministro deseja ser demitido antes de a pandemia de covid-19 atingir seu pico no Brasil - o que segundo o próprio Mandetta só deve ocorrer entre maio e junho.

Segundo aliados, o ministro usou o "Fantástico" para fazer um "desabafo" sobre o comportamento do presidente, que segue desrespeitando as orientações de distanciamento social para conter o avanço do vírus.

Com o movimento, o objetivo do ministro foi enviar um recado: "Ou Bolsonaro o demite, ou passa a respeitar as orientações dadas pela pasta", alinhadas com o que vem sendo defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que passou a criticar Bolsonaro por conta da postura do presidente em relação ao coronavírus, foi um dos maiores incentivadores para que o ministro concedesse a entrevista. Após os rumores e que o ministro seria demitido na semana passada, Caiado demonstrou solidariedade e indicou que o aliado passaria a trabalhar com ele caso o desligamento se confirmasse.

Em conversas reservadas, Mandetta tem reforçado que não colocará "seu perfil técnico em risco por apego ao cargo".

Além de estar "esgotado com a indisciplina" do presidente, Mandetta teria afirmado a interlocutores que o presidente aposta "na estratégica bélica e de confronto" para evitar ser contaminado com eventuais efeitos negativos da crise.

Por isso, ele teria optado fazer posicionamentos claros sobre a doença, se antecipando a futuras críticas do presidente que deve responsabilizá-lo por uma explosão dos casos de contaminação, do colapso dos hospitais e de danos na economia.

Segundo interlocutores, Bolsonaro também ficou irritado com as declarações do ministro. Ele, no entanto, avalia o melhor momento para demitir o auxiliar. O cálculo é que, se de fato ocorrer um grande número de mortes nas próximas semanas, o presidente terá que arcar também com o custo político de haver demitido o ministro.

O fato, porém, é que dificilmente Mandetta sobreviverá no cargo por muito tempo. O próprio ministro, segundo interlocutores, acredita que deixará o governo no máximo após o fim da crise provocada pelo coronavírus.

Ontem, Mandetta passou o dia ontem no Ministério da Saúde. Ele não participou da entrevista interministerial diária sobre a covid-19 pela primeira vez desde que elas começaram a acontecer no Palácio do Planalto, no fim de março. Tampouco compareceu à apresentação dos dados da pandemia no Brasil, que foi comandada pelo secretário-executivo da pasta, João Gabbardo.

Oficialmente, a assessoria de Mandetta afirma que ele não compareceu por que "teve outros compromissos oficiais e não conseguiu chegar a tempo". Esses compromissos foram despacho internos e reunião com secretários.

Porém, fontes do Palácio do Planalto afirmam que a ausência de Mandetta tem origem em uma determinação que ele recebeu de Braga Netto e Ramos, em uma tentativa de agradar Bolsonaro. A presença de Mandetta na divulgação havia sido anunciada publicamente no começo do dia.

O número de mortes de pacientes infectados pelo novo coronavírus (covid-19) subiu de 1.223 para 1.328, entre domingo e ontem, segundo o Ministério da Saúde. Foram 105 novos óbitos registrados em 24 horas, o que representa o incremento de 9%.

Já os casos confirmados da covid-19 continuam aumentando em todo o país, saltou de 22.169 para 23.430. São 1.261 casos em 24 horas, com acréscimo de 6%.

O Ministério da Saúde indicou que seis Estados seguem em situação de "emergência" por registrar uma incidência de contágio pelo novo coronavírus 50% acima da média nacional, de 111 casos por 1 milhão de habitantes. Os Estados são Amazonas (303 casos), Amapá (281), Distrito Federal (209), Ceará (196), São Paulo (192) e Rio de Janeiro (186). Dois Estados seguem em "atenção": Roraima (131) e Pernambuco (120).

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Ministro trocou condição de vitíma por afronta

Maria Cristina Fernandes

14/04/2020

 

 

A entrevista do ministro da Saúde ao “Fantástico”, da TV Globo, na noite do domingo, desagradou até correligionários. No DEM, a avaliação é que Luiz Henrique Mandetta deixou evidente que cava sua própria demissão e trocou a oportunidade de sair como vítima pela condição de quem pode vir a sair por ter afrontado desnecessariamente o presidente da República.

O ministro chegou a repreender quem “vai à padaria” durante a quarentena, um dos passeios de Jair Bolsonaro na Páscoa, e, sem mencionar a cloroquina, disse que não é um “toque de mágica” que vai combater a pandemia. Mas foi nos minutos finais da entrevista que Mandetta afrontou abertamente Bolsonaro. Primeiro quando disse que a população fica sem saber se escuta o presidente ou a si mesmo e depois quando o comparou a um paciente que sofre de diabetes e, apesar de alertado pelo médico contra a ingestão de doces, continua a fazê-lo.

Nos dois momentos, Mandetta demonstrou acreditar exageradamente no que dizem as pesquisas. Sim, hoje o ministro é mais bem avaliado do que o presidente, mas o cargo é deste. Numa canetada, Bolsonaro pode decidir que Mandetta não é mais ministro e resolver a dúvida do cidadão. E não haverá efeitos colaterais sobre sua popularidade que o impeça.

Para aliados, pesou sobre a entrevista a inexperiência e o fato de estar hospedado na casa do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, também do DEM, e recentemente rompido com o presidente. O governador goiano foi o principal cabo eleitoral de Mandetta para o ministério. Em participação recente no “Roda Viva”, da TV Cultura, no entanto, quando indagado como via as perspectivas de o ministro vir a disputar a Presidência pelo DEM, Caiado, ele próprio um presidenciável, desconversou: “O negócio do Mandetta é saúde pública. Ele respira isso noite e dia.”

Além do apoio de Caiado, Mandetta chegou ao governo com o aval do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, também do DEM, que hoje trabalha por sua saída. Nunca teve proximidade, porém, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, ou mesmo com o prefeito de Salvador, ACM Neto. A tríade mais influente do partido sequer foi ouvida em sua nomeação.

Nada garante que o capital político que Mandetta tem hoje se preserve para 2022. Se é que o DEM, de fato, tem pretensões de chegar à Presidência ou se está melhor acomodado na gerência do Congresso, condomínio de onde passou a extrair crescente poder.

Na avaliação de correligionários do ministro, a cada dia que Bolsonaro prorroga sua saída para ganhar tempo, é Mandetta quem perde. Ainda não há um nome para seu lugar. O ex-ministro Osmar Terra se expôs, exagerada e equivocadamente. Por outro lado, o Palácio do Planalto já concluiu que o diretor-geral da Agência de Vigilância Sanitária, Antonio Barra, não tem cacife para o jogo.

Sem um nome à mão, Bolsonaro pode esperar um momento em que as mortes atinjam um pico de comoção popular para demiti-lo sob o argumento de que foi o ministro e não sua irresponsável pregação contra o isolamento social que levaram a isso. Não são fatos comprováveis, mas não é realidade, ainda por cima na era bolsonarista, a argamassa da política.