O Estado de São Paulo, n.46190, 04/04/2020. Economia, p.B4

 

Câmara aprova 'orçamento de guerra'

Camila Turtelli

Marlla Sabino

04/04/2020

 

 

PEC cria uma espécie de orçamento paralelo para segregar despesas emergenciais que serão feitas para o enfrentamento da covid-19

Depois de cinco horas e meia de discussão, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de “orçamento de guerra”. A PEC cria uma espécie de orçamento paralelo para segregar as despesas emergenciais que serão feitas para o enfrentamento da covid-19 no Brasil, como antecipado pelo ‘Estado’ no dia 23 de março. Vai vigorar durante o estado de calamidade pública já reconhecido pelo Congresso Nacional até o dia 31 de dezembro.

Foram 505 votos a favor e 2 contra no primeiro turno e 423 votos contra 1 no segundo turno. Para ser aprovada, uma PEC precisa de apoio de mais de três quintos da Câmara dos Deputados (308 de 513). O texto segue agora para o Senado, onde precisa do aval de, no mínimo, 49 de 81 senadores, em duas votações. A PEC não vai à sanção do presidente, e é promulgada pelo próprio Congresso.

A proposta foi também pivô de um conflito entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, que alegou na terça-feira que as medidas emergenciais não foram editadas porque a PEC não tinha sido aprovada. Na réplica, Maia disse que o governo já tinha garantias jurídicas para liberar o auxílio emergencial.

Havia um único ponto sem consenso entre Congresso e governo que era a possibilidade de o Legislativo sustar as decisões do comitê que será criado para fazer a gestão dos recursos na crise. Um ajuste de redação resolveu a questão. A versão anterior dizia que é dado poder ao Congresso para sustar qualquer decisão “em caso de ofensa ao interesse público ou de extrapolação dos limites da sua ação”. A atual versão diz que a prerrogativa é para “caso de irregularidade ou de extrapolação aos limites do artigo”.

“Essa PEC ajuda a tirar todas as amarras do governo federal. Permite inclusive que ele passe por cima da regra de ouro”, afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-MA). A regra de ouro impede o governo de se financiar para pagar gastos correntes, como salários e benefícios assistenciais.

Gestão. A proposta cria um Comitê de Gestão da Crise, responsável por aprovar as ações do regime emergencial, criar, eleger, destituir e fiscalizar. O presidente Jair Bolsonaro vai presidir o comitê, que será formado pelos ministros da SecretariaGeral da Presidência da República, da Saúde, da Economia, da Cidadania, dos Transportes, da Agricultura e Abastecimento, da Justiça e Segurança Pública, da Controladoria-Geral da União e Casa Civil.

A proposta original protocolada na Câmara previa a participação de quatro senadores e de quatro deputados, mas sem direito a voto, mas isso foi retirado do texto.

Para o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), o texto permite que o governo dê respostas em relação às medidas de combate ao novo coronavírus para os brasileiros. “A população está cumprindo seu papel, seguindo orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde), evitando contato pessoal, mas esperam respostas. A aprovação dessa PEC garante que o governo federal não tenha travas, dificuldades, para disponibilizar recursos para enfrentamento dessa crise.”

A proposta prevê ainda que o Banco Central poderá comprar e vender direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários. O relator da PEC, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) incluiu um artigo prevendo que o presidente do Banco Central terá de prestar contas ao Congresso Nacional, a cada 45 dias, sobre essas operações.

As operações precisarão de autorização do Ministério da Economia e o aporte de capital de pelo menos 25% do Tesouro Nacional. Hoje, o Banco Central é proibido de fazer essa prática, comum em outros países como nos Estados Unidos.

O líder da oposição da Câmara, deputado André Figueiredo (PDT), afirmou que vai insistir na aprovação de medidas para garantir mais transparência nas ações da autarquia. “Queremos sim que os atos do Banco Central, obviamente respeitando o sigilo bancário a qual os dirigentes são submetidos, possam ser transparentes e que em uma legislação infraconstitucional possamos garantir isso”, disse.

- Respostas

“A população está seguindo orientações da OMS (...). A aprovação dessa PEC garante que o governo federal não tenha travas, dificuldades, para disponibilizar recursos para enfrentamento dessa crise.”

Baleia Rossi (MDB-SP)

DEPUTADO FEDERAL
“Essa PEC ajuda a tirar todas as amarras do governo federal. Permite inclusive que ele passe por cima da regra de ouro.”

Hildo Rocha (MDB-MA)

DEPUTADO