Valor econômico, v.20, n.4983, 17/04/2020. Brasil, p. A5

 

Fim do isolamento requer estratégia de saída, diz especialista

Beth Koike

17/04/2020

 

 

O fim do isolamento social precisa vir acompanhado de uma estratégia de retorno desenhada por um grupo multidisciplinar formado por especialistas de diversas áreas. "Um time do futuro que não esteja trabalhando no dia a dia da pandemia e que possa pensar, criar cenários para o retorno das atividades", assim definiu o médico Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião dos hospitais Albert Einstein e Oswaldo Cruz, ontem, na estreia da Live do Valor, que ocorre todos os dias às 11h.

Ben-Hur participa de um grupo multidisciplinar liderado por Pércio de Souza, fundador da assessoria financeira Estáter. Essa equipe tenta traçar esses cenários, com base em estatísticas, e a ideia é que esse trabalho possa ser oferecido aos governos federal, estadual e municipal para ajudar o país a voltar às atividades de forma equilibrada. "Estamos trabalhando duro nisso. Queremos produzir algum relatório que possa servir de informação e que tenha além de números, algumas estratégias para saída da quarenta, estratégias por regiões", disse Ben-Hur. "Não podemos retornar todos juntos numa segunda-feira pela manhã", complementou. Ele exemplificou que em cidades grandes como São Paulo o retorno pode ser feito por regiões e em determinados segmentos.

O médico chamou atenção para o risco de outras ondas de problemas após essa primeira reação maciça dos países para conter o vírus. Para ele, é preciso andar na frente do problema, caso contrário vamos "apagar incêndio o tempo todo".

Segundo ele, corremos o perigo de viver cinco ondas da saúde com a pandemia. Hoje, estamos na primeira fase, que ele chama de modo sobrevivência, período de caos com o vírus infectando as pessoas. Na sequência, vem a onda das restrições a pacientes oncológicos e de transplantes, a terceira onda afetaria doentes crônicos. Outra onda seria o aumento de casos envolvendo a depressão e por último, a escassez econômica.

Já há efeitos colaterais acontecendo com a transferência de boa parte dos leitos hospitalares do país a pacientes com ou suspeita da covid-19. Segundo o médico especializado em transplantes, já há uma redução entre 30% e 40% no volume de doações de órgãos no país, sendo que Nordeste, esse índice chega a 70%. Ele se mostrou preocupado com a falta de recursos para pacientes de doenças crônicas que necessitam de acompanhamento médico constante e em relação a postergação de exames que podem detectar o câncer em sua fase inicial, quando a eficácia de um tratamento é muito maior.

O efeito mais devastador pode ser com a saúde mental da população. Ele citou um estudo sobre os reflexos na crise da Grécia que fez 5% da população ter importantes graus de depressão. "Se a gente for transferir para o Brasil, a gente vai ter 10 milhões de pessoas gravemente enfermas com todas as suas consequência, com dificuldades para voltar ao trabalho."

Ben-Hur defende o isolamento social como uma ferramenta para achatar a curva de crescimento dos casos do novo coronavírus. Ele lembrou que o isolamento social tem por objetivo principal evitar um colapso no sistema de saúde, uma vez que, se uma grande parcela da população for contaminada ao mesmo tempo, não haverá leitos disponíveis para todos.

Médico dos hospitais Albert Einstein e Oswaldo Cruz, Ben-Hur elogiou o Sistema Único de Saúde (SUS) e diz acreditar que a pandemia é uma oportunidade para melhorar a rede pública de saúde que vem ganhando reforços de equipamentos, insumos e leitos. Nesse contexto de avanços, ele também destacou a importância da telemedicina, que ontem teve sua lei sancionada, e ganha papel relevante numa pandemia de uma doença com alto grau de contaminação. O médico lamentou que a pandemia da covid-19 e o uso da cloroquina tenham se tornado temas tão polarizado. "Transformar essa crise mundial numa bandeira política é um enorme equívoco".

Apesar de considerar que atual crise é grave e nunca imaginou viver algo semelhante, Ben-Hur acredita que todos sairão dessa pandemia com aprendizado e que sua certeza é que isso "vai passar".