Valor econômico, v.20, n.4985, 22/04/2022. Política, p. A7

 

Ministro dá aval para investigar ato pró-AI-5

Murillo Camarotto

Andrea Jubé

22/04/2020

 

 

Em menos de 24 horas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu o pleito da Procuradoria-Geral da República (PGR) para autorizar a abertura de um inquérito para investigar os atos em defesa de uma intervenção militar, realizados no último domingo, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

Em sua decisão, Moraes salientou que o fato, tal como narrado pela PGR, "revela-se gravíssimo, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas". O ministro também é relator do polêmico inquérito instaurado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para investigar a onda de fake news e ataques virtuais à instituição e aos integrantes da Corte.

O pedido de investigação foi formulado na segunda-feira pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. No requerimento, Aras alegou que pode ter havido desrespeito à Lei de Segurança Nacional, que prevê os crimes que lesam ou expõem à lesão o regime representativo democrático, a Federação e o Estado de Direito, bem como os chefes de cada um dos três Poderes.

Aras recomendou, na petição, que além de cidadãos, deputados federais poderão ser investigados se houver indícios de que participaram da organização das manifestações. O procurador-geral não pediu a investigação de Bolsonaro, que participou do ato, onde fez um discurso inflamado, com recados velados às instituições e à classe política. Bolsonaro advertiu: "Não vamos negociar nada". Disse que "acabou a patifaria" e conclamou o povo a lutar ao lado dele.

O ato na frente do quartel-general do Exército contou com a presença de apoiadores do presidente, ostentando faixas que cobravam "intervenção militar já com Bolsonaro" e a edição de um novo AI-5, o ato institucional mais radical do regime militar, que eliminou direitos individuais, como o habeas corpus. Os participantes gritavam palavras de ordem pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

"O Estado brasileiro admite uma única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional", afirmou Aras no requerimento.

Com esse movimento, Aras busca defender o Ministério Público, já que os atos representaram um ataque às instituições da República, mas, simultaneamente, tenta se recompor com os integrantes do Ministério Público Federal, de quem passou a receber críticas.

No último dia 14, Aras foi questionado pelos colegas porque veio a público a informação de que ele encaminhou 20 ofícios a ministros de Estado solicitando que pedidos de informações feitos por outras instâncias do Ministério Público Federal referentes à pandemia do coronavírus fossem encaminhados para o gabinete da PGR.

A atitude gerou um protesto oficial da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), para quem Aras atacou a independência funcional dos membros do MPF. Pelas regras do MPF, todos os procuradores podem atuar livremente, sem a necessidade de autorização prévia do procurador-geral da República.

Em paralelo, Aras vem recebendo críticas por uma suposta proteção ao presidente da República. Enquanto membros do MPF vêm acionando o governo e a Justiça para questionar a postura do presidente em meio à pandemia, a PGR arquivou todas as queixas contra Bolsonaro.

Sobre a reclamação oficial da ANPR, Aras argumentou que os ministérios vinham recebendo uma enxurrada de solicitações de informações e orientou as pastas a encaminhar para ele os pedidos, com o objetivo de uma análise de "pertinência". Além disso, ele sustentou que as normas internas garantem ao PGR a prerrogativa de se dirigir a ministros de Estado.

Ocorre que ele também interveio em solicitações encaminhadas a outras autoridades, como secretários. Nesse caso, o argumento foi de que as medidas solicitadas demandavam a participação dos ministros e, consequentemente, a atuação do PGR.

Em nota, a ANPR argumentou que a justificativa de Aras é genérica, e que ele estaria, sim, interferindo no trabalho dos colegas. "Nas duas dezenas de ofícios encaminhados, o PGR indica que poderá haver o reexame do conteúdo das recomendações, sob o pretexto de preservar a atribuição dos órgãos superiores do MPF, em flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional".

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Radicalismo de Bolsonaro é retórico, afirma auxiliares

Fabio Murakawa

22/04/2020

 

 

O gesto do presidente Jair Bolsonaro, de participar de uma manifestação pró-AI-5 em frente ao Quartel General do Exército no último domingo, foi visto no Palácio do Planalto mais como um arroubo retórico do que uma ameaça, ainda que velada, à institucionalidade do país. Mas para militares, alguns deles integrantes do governo, o presidente passou do ponto e chegou perto de uma "linha vermelha".

Ministros e outros auxiliares enxergam que o presidente tenta dissociar a sua imagem e suas atitudes da instituição Presidência da República. Comporta-se como candidato, endurece na retórica contra a chamada "velha política" e na defesa de teses contrárias às do próprio governo - ou que em situação normal seriam consideradas uma afronta à democracia.

Porém, o governo continua funcionando normalmente, ministros seguem diretrizes técnicas e as negociações com o Congresso seguem dentro de um patamar normal para a atual gestão.

Consultado sobre se é possível separar os atos e palavras do presidente da instituição que ele representa, um general respondeu com uma pergunta: "Independente do que foi dito, e sobre isso me reservo o direito de não comentar, como se materializa a instituição Presidência da República? A Constituição Federal brasileira há de ser sempre solução a todos os desafios institucionais do país. Não há atalhos fora dela!", afirmou o general.

Na opinião de interlocutores, o alvo no domingo não foi a democracia, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem o Palácio do Planalto tenta enfraquecer atraindo partidos do Centrão para sua esfera de influência.

Uma sinalização disso é a adesão de Roberto Jefferson, presidente do PTB, à tese sem provas de que Maia está tramando um golpe contra o presidente. Outros partidos estão em conversas por cargos no governo.

Mas a presença de Bolsonaro em um ato pró-golpe em frente ao QG do Exército, em Brasília, incomodou a cúpula militar e ligou alertas no governo. A caserna fez chegar a Bolsonaro seu desagrado por meio dos militares que despacham no Planalto e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que emitiu uma nota para deixar claro que as Forças Armadas não pretendem sustentar um golpe.

"As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros", escreveu. "Nenhum país estava preparado para uma pandemia como a que estamos vivendo. Essa realidade requer adaptação das capacidades das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: o coronavírus e suas consequências sociais. É isso o que estamos fazendo".

A nota reflete também pressões de parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Azevedo chegou a trabalhar no gabinete do presidente da Corte, Dias Toffoli, antes de ganhar um cargo na Esplanada.

Auxiliares avaliam que, apesar do puxão de orelha, Bolsonaro continuará radicalizando ocasionalmente. Acreditam que, nas vezes em que tentou moderar o discurso, seguiu sob críticas da mídia e ainda perdeu apoio entre o núcleo mais radical e fiel de sua base. Ao radicalizar, conseguiu reconquistar apoio, sobretudo nas redes sociais. O objetivo é manter a base acesa. Com 30% de apoio, ele está garantido em um segundo turno eleitoral em 2022, acreditam.