O globo, n. 31647, 30/03/2020. Opinião, p. 2

 

Trump, Bolsonaro e Obrador perdem a chance histórica de ação conjunta

30/03/2020

 

 

Eles governam os três maiores países do continente americano, e estão enviando sinais contraditórios sobre a pandemia do novo coronavírus a um conjunto de 672 milhões de pessoas.

Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no Brasil, e Andrés Manuel López Obrador, no México, se mostram desconectados da realidade em flertes com o negacionismo e apelos à flexibilização das restrições à quarentena domiciliar, recomendada pela comunidade científica mundial, especialmente numa etapa em que as três nações começam a enfrentar o período de pico da disseminação da doença.

Trump, que está em campanha pela reeleição em novembro, ainda consegue se mostrar o mais comedido do trio presidencial. Num dia anuncia a “reabertura” da economia, no outro afirma que “o melhor para nossa economia é uma vitória muito forte sobre o vírus”. Ao menos por enquanto, ele não se aventurou numa defesa pública de que as pessoas saiam às ruas, desconsiderando sucessivos alertas e recomendações científicas.

Jair Bolsonaro, que está em campanha pela reeleição desde a posse, foi muito além de Trump na ação e no discurso reacionário.

Classificou a pandemia como mera “gripezinha”, contra todas as evidências científicas. Radicalizou, numa suposta defesa da saúde econômica do país. Acabou a semana isolado pelo juízo coletivo de prudência sanitária e perseverança na quarentena pela preservação da vida em sociedade.

No México, também devido a razões político-eleitorais, o presidente López Obrador tem surpreendido a todos por se opor ao que diz: num dia anuncia ter entregue aos cientistas a formulação e execução de uma política nacional contra o coronavírus, e no seguinte escandaliza epidemiologistas ao minimizar os riscos da pandemia com encomendas de poções “milagrosas” e convocar concentrações públicas, nas quais distribui abraços e cumprimentos. López Obrador está em campanha para conquistar maioria parlamentar nas eleições do ano que vem.

Líderes das três maiores democracias da região, Trump, Bolsonaro e López Obrador transmitem mensagens incoerentes e parecem perdidos nas próprias contradições, derivadas de motivações políticas.

Sem a bússola do bom senso na governança, deixam escapar a chance histórica de se unirem para uma ação solidária e coordenada de esforços para enfrentar o desafio comum de salvar vidas e a economia do continente americano.