O Estado de São Paulo, n.46185, 30/03/2020. Economia, p.B3

 

Por covid-19, STF autoriza governo a descumprir LRF

Julia Lindner

Adriana Fernandes

30/03/2020

 

 

Decisão permite mudar regra para liberação do seguro-desemprego e flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal

O governo conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) que retira as travas para a adoção de medidas de aumento de gastos para o combate do impacto do coronavírus. A primeira medida provisória que deverá sair do papel é a que garante compensação financeira com parcela do seguro-desemprego a trabalhadores que tiveram suspensão de contratos de trabalho durante a crise do novo coronavírus. A União obteve decisão favorável no Supremo para flexibilizar a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O sentimento na área econômica foi de alívio com o recebimento da decisão do STF, ontem, segundo um integrante da equipe econômica. Apesar do alívio, há preocupação de que a decisão represente uma porteira aberta na LRF, um dos principais marcos legais da política fiscal no Brasil.

O alcance da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é amplo para todos os casos de despesas, o que dá liberdade para a área orçamentária executar programas. Essas restrições estavam travando a efetividade das medidas. A liberdade só vale durante a vigência do estado de calamidade.

Como mostrou o Estado, os técnicos estavam receosos de adotar medidas de gastos sem compensação, como o pagamento de parte do seguro-desemprego. “Agora que autorizou, pode tramitar internamente. O presidente ainda tem de assinar”, explicou um técnico.

Para acelerar a MP com os valores da compensação, o advogado-geral da União, André Mendonça, entrou com ADI, na quinta-feira, pedindo que artigos da LDO de 2020 e da LRF não sejam considerados para as despesas de enfrentamento da crise durante o período de calamidade.

Nas redes sociais, Mendonça afirmou que a decisão vai facilitar o apoio do governo a trabalhadores e empresários na crise. “O ministro Alexandre de Moraes, do STF, acaba de conceder liminar retirando os obstáculos da LDO e da LRF. Agora, sem os entraves, podemos ajudar os nossos trabalhadores e empresários nesse momento tão difícil”, escreveu.

Pelo despacho de Moraes, a validade da medida será “durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de covid-19”.

Mais cedo, em encontro com prefeitos, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que era necessário “suspender regras normais” para evitar que integrantes do governo fossem enquadrados pela LRF. “Deveria ter cláusula de calamidade pública para que dinheiro ficasse direto na ponta”, disse Guedes.

O coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Manoel Pires, alertou para o problema, após a decisão do STF: “O governo, por meio de uma Adin, pede suspensão de artigos da LRF. O STF concede. Dúvida sincera: a lei volta a ser constitucional depois da crise? Daqui para a frente teremos um regime de exceção fiscal em calamidade pública?”