Valor econômico, v.20, n.4955, 09/03/2020. Política, p. A9

 

Sem Aliança, clã Bolsonaro ficará neutro na eleição

Fabio Murakawa

09/03/2020

 

 

Com o Aliança inviabilizado para as eleições municipais, o presidente Jair Bolsonaro e seu núcleo familiar decidiram manter uma atitude de neutralidade no pleito de outubro. O clã teme desagradar os partidos no Congresso, que mantêm uma relação conturbada com o Executivo. O presidente e seu filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro (sem partido-RJ), estão à frente de negociações com líderes de outras legendas para que hospedem seus candidatos a prefeito e a vereador.

Ao Valor, Flavio disse, na sexta-feira, que embora acredite já haver assinaturas suficientes coletadas para permitir a criação do Aliança, a mobilização continua para "manter acesa a militância". A entrevista, pedida a interlocutores do senador após ter ficado claro que a legenda ficaria fora das eleições municipais, foi concedida sob a condição de que apenas seriam tratados temas relativos ao Aliança.

Segundo o senador, três partidos já abriram as portas para o grupo bolsonarista. "Há conversas avançadas com o PRB, o Patriota e o PSD", revelou Flavio. "Os presidentes ou nacionais ou estaduais, já sinalizaram que têm as portas abertas para quem o Aliança quiser lançar em qualquer local."

Diferentemente de 2014, quando o PSB abrigou os candidatos do Rede de Marina Silva, não haverá uma legenda hospedeira para os postulantes do Aliança. Os candidatos estão livres para optar por que sigla irão concorrer. Mas Flavio ressalva que o partido escolhido pelo candidato a vereador não pode ser de esquerda. Tampouco a esquerda pode estar na coligação dos candidatos a prefeito.

"Não haverá da nossa parte nenhuma imposição. Não tem nenhum convênio. Não tem partido hospedeiro", afirmou. "Em todas as conversas a ideia é que, quando o Aliança ficar pronto, aqueles que se elegerem possam fazer a mudança sem nenhum tipo de problema, sem nenhuma perseguição ou ações para tirar o mandato."

Flavio afirma que também não há veto ao PSL, embora tema retaliações do grupo ligado ao presidente nacional da legenda, Luciano Bivar. "Eu acho bom evitar. Eu sugeriria evitar que a filiação se dê pelo PSL. Mas, dependendo do caso, as circunstâncias, a realidade daquele município, é um caso a ser estudado", disse. "Não há como ter um veto já prévio ao PSL. Até porque vários dos que estão hoje filiados ao PSL ajudaram a construir o PSL nos seus municípios."

Primeiro vice-presidente da legenda em processo de criação, Flavio negou que os atos "pró-Bolsonaro", marcados para o domingo, serão usados para a coleta de assinaturas. O movimento, que qualifica como "espontâneo" e apartidário, perderia legitimidade se fosse usado para a coleta de firmas ou qualquer outro ato ligado a partidos.

Questionado, Flavio disse concordar que, diante da polarização política vivida no país, temas nacionais estarão em debate nas eleições municipais. Ele afirmou que "hoje o maior cabo eleitoral de qualquer candidato chama-se Jair Bolsonaro". Mas ponderou que as questões locais seguirão tendo papel central e que muitos candidatos "poderão usufruir" do bônus estarem alinhados ao presidente, que hoje controla recursos federais que são levados às regiões.

"Há sim [na campanha] essa discussão mais de questões locais, de obras, de saúde, de saneamento. E, como nós estamos agora mais na máquina federal, muitos candidatos agora já vão inclusive usufruir disso, de ter levado conquistas materiais para as suas bases eleitorais oriundas de recursos do governo federal", afirmou. "É mais um peso importante do nome Bolsonaro nas eleições municipais."

Na sexta, Bolsonaro disse que não apoiará ninguém no primeiro turno destas eleições. Segundo Flávio, a participação do presidente, se ocorrer, será discreta. "O máximo que ele [Bolsonaro] pode fazer é sinalizar para um candidato ou outro. A gente não vai entrar de cabeça nas campanhas", disse. "Nos casos que nós entendermos que isso é fundamental, pode ser que eu faça [campanha para um candidato], pode ser que o presidente faça." Flávio defende a postura cautelosa para não gerar ruídos na relação com o parlamento.

"Ele, como presidente da República, tem que ter um certo afastamento disso. Porque os partidos, neste momento da eleição, estão fazendo uma disputa", disse. "Quando o presidente entra na disputa puxando para algum lado, isso pode gerar algum descontentamento por parte dos outros partidos que possuem bancada aqui no Congresso Nacional."

Flavio pretende aguardar o segundo turno no Rio, sua base eleitoral, para explicitar apoio. E ironiza a costura feita pelos governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio, para viabilizar a candidatura do ex-ministro Gustavo Bebianno à prefeitura da capital fluminense. Demitido por Bolsonaro no início do governo, Bebianno aliou-se aos dois governadores - que se elegeram colando a imagem à de Bolsonaro, de quem depois se tornaram desafetos.

"Estou achando ótimo. Estou louco para ver o desempenho deles nas urnas sem o Bolsonaro", disse Flavio. "São pessoas que, sem o Bolsonaro, não tenho a menor dúvida, estão em uma posição de fragilidade muito grande."

Segundo Flávio, partiu do pai a "opção política" de não correr para viabilizar o partido para as eleições deste ano. "Se a gente acelerasse, podia aos 48 do segundo tempo o partido ficar pronto", disse. "A decisão política partiu dele [Bolsonaro], não quer fazer de maneira açodada." De acordo com o senador, o pai usará "lupa bem ampla" para nomear os diretórios do Aliança nos Estados, a fim de "minimizar a possibilidade de traições", como no caso do PSL. O partido buscará autonomia financeira para depender "o menos possível de recursos públicos" do fundo partidário.

O senador calcula que o partido já tenha coletado cerca de um milhão de apoiamentos para a sua criação, mais do que o dobro do necessário por lei. Mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só processou pouco mais de 86 mil.

Apesar disso, a coleta de firmas continuará "a todo o vapor" e só vai parar quando o TSE informar que tem 492 mil firmas, o mínimo exigido por lei, processadas. "É importante manter esse movimento para que as pessoas se mobilizem", disse. "Aqueles que são lideranças podem aproveitar para ampliar a sua força naquela cidade, manter a militância ativa, participando."

No sábado, um dia após a entrevista, o presidente exortou a população a ir às ruas no dia 15 para as manifestações, que disse ser "em defesa do Brasil" - e não contra o Congresso e o Judiciário. Ao Valor, Flavio afirmou que vincular o pai ao desejo de atentar contra os demais poderes é uma tentativa de "enfraquecê-lo".

"Nesse um ano e pouco de governo, ele [Bolsonaro] já cansou de provar o seu respeito às instituições, mas também às pessoas que estão nessas instituições", disse. "Então, usam isso politicamente para tentar enfraquecê-lo."