O Estado de São Paulo, n.46183, 28/03/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Governo anuncia crédito de R$ 40 bi para empresas pagarem folha salarial

Eduardo Rodrigues

Lorenna Rodrigues

Julia Lindner

28/03/2020

 

 

Medida é para socorrer pequenas e médias que podem ter dificuldades para pagar salários por conta da crise causada pela pandemia de coronavírus no País; Rodrigo Maia, presidente da Câmara, diz que a linha emergencial 'não é ruim', mas é 'tímida' e 'não vai resolver nada'

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem uma nova linha de crédito emergencial de R$ 40 bilhões para que pequenas e médias empresas financiem o pagamento dos salários dos funcionários por dois meses.

O crédito deve estar disponível em até 15 dias, segundo estimativa do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que participou do anúncio no Palácio do Planalto.

A medida tem o objetivo de aliviar a pressão financeira sobre os pequenos negócios diante da crise provocada pela pandemia da covid-19. A previsão é que sejam beneficiadas 1,4 milhão de pequenas e médias empresas do País, que empregam 12,2 milhões de pessoas.

Bolsonaro tem dado declarações minimizando os riscos do coronavírus e defendendo a redução das restrições ao movimento de pessoas e a volta ao trabalho por causa dos prejuízso econômicos causado pelo isolamento.

No entanto, o isolamento é recomendado por autoridades sanitárias nacionais e internacionais, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para reduzir o crescimento no número de doentes pela covid-19.

Poucas horas depois do anúncio, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a linha de crédito emergencial "não é ruim", mas é "tímida" e "não vai resolver nada". Segundo Maia, ainda faltam medidas voltadas para outros setores da sociedade.

De acordo com o economista Daniel Duque, especialista em mercado de trabalho da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), o programa tem potencial para proteger 10 milhões de pessoas, o que representa 20% dos trabalhadores com carteira assinada. Ele critica, no entanto, o fato de o governo não ter incluído as microempresas. A medida é destinada para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano.

O recurso será depositado diretamente na conta de cada trabalhador indicado pela empresa, que não poderá demiti-lo nesses dois meses. "O dinheiro vai direto para a folha de pagamento. A empresa fecha o contrato com o banco, mas o dinheiro vai direto para o funcionário, cai direto no CPF do funcionário. A empresa fica só com a dívida", disse Campos Neto.

Regras. O financiamento será limitado a dois salários mínimos (R$ 2.090) por trabalhador. Por exemplo: se o salário do empregado é de um salário mínimo (R$ 1.045), ele continuará ganhando o mesmo valor. Caso ele receba três salários mínimos (R$ 3.135), porém, ele vai ganhar dois salários mínimos (R$ 2.090) nesses dois meses direto do banco. Ficará a cargo da empresa completar o valor acima de dois salários mínimos. Ou seja, no exemplo, caberá à empresa pagar os outros R$ 1.045 do funcionário que ganha três mínimos.

Campos Neto lembrou que, para não completar o valor, a empresa terá de demitir o funcionário, o que acaba custando mais caro que usar a linha: "Para cada demissão, o custo é de três a quatro meses de salário."

A linha terá juro de 3,75% ao ano (o patamar atual da taxa básica de juros), sem a cobrança de spread bancário (a diferença entre o valor que o banco capta e o que cobra do cliente). O presidente do BC ressaltou que essa taxa está muito abaixo do que é geralmente cobrado em empréstimos para pequenas e médias empresas, em média 20% ao ano. "Estamos aliviando para uma taxa que é muito abaixo do que seria cobrado normalmente. É um período de muitas dificuldades que temos de atravessar garantindo emprego para os trabalhadores", completou.

O BC avisou que vai poder cobrar explicações dos bancos que se recusarem a liberar os empréstimos para que a política de concessão não seja discriminatória, mas alertou que as empresas precisam ter "bom histórico" com os bancos nos últimos seis meses, ou seja, não terem dado calote nesse período.

A operação do programa será feita em parceria com o BNDES e bancos privados. De acordo com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, do total de R$ 40 bilhões que serão ofertados, 85% virão do Tesouro Nacional e outros R$ 15% de bancos privados.
- Na conta do trabalhador

"A empresa fecha o contrato com o banco, mas o dinheiro vai direto para o funcionário, cai direto no CPF dele. A empresa fica só com a dívida."

Roberto Campos Neto

PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. Quais são as regras para acessar o crédito?

O financiamento estará disponível para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano; será exclusivo para folha de pagamento; a empresa terá seis meses de carência para começar a pagar as parcelas e 36 meses para quitar a dívida; os juros serão de 3,75% ao ano.

2. Onde será possível pegar os empréstimos?

Nos bancos privados. Os presidentes do Bradesco, Itaú Unibanco e Santander Brasil afirmaram que vão ofertar a nova linha. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no entanto, disse que a nova linha ainda leva entre uma e duas semanas para ficar pronta.

3. As empresas podem pegar esse crédito para pagar outras despesas?

Não. O financiamento será apenas para pagar os salários dos funcionários.

4. A linha vai cobrir todo o salário?

Não. O dinheiro para pequenas e médias empresas vai financiar, no máximo, dois salários mínimos (R$ 2.090) por trabalhador.

5. A empresa pode pegar o empréstimo e também adotar corte no salário dos funcionários?

O governo não explicou se as empresas poderão conciliar as duas coisas.