Valor econômico, v.20, n.4966, 24/03/2020. Politica, p. A9

 

Governadores elogiam mudança de tom

Malu Delgado 

Cristiane Agostine

Marina Falcão

Marcos de Moura e Souza

Cristian Klein

24/03/2020

 

 

A mudança de comportamento esboçada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro, que iniciou uma série de reuniões com governadores, por regiões do país, deu um alento aos governos estaduais, que assistiam perplexos à falta de diálogo e de ação nacional coordenada para combater o avanço do coronavírus. Bolsonaro anunciou um pacote de socorro financeiro de R$ 85,8 bilhões a Estados e municípios. Os gestores ainda consideram as medidas insuficientes para o tamanho da crise e apontam falta clareza e objetividade da União sobre vários procedimentos, mas pelo menos sentem que o presidente decidiu se mexer.

Ontem, ele participou de videoconferência com os governadores do Norte e Nordeste, ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Já o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, participou de outra reuniao com governadores do Sul e Sudeste. Hoje o presidente terá um encontro virtual com governadores do Sul. Uma das grandes preocupaçoes do governo federal é padronizar decretos estaduais sobre suspensão de atividades econômicas e restrições de deslocamentos

A expectativa é que Bolsonaro continue disposto a escutar as necessidades dos governos locais e que a União mude a lógica fiscal para enfrentar a Covid-19. Apesar de a União ter suspendido o pagamento de R$ 12,6 bilhões em dívidas dos Estados, ainda há forte demanda para mais verbas para saúde e assistência social. Todos os governadores também querem discutir abertamente com a equipe econômica sobre as projeçoes de perdas brutais de receitas de ICMS, um assunto que, por ora, é vetado.

Para o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), ficou evidente "uma forte mudança na postura" de Bolsonaro "no sentido de compreender de que vai ter uma crise que é muito grave". Segundo Dias, a equipe econômica trabalha com um cenário de recessão no primeiro trimestre, mas não quis fazer projeção para o restante do ano. "Percebi, na fala dele, da equipe, uma compreensão maior do que ele vinha colocando nas entrevistas, no sentido que compreende que precisava de medidas e vai avaliar se precisa de novas ações", afirmou Dias ao Valor. "Houve uma convergência muita positiva entre as propostas que apresentamos e as apresentadas pela equipe técnica dos ministérios da Fazenda e da Saúde", afirmou.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou que "a ficha caiu" e o presidente se deu conta do colapso que pode atingir o pais. "Por mais boa vontade que governadores e prefeitos tenham, é preciso coordenação nacional. Fofocas e futricas políticas, afirmou, devem ser deixadas de lado neste momento em que vidas estao ameaçadas.

Houve otimismo entre os governadores do Nordeste após a conversa de ontem com o presidente, afirmou o governador do Ceará, Camilo Santana (PT). "Todos ficaram com disposição de cooperar, superar questões políticas, partidárias, ideológicas", afirmou Santana, em vídeo divulgado no Facebook. O governo federal, disse o petista, atendeu praticamente todos os pontos pleiteados pelos governadores da região, como a transferência de recursos para a saúde dos Estados, a recomposição do Fundo Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a suspensão do pagamento da dívidas dos Estados com a União e com bancos públicos, inicialmente por quatro meses, podendo chegar a seis. "Isso alivia o caixa do Estado", disse. O governo federal também se comprometeu a continuar abrindo as operações de crédito.

Para os governadores do Sul e Sudeste, as medidas terão impacto bem menor.

O governador de São Paulo, João Doria, disse que há um compromisso com o ministro Tarcísio Gomes de Freitas de se respeitar o princípio básico de que estradas e fronteiras devem permanecer abertas para não haver desabastecimento. "Isso está mantido." Antes de Bolsonaro anunciar a decisão federal de suspender as dívidas de Estados com a União, Doria já comemorava a decisão do Supremo Tribunal Federal que havia liberado o Estado de depositar ao Tesouro Federal R$ 1,2 bilhão mensalmente. "Fizemos isso para proteger vidas

certamente." Chamado de lunático por Bolsonaro, Doria evitou polemizar. "Não vou fazer rap do desafio, ou os reis do ringue. Não é esse procedimento que se espera de um presidente da República. Não é esse o procedimento que se espera de um mandatário que tem a obrigação de liderar a defesa do Brasil, dos brasileiros, da saúde dos brasileiros", disse. Bolsonaro deve orientar seus ministros, governadores e prefeitos, enfatizou Doria, e o momento não permite divisionismos. "Peço ao presidente Bolsonaro que tenha discernimento, capacidade e serenidade para agregar pessoas e não desagregar", insistiu o paulista.

O governador o Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que as medidas do governo federal anunciadas ontem terão pouco impacto para Estados como o que ele governa, assim como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás, que obtiveram decisões judiciais para não fazer o desembolso do pagamento da dívida com a União. O Rio Grande do Sul não paga desde 2016.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), afirmou que as medidas de ajuda a Estados e municípios, anunciadas nesta segunda-feira pelo governo federal, são boas mas pode ser que tenham que ser repensadas, à medida que a pandemia do novo coronavírus avançar no país. O governador capixaba estimou que o Estado receberá cerca de R$ 500 milhões de dinheiro livre, sem contar os R$ 300 milhões da dívida com a União que deixarão de ser pagos por seis meses, além de quase R$ 1 bilhão que poderá ser facilitado por meio de operações de crédito com bancos estatais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Pela manhã, Casagrande participou da reunião com os governadores do Sul e do Sudeste, com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que pediu que os Estados unifiquem as políticas de combate ao coronavírus de modo a garantir a circulação de mercadorias pelas estradas. Diferentemente do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), que mandou fechou as divisas, Casagrande se disse contra a medida.