Correio braziliense, n. 20775 , 09/04/2020. Política, p.5

 

Problema é pagar a dívida após a crise

Luiz Calcagno

09/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » PL que socorre estados e municípios durante a pandemia não deixa claro de que forma os estados ressarcirão a União pelo desembolso de aproximadamente R$ 50 bi

O projeto de lei complementar que socorre financeiramente estados e municípios durante a crise do coronavírus mostrou que tem um sério problema a ser resolvido logo no primeiro debate no plenário da Câmara. Não está claro, no PLC 149/2019, de que forma os estados conseguirão pagar a dívida gerada pela ajuda da União, de aproximadamente R$ 50 bilhões. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), explicou que parte do dinheiro será disponibilizado por empréstimo e financiamento limitado a 8% da receita corrente líquida de cada região. A contrapartida é não haver aumento de salário de funcionários durante a vigência da lei. Para alguns parlamentares, porém, a porcentagem é elevada. Se as unidades da Federação perderem o controle, a União terá que segurar o prejuízo.

O problema é que, além do endividamento pelo empréstimo, os estados ainda terão que pagar pela recomposição do ICMS. A expectativa é DE que, com a crise, o valor da arrecadação dos governos estaduais e do Distrito Federal caia até 30%. Por outro lado, sem a recomposição, alguns governadores perderão a capacidade de pagar salários no meio da crise sanitária provocada pela derrubada na entrada de recursos no caixa. Uma saída para aliviar a situação é o Plano Mansueto, pensado para socorrer estados e municípios com dificuldades fiscais, mas substituído pelo PLC durante a crise por ser um projeto que trabalhE com um prazo longo, que não atenderia somente as questões emergenciais.

O texto em debate não é consenso entre os deputados e não apresenta uma solução para o endividamento. A medida recebeu críticas da líder do PSL, Joice Hasselmann (SP), que destacou que o endividamento de 5%, em vez de 8%, seria mais razoável. Ao todo, parlamentares sugeriram cerca de 100 emendas ao texto. Rodrigo Maia pediu mais tempo para analisar as inserções.

Municípios

Entre as propostas está até mesmo a inclusão de municípios no texto, o que poderia aumentar ainda mais o valor da ajuda emergencial — e da dívida com a União, caso uma amarração de compensação ao Tesouro não seja bem feita. Como as cidades também sofrerão queda na arrecadação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), Maia destacou que as localidades com maior número de UTIs, e que sofrerão mais no atendimento aos infectados com a Covid-19, também sofrerão alto impacto devido à queda no recolhimento do tributo.

Maia defende que a parcela ainda é menor que outros momentos de ajuda do governo federal às unidades da federação, que já chegou a R$ 70 bilhões. O deputado também explicou por que trocou o Plano Mansueto pelo PLC, cujo objetivo era “organizar de forma estrutural as contas públicas dos estados que passavam por dificuldade”.

“Hoje, todos os estados estão passando por dificuldades. Só Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Norte teriam interesse direto no Plano, e todos os estados que vinham em condição de normalidade não poderiam aderir a regras propostas”, explicou.

Maia disse que ouviu líderes partidários, governadores e técnicos do governo, e que “o texto é muito razoável”. “Estamos garantindo o ICMS dos estados por três meses. Repasse dos 25% que cabe a cada município, proibindo aumentos salariais esse ano. E a manutenção disso por três meses, que deve dar em torno de R$ 5 bilhões, segundo o que me foi passado. Não tem nada exorbitante”, defendeu.

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Campos Netoe negocia PEC com senadores

Marina Barbosa

09/04/2020

 

 

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, está se movimentando para tentar convencer o Senado a aprovar a PEC do Orçamento de Guerra, que passou na Câmara dos Deputados, na última sexta-feira –– estava previsto para ser votada na segunda-feira, porém divergências fizeram com que vá a plenário virtual na próxima semana. Por isso, vai conversar com os senadores hoje para explicar as implicações da proposta no poder de fogo da autoridade monetária nas ações contra a crise provocada pela pandemia.

Criada com o objetivo de estabelecer um orçamento específico para o pacote de enfrentamento ao coronavírus, a PEC foi ampliada na Câmara para permitir que o BC atue de forma direta no mercado de crédito privado em momentos como o atual. A compra direta de títulos, segundo o banco, pode melhorar o mercado de crédito em situações como essa, porém tem resistências no Senado. Os senadores questionam o poder dado pelo texto à autoridade monetária e também a legalidade de se discutir uma PEC remotamente, como têm acontecido as votações nas últimas semanas.

Campos Neto disse, ontem, que vai tentar resolver o suposto empoderamento do banco. “Conversei com os senadores, ontem (terça-feira), e combinei uma videoconferência para amanhã (hoje) para explicar as medidas. A função do BC é explicar por que entendemos que essa medida é importante e tranquilizar o Congresso de que são medidas importantes de ter em momentos de crise, mas que nós não queremos ter sempre. E sempre traçando o paralelo com o que foi feito em outros países”, explicou Campos Neto, ressaltando que a atuação direta no mercado de crédito só será permitida em momentos de crise como o atual. “Não queremos fazer essa medida sempre. Não é o tipo de intervenção que o BC faz. É uma medida de crise”, frisou, em live promovida por um grande banco, ontem.

No evento, ele argumentou que a atuação direta no mercado de crédito tenta fazer com que todas as medidas de injeção de liquidez que foram anunciadas pelo BC, de fato, surtam efeito na ponta. Ou seja, fazer com que todos tenham acesso ao crédito — o que, segundo muitos pequenos empresários, não tem ocorrido.

“Precisamos fazer o dinheiro chegar na ponta. E uma forma de fazer isso é comprar crédito direto no mercado secundário”, afirmou o presidente do BC, destacando que a dificuldade de acesso ao crédito não tem sido um problema exclusivo do Brasil. “O tema é discutido em outros países. A própria Christine Lagarde (presidente do Banco Central Europeu) levantou isso”, relatou Campos Neto, que se reuniu com os presidentes dos BCs mundiais nesta semana.

O presidente do BC admitiu que a economia brasileira pode ter um crescimento negativo neste ano, mas disse que a aprovação das reformas pode acelerar a retomada. Indagado sobre o impacto do coronavírus na economia brasileira, afirmou que ainda é muito difícil quantificar a crise, porque “ninguém sabe muito bem como será a curva (de infecção) brasileira”.