Valor econômico, v.20, n.4970, 30/03/2020. Política, p. A12

 

Guedes reaparece e diz que continua no cargo

Estevão Taiar

Fernando Exman

Marcelo Ribeiro

Camila Souza Ramos 

30/03/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ressurgiu no fim de semana, após permanecer ausente dos anúncios, entrevistas coletivas e eventos públicos promovidos pelo governo sobre o coronavírus. Guedes participou de uma série de reuniões virtuais, transmitidas pelas redes sociais, para afirmar que permanece no governo. O ministro ouviu demandas de representantes do mercado e de prefeitos, e prestou esclarecimentos sobre os seus planos para combater os efeitos da pandemia.

A primeira transmissão foi organizada pela XP Investimentos, quando Guedes garantiu que não pretende deixar o governo. "Isso é conversa fiada total", disse. "Como vou deixar o país no momento mais grave?", questionou, emendando: "Isso é conversa de oposição, boataria."

Guedes afirmou que o país vai gastar valores próximos a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 para combater os impactos econômicos da pandemia. Mesmo assim, assegurou, depois será retomado o ajuste fiscal. "Vamos gastar bastante, 4,8%, 5% do PIB neste ano, mas depois voltamos à nossa estratégia."

O ministro pediu que os empresários esperem as medidas que serão anunciadas antes de demitir. E afirmou ser contra a redução dos salários dos servidores públicos ou outras medidas "deflacionárias". O melhor, disse, seria se chegar a um acordo com o funcionalismo para que não ocorram novos reajustes dos vencimentos nos próximos anos.

"Já que setor privado foi para o desemprego, para a dificuldade, foi para o auxílio emergencial, o funcionário público que está em casa, no isolamento, recebendo salário integral, então pelo menos contribua com o Brasil. Quebra essa espiral de aumentos pelo menos dois, três anos", disse. "Acho mais construtivo do que tentar tirar poder de compra."

Guedes também aproveitou para acenar aos seus interlocutores do dia seguinte, os prefeitos, afirmando que o governo federal irá rolar as dívidas dos municípios.

Ontem, foi a vez de Guedes se reunir virtualmente com integrantes da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Aos gestores, indicou que o Ministério da Economia ainda avalia qual a melhor opção para operacionalizar o auxílio mensal de R$ 600 a trabalhadores informais. Guedes apresentou duas alternativas: que as administrações municipais compartilhem com a União os cadastros locais de cidadãos vulneráveis; ou que as próprias prefeituras paguem o benefício e depois sejam ressarcidas pelo governo federal. "Precisamos ter certeza que o dinheiro chegue o mais rápido possível [aos trabalhadores]", disse.

Atualmente, o Cadastro Único da União cobre apenas de 15% a 20% dos trabalhadores informais do país, segundo o ministro. "À medida que os senhores enviarem seus cadastros para o INSS e a Caixa, vamos ampliando [essa cobertura]", disse. Guedes ressaltou, porém, que mesmo os informais fora das listas do Cadastro Único, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC) poderão sacar os R$ 600. "Se chegar sem cadastro nenhum e pedir, vai receber", disse.

Em reunião com a Frente Nacional de Prefeitos, Guedes sugeriu que as administrações municipais que tiverem condições adiantem os recursos, e depois "mande a conta". "Vamos deduzir isso depois."

Para o ministro, a insegurança jurídica torna mais difícil que União, Estados e municípios combatam os efeitos do coronavírus. O ministro afirmou que articula com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um projeto que torna temporariamente mais flexível parte da legislação fiscal. "Nosso problema hoje é LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), é pedalada fiscal, é impeachment", disse. "É evidente que precisamos ter uma cláusula qualquer de calamidade pública que suspenda [algumas regras], que nos dê o direito de agir rapidamente. Estou com vários secretários que dizem: não posso assinar isso, senão vou preso. Isso é razão de impeachment com o presidente depois etc."

O ministro disse que o governo estenderá as linhas de redesconto para empresas de máquinas de pagamento, a fim de evitar que recursos do sistema financeiro fiquem parados nos grandes bancos. O redesconto é uma linha de financiamento para instituições financeiras, que buscam crédito no Banco Central e deixam, como garantia, títulos públicos. "Às vezes a liquidez fica empoçada", disse.

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Prefeitos pedem responsabilidade ao presidente

Malu Delgado 

30/03/2020

 

 

As duas principais entidades que representam os prefeitos de todo o país, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Confederação Nacional de Municípios (CNM), defendem a manutenção de medidas de isolamento social, definindo regras nacionais para o funcionamento de atividades essenciais, e criticam as palavras e atitudes do presidente Jair Bolsonaro, que consideram irresponsáveis e absurdas. Os prefeitos estão preocupados com as eleições, marcadas para outubro, mas aí as opiniões divergem: a Frente acha que cabe ao Congresso e à Justiça Eleitoral tomarem uma decisão sobre a data do pleito; a CNM defende a suspensão e pontua que, historicamente, sempre foi favorável à eleição unificada no Brasil, a cada quatro ou cinco anos.

Os dirigentes das duas entidades de prefeitos brasileiros citaram, em entrevistas ao Valor, o exemplo da prefeitura de Milão, na Itália. Lá, a administração municipal defendeu uma campanha semelhante à que Bolsonaro prega agora, "Milão não para". Um mês depois, na quinta-feira passada, com a explosão de mortes e colapso do sistema de saúde italiano, o prefeito, Giuseppe Sala, pediu desculpas à população e disse que cometeu um erro porque as autoridades não tinham entendido a virulência do coronavírus. Só em Milão, até a última sexta-feira, eram mais de 4.400 mortos.

"A fala do presidente [Bolsonaro] tem atrapalhado muito o processo. Entendemos que o isolamento social é extremamente importante. Evidentemente temos que manter as atividades essenciais, e isso precisa ter bom senso, serenidade e equilíbrio para tomarmos decisões em conjunto: União, Estados e municípios", afirmou Glademir Aroldi, presidente da CNM e ex-prefeito do município Saldanha Marinho, no Rio Grande do Sul. Os prefeitos, enfatizou, têm conversado com os ministros Tereza Cristina (Agricultura) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e concordam com o não fechamento de rodovias para assegurar a colheita de safras e a manutenção do abastecimento.

Prefeito de Campinas e presidente da FNP, Jonas Donizette (PSB) afirma que a postura de Bolsonaro é a maior preocupação dos gestores municipais no momento. A Frente enviou um ofício ao presidente na semana passada, fazendo cinco questionamentos a Bolsonaro sobre os objetivos e consequências da campanha "O Brasil não pode parar". Os prefeitos querem saber se Bolsonaro vai federalizar o SUS e se assume a responsabilidade pelo colapso do sistema "caso o governo federal suspenda a contenção social". "Como estaremos na contramão do que indica e recomenda a OMS, o governo federal assumira´ as responsabilidades de todo o atendimento à população?", perguntam os prefeitos.

"Colocamos isso no papel, e espero que o presidente responda. Que ele diga que assume a responsabilidade, que pode abrir tudo, comércio, que ele se responsabiliza pelas mortes. Aí tudo bem. Mas nós temos compromisso e responsabilidade, cada qual com a sua região", enfatiza Donizette. O prefeito de Campinas conta que adotou isolamento social ainda mais severo do que o proposto pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Pelo menos até o dia 12 de abril Campinas permanece em isolamento rígido. "Os passos que têm sido dados aqui em São Paulo mostram que as ações que estamos tomando estão surtindo efeito", justifica o presidente da FNP.

Os dois dirigentes mostram disposição em manter o diálogo com o presidente, mas cobram uma posição unificada no governo federal e criticam, duramente, a tentativa do presidente de transferir as responsabilidades de gestão, durante a pandemia, para governadores e prefeitos. "Não dá para ficar indo para e imprensa e dizer que a empresa que fechar por decreto de governador e de prefeito quem vai pagar as despesas trabalhistas são eles. Isso é um absurdo! Estamos num momento de calamidade pública, o próprio governo decretou. Então se não precisa tomar nenhuma medida por que o decreto de calamidade da União? Aí os governadores decretaram nos Estados, e os municípios, baseado nisso, estão tomando medidas. Essas medidas são importantes. Olhem o que está acontecendo com Milão, na Itália", disse o presidente da CNM.

Para Jonas Donizette, "o presidente da República não pode governar para um grupo de internet, tem que governar para o Brasil". Indignado, determinou na sexta-feira que a empresa municipal de trânsito multasse todos os carros que fizessem carreatas, estimuladas por Bolsonaro, e que as pessoas que se aglomerassem fossem multadas por desobediência civil e desordem social.

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Bolsonaro fala em editar decreto para população voltar a trabalhar

Estevão Taiar

Marcelo Ribeiro

Bruno Góes

30/03/2020

 

 

A despeito das recomendações do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro saiu ontem do Palácio da Alvorada para fazer um tour pelo Distrito Federal. Parou em vários pontos para cumprimentar apoiadores, em locais com concentração de pessoas, e depois afirmou que estudava a possibilidade de editar um decreto aumentando o número de profissões que poderão atuar normalmente durante a quarentena.

"Estou com vontade, tenho como fazer, estou com vontade: baixar um decreto amanhã. Toda e qualquer profissão, legalmente, existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para o sustento dos seus filhos, levar o leite dos seus filhos, arroz e feijão para sua casa, vai poder trabalhar", disse. "Me deu um insight, me deu uma ideia aqui agora e falei que estou pensando em fazer um decreto desses, para ver se cabe. Acho que ajuda um decreto desses. O cara vai cortar grama. Se não cortar grama, não tem dinheiro para comprar o leite, arroz e feijão para as crianças. Ele vai cortar grama."

Bolsonaro também afirmou que irá recorrer à Justiça da decisão de primeira instância que barrou o funcionamento de casas lotéricas. "Vai começar uma guerra de liminares", afirmou.

Nas interações sociais, Bolsonaro defendeu que somente idosos e doentes deixem de sair às ruas por conta do coronavírus. Disse que as medidas de restrição foram tomadas pelos governadores, e falou que "a cloroquina está dando certo em tudo que é lugar", ao se referir a pesquisas sobre uso do medicamento para tratar covid-19. Tanto o chamado isolamento vertical quanto o uso dessa substância não são consenso na comunidade médica. Tampouco já têm respaldo oficial do Ministério da Saúde.

"Cada governador decidiu o que fazer no seu Estado. Às vezes, o remédio demais vira veneno", disse o presidente ontem, durante o passeio, completando: "Defendo que você trabalhe, todo mudo trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa."

Na porta de um supermercado, em Ceilândia, Bolsonaro perguntou a pessoas que se aglomeravam ao redor dele o que elas achavam da regra de ficar em casa. Em meio a gritos de "mito" e pedidos para foto, ele levantou a questão: "Na ideia de vocês, o povo tem que trabalhar ou não?", perguntou Bolsonaro.

O presidente também visitou o Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, para ver "o fluxo de pessoas" no local. "Passei por lá também para ver como estava o fluxo de pessoas por ventura chegando", disse em entrevista coletiva na entrada do Palácio da Alvorada.

Mais tarde, nas redes sociais, Bolsonaro disse que todos os políticos deveriam sair às ruas e cumprimentar as pessoas, com o objetivo de ter a percepção sobre como o país está enfrentando a crise do coronavírus.

Enquanto o presidente fazia o passeio, o governo do Distrito Federal registrou a primeira vítima oficial da covid-19 no DF, uma mulher de 61 anos que morreu no dia 23. O resultado positivo da contraprova do exame dessa mulher saiu apenas por volta da meia-noite de sábado.

Já o Ministério da Saúde informou que o número de mortes de pacientes pelo novo coronavírus subiu de 114 para 136, uma alta de 19% na comparação com o dia anterior. O índice de letalidade cresceu de 2,9% para 3,2%. Os casos confirmados da covid-19 continuam aumentando em todo o país. Ele cresceu em 353 nas últimas 24 horas, para 4.256. Alta de 9% em relação ao dia anterior. *De "O Globo"