Valor econômico, v.20, n.4969, 27/03/2020. Política, p. A7

 

Bolsonaro dobra aposta contra restrições

Fabio Murakawa 

27/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro vai manter a aposta nas críticas às medidas restritivas e na defesa do chamado "isolamento vertical" - de idosos ou pessoas com doenças pré-existentes - como a melhor forma de combater a pandemia da covid-19, doença causada pelo coronavírus. Com o consenso formado entre governadores contra as ideias do presidente, auxiliares já trabalham para angariar apoios públicos e devem nos próximos dias promover ações para mostrar que Bolsonaro não está isolado.

As críticas públicas às restrições impostas pelos Estados e municípios continuarão. Porém, as pontes com os governos estaduais serão mantidas, em conversas patrocinadas pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política da Presidência.

No Palácio do Planalto, predomina o entendimento de que as consequências econômicas da restrição à circulação de pessoas ficarão mais claras para a população nas próximas semanas.

A tendência, avaliam interlocutores, é que o setor produtivo passe a pressionar mais os Estados e municípios pela flexibilização das medidas. Eles acreditam que, com o passar do tempo, esse afrouxamento deve mesmo acontecer.

Bolsonaro aposta que, ao manter discurso contrário às restrições, o peso político da paralisia econômica e da perda de empregos deve recair sobre os governadores.

Ontem à tarde, Bolsonaro disse no Palácio da Alvorada que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, "já está convencido" de que esta é a melhor estratégia. E afirmou que "alguns governadores e prefeitos erraram na dose" e que "o povo quer trabalhar.

O presidente voltou a criticar a mídia por espalhar "histeria" em torno do coronavírus. E disse que "o pânico é uma doença" que afeta a economia e o emprego.

"A segunda onda [da pandemia] já chegou, com desemprego em massa", disse Bolsonaro. "E com o desemprego vem a fome."

No Planalto, os ministros militares defende uma postura mais moderada, enquanto a ala mais radical, encabeçada pela família presidencial, continua a influenciar a comunicação do presidente.

O polêmico pronunciamento de Bolsonaro na terça-feira, em cadeia nacional, não passou pelas mãos dos ministros palacianos. Foi elaborado por um grupo ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, que despacha no Palácio do Planalto e ficou conhecido como o "gabinete do ódio".

A repercussão imediata nas redes foi muito ruim. Mas, passado um momento inicial, em que o presidente duramente criticado na internet, auxiliares de Bolsonaro começam a ver uma mudança de tendência. Já há mais comentários em defesa de uma linha menos restritiva, embora as críticas ainda sejam majoritárias.

Ontem, a secretária especial de Assuntos Federativos, Deborah Arôxa, subordinada a Ramos, conduziu uma videoconferência com secretários estaduais da fazenda dos 27 Estados. Ao Valor, ela disse que ouviu propostas para a elaboração de uma proposta de emenda constitucional (PEC) de enfrentamento da crise. "A discussão é sobre como melhorar fluxo de caixa para que todos recursos sejam aplicados na saúde", afirmou. "Vamos continuar discutindo juntos durante todo o processo de crise."