Correio braziliense, n. 20767 , 01/04/2020. Brasil, p.6

 

42 mortes em menos de 24 horas

Maria Eduarda Cardim

01/04/2020

 

 

Com mais de mil novos casos confirmados em um único dia, país fechou o mês de março com 5.717 registros da doença. Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reforçou recomendação para manter “o máximo de distanciamento social”

O Brasil fechou março, mês em que o país registrou a primeira morte pelo novo coronavírus, com 5.717 casos confirmados e 201 mortes. Os números chamam a atenção, já que, de segunda para terça, foram registrados tanto o maior aumento diário de pacientes diagnosticados, 1.138, quanto o maior aumento de óbitos pela doença, 42. A letalidade do vírus no país, no entanto, continua sendo de 3,5%. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reforçou, em coletiva, que a recomendação no momento é manter “o máximo de distanciamento social”. A medida vai na mesma direção que o recomendado por especialistas e pela Organização Mundial da Saúde.

“Sabemos que o estanque absoluto, o tempo todo, não é bom para saúde e não é bom para ninguém. Nós vamos trabalhar com o máximo de planejamento. No momento, vamos fazer, sim, o máximo de distanciamento social, o máximo de permanência dentro das nossas residências, para que possamos, quando estivermos mais preparados, ir liberando e monitorando pela epidemiologia. São trabalhos de muita precisão para a gente poder movimentar”, ressaltou.

Questionado se já é possível avaliar o alcance das medidas de isolamento social, Mandetta disse ainda ser cedo. “Temos um período muito curto para avaliar se os números de casos estão em queda ou se estão subindo, mas não entramos naquela curva de espiral absoluta, que teve em Nova York e em outras cidades, porque houve essa conscientização de todo mundo”, avaliou.

O ministro explicou que para analisar o grau de benefício das medidas adotadas pela pasta é preciso esperar duas semanas para ver como isso vai se replicar nos próximos 14 dias, tempo de incubação da doença. No entanto, reforçou a importância do isolamento social de todos. “Se a gente volta para uma atividade agora, pode acontecer de, daqui a duas, três semanas, a gente ter uma ascendência nos casos, e de não ter equipamentos. Logo, a gente pode ter que ir para um lockdown total para proteger os nossos trabalhadores”, afirmou.

18 estados

Todas as cinco regiões do Brasil já registraram mortes em decorrência da Covid-19. Ao todo, 17 estados e o Distrito Federal têm vítimas: São Paulo (136), Rio de Janeiro (23), Ceará (7), Pernambuco (6), Piauí (4), Rio Grande do Sul (4), DF (3), Amazonas (3), Paraná (3), Minas Gerais (2), Bahia (2), Santa Catarina (2), Alagoas (1), Goiás (1), Maranhão (1), Mato Grosso do Sul (1), Rondônia (1) e Rio Grande do Norte (1).

A região Sudeste segue como a detentora do maior número de casos confirmados, com 3.406 pacientes diagnosticados. Em seguida, está o Nordeste, com 875 casos; o Sul, com 672; o Centro-Oeste, com 470; e o Norte, com 294. O Ministério da Saúde ainda reforçou que o número de internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) cresceu 149% em relação ao mesmo período do ano passado.

Em nova apresentação da investigação das vítimas da Covid-19 no país, o maior grupo de risco continua sendo o de pessoas acima de 60 anos. A maioria possui alguma comorbidade. Das 201 mortes, 181 foram investigadas: 89% das vítimas têm 60 anos ou mais e 84% apresentam pelo menos um fator de risco. Na contramão, 28 pacientes que evoluíram para óbito não têm comorbidade. Destes, cinco têm menos de 60 anos.

Um por todos

O clima no Ministério da Saúde está mais pesado do que nunca. Desde o último fim de semana, quando a demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta se tornou uma possibilidade concreta, os três principais técnicos da equipe que está na linha de frente do combate ao novo coronavírus avisaram que deixarão seus cargos se o chefe cair.

João Gabbardo Reis, secretário executivo; Wanderson de Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde; e Erno Harzhein, secretário de Atenção Primária à Saúde, deixaram claro, por mais de uma vez, que não aceitarão a troca de comando no ministério num momento tão importante, pois têm a certeza de que Mandetta está fazendo um trabalho exemplar no combate à Covid-19.

A postura do presidente Jair Bolsonaro vai de encontro às medidas sugeridas pelo Ministério da Saúde e adotadas pelos governadores dos estados. O chefe do Planalto chegou a dizer que estabeleceria o isolamento vertical, no qual somente pessoas com mais de 60 anos e pessoas com doenças crônicas ficariam em isolamento. E afirmou repetidas vezes que estuda liberar o retorno às atividades de trabalhadores formais e informais que precisam “levar sustento” para casa.

Colaborou Vicente Nunes

Frase

“Se a gente volta para uma atividade agora, pode acontecer de, daqui a duas, três semanas, a gente ter uma ascendência nos casos, e de não ter equipamentos. Logo, a gente pode ter que ir para um lockdown total para proteger os nossos trabalhadores”

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde

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Agrssividade do vírus impressiona

Sarah Teófilo

01/04/2020

 

 

O entendimento de que a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, ataca de forma mais grave em sua maioria idosos e pessoas com comorbidades (como doenças respiratórias ou diabetes) vem da análise dos casos da China e de outros países que já estão em um ciclo mais avançado de enfrentamento ao vírus. O acometimento de jovens aparentemente saudáveis, entretanto, tem levantado preocupações.

É o caso do Rio de Janeiro. O secretário de Saúde de estado, Edmar Santos, disse em entrevista ao programa “Bom Dia Rio”, da Rede Globo, que a faixa etária com mais casos de internação são de pessoas entre 30 e 39 anos, tendo, inclusive, registros de mortes nessas idades. “Não nos contaram tudo sobre esse vírus”, disse. Santos pontuou ainda que a agressividade da doença impressiona.

Em São Paulo, a secretaria de Saúde registrou morte de jovens de 26 e 33 anos. A pasta busca, agora, levantar se eles possuíam outras doenças. Balanço do Ministério da Saúde divulgado ontem mostra que 89% das mortes são de pessoas acima dos 60 anos, mas que também há óbitos por Covid-19 em pessoas entre 40 e 59 anos e entre 20 e 39 anos.

Médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Jamal Suleiman explicou que estudos de outros países mostram mortalidade maior em pessoas mais velhas. Entretanto, é preciso analisar se no Brasil a lógica se repetirá, explicando que existem diferenças regionais do padrão de infecções. “A ciência ainda não tem essa resposta”, destacou.

Suleiman disse que o dado levantado pelo secretário do Rio é importante, e não pode ser desprezado, mas é uma informação inicial. Assim, é preciso observar se isso persistirá ou não; se acontece em outros estados ou se é algo específico relacionado a algum outro fator. O infectologista explicou, por exemplo, que no Instituto de Infectologia Emílio Ribas foi observado um aumento de pacientes abaixo dos 60 anos com quadros mais severos em decorrência da Covid-19 nos últimos dois dias. Mas salientou ser preciso analisar por mais tempo para ter um entendimento do que isso significa.

O médico frisou, então, a importância de que as pessoas fiquem em casa, independentemente da faixa etária, uma vez que não se sabe tudo sobre o vírus. “Não arrisquem, para que a gente não confirme desse jeito (com alto índice de mortos) que o vírus não escolhe idade”, afirmou.

Infectologista do Hospital de Base, Julival Ribeiro ressaltou que a doença causada pelo coronavírus é nova, não sendo, assim, totalmente conhecida. O médico afirma que se tem observado, no mundo, casos graves envolvendo pessoas jovens e sem doenças crônicas. “Qualquer um pode desenvolver sintoma grave. É um fator que preocupa, porque, antes, a gente falava que só (desenvolvia um quadro grave) quem era idoso ou tinha comorbidade. Agora, estão ocorrendo cada vez mais casos graves na população mais jovem”. Ribeiro reforçou o alerta de que todos os dias se descobre algo novo sobre o vírus e disse que é preciso paciência para observar como ele se comportará.

Por outro lado, de acordo com o infectologista e professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Bellissimo Rodrigues, a questão tem muito mais a ver com fatores de exposição. Para ele, ainda não há evidência de que o vírus tenha mudado o comportamento. “O jovem está se arriscando, indo à praia, está tendo que ir ao trabalho. O idoso está quietinho. Então, eles estão se expondo mais, mas não são mais suscetíveis”, apontou.

Segundo o infectologista, portanto, o entendimento de que o vírus representa mais risco para idosos e pessoas com comorbidades se mantém.