Valor econômico, v.20, n.4963, 19/03/2020. Política, p. A12

 

Bolsonaro nega erro e crítica 'histéria'

Fabio Murakawa 

Matheus Schuch 

Marcelo Ribeiro 

19/03/2020

 

 

Criticado por sua condução da crise provocada pelo coronavírus no país, o presidente Jair Bolsonaro dobrou ontem a aposta. Falando em uma entrevista coletiva ao lado de oito ministros, todos usando máscaras cirúrgicas, o presidente negou ter errado ao participar no domingo de uma manifestação que teve como alvo principal o Congresso, criticou a imprensa por criar uma "histeria" após esses atos e aproveitou para divulgar um panelaço em seu favor, previsto para acontecer na noite de ontem (ver Panelaço contra presidente é ouvido em várias cidades).

A entrevista ocorreu um dia depois de Bolsonaro ter enviado ao Congresso um pedido de autorização para decretar calamidade pública no país por conta da pandemia, que até ontem havia matado ao menos quatro pessoas. E começou com o anúncio, feito por Bolsonaro, de que o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também havia contraído a doença (ver também Alcolumbre está contaminado pelo coronavírus). Horas antes, um de seus auxiliares mais próximos também havia testado positivo - o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Bolsonaro, que na semana passada em Miami disse que "a questão do coronavírus não é tudo isso o que a grande mídia propaga", afirmou que o sinal amarelo do governo acendeu quando os primeiros brasileiros ficaram presos na cidade chinesa de Wuhan, em janeiro. Disse que, a partir dali o governo começou a se preparar para a crise, que, também na Flórida, ele classificou como "fantasia".

O presidente, então, cutucou o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), seu desafeto.

"Alguns achavam que deveríamos suspender o Carnaval", disse. "Tivemos o exemplo de um governador que queria proibir os brasileiros de ir à praia. Foi um fracasso e mais pessoas foram à praia."

E, como se justificasse sua atitude de dar a mão a apoiadores no domingo, quando a epidemia já se espalhava pelo país, Bolsonaro citou a festa de inauguração do canal de notícias CNN, no mesmo dia. E afirmou que, assim como muitos jornalistas que cobrem guerra assumem riscos, ele também assumiu o risco de não abandonar os brasileiros que faziam uma manifestação em seu apoio.

Apesar de ter vários auxiliares e pessoas com quem convive infectados, Bolsonaro negou ter colocado em risco seus fãs, uma vez que seu exame para a doença havia apontado a ausência do vírus.

"A partir do momento que não estou infectado, ao ter contato com quem quer que seja não estou colocando em risco a vida ou a saúde daquela pessoa. Não descumpro qualquer orientação sanitária [...]. Como chefe do Executivo, líder maior da nação, tenho que esta lá na frente, junto com meu povo", disse. "Não se surpreenda se você me vir nos próximos dias entrando num metrô lotado em São Paulo, numa barcaça Rio-Niterói em horário de pico, num ônibus em Belo Horizonte. Não é demagogia ou populismo, é uma demonstração de que estou ao lado do povo na alegria e na tristeza."

Bolsonaro voltou, então, a dizer que há um "sentimento de histeria" em torno da covid-19. E afirmou que isso começou após a sua participação nos protestos.

"Esse sentimento de histeria passou a acontecer depois do dia 15 de março. A minha obrigação como chefe de Estado é me antecipar a problemas, levar a verdade à população brasileira, mas que essa verdade não ultrapasse o limite do pânico", afirmou. "Como disse o ministro da Saúde agora há pouco, nós passaremos por isso, já tivemos problemas mais graves no passado que não tiveram essa comoção toda ou repercussão toda por parte da mídia brasileira."

Presente à coletiva, o presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa), Antonio Barra Torres, recebeu elogios de Bolsonaro. Barra Torres acompanhava Bolsonaro no domingo, quando ele tocou apoiadores no Planalto. Ao apresentar executivo, Bolsonaro disse que sua agência "voltou a ser tudo o que sempre queríamos: ativa e atuante".

Barra Torres falou antes do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que até a mudança de postura de Bolsonaro, ontem, vinha sendo o maior protagonista no combate à epidemia.

Bolsonaro negou relatos publicados em alguns veículos de imprensa que tenha cobrado do ministro uma postura de mais apoio político. "Repito o que diz o nosso ministro da Saúde, com o qual não tenho nenhum problema com ele, diferentemente do que parte da mídia ainda prega", disse.

Mandetta, por sua vez, disse que Bolsonaro é o "grande timoneiro desse barco", como era chamado Mao Tsé-tung, líder da China durante a Revolução Cultural.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que, ao receber imagens da coletiva do presidente Jair Bolsonaro e dos ministros, viu o governo mais organizado para trabalhar no combate ao coronavírus. "Hoje, vi uma foto de um governo tentando organizar o enfrentamento à crise. Acho que, talvez pela primeira vez, a gente tenha visto uma foto onde a sociedade possa falar: agora sim começaram se preocupar com a vida das pessoas", disse Maia. Ele alegou problemas de agenda para não se reunir com Bolsonaro para falar sobre a crise do coronavírus, conforme chegou a ser divulgado por Bolsonaro.

Maia disse estar à disposição do governo, destacou que foca seu trabalho pelo diálogo e cobrou uma pauta que não seja um encontro que tenha como objetivo fazer "uma fotografia". "O presidente nos convida para conversar, queremos organizar a pauta, saber qual é e com isso poder avançar no diálogo objetivo que construa soluções para os brasileiros. Não apenas uma pauta para fotografia". Ele afirmou ainda que o importante é que na primeira reunião que aconteça, "seja amanhã ou depois da amanhã", ele saia dela com pontos organizados, soluções e articulação.

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Cresce popularidade de Mandetta 

César Felício 

19/03/2020

 

 

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, perde hoje em popularidade apenas para o colega da pasta da Justiça, Sergio Moro, de acordo com levantamento da empresa de consultoria Atlas Político sobre o prestígio do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros com maior visibilidade no noticiário.

O levantamento, feito pela internet, com um uso de algoritmo que calibrou estatisticamente 2 mil respostas, entre os dias 16 e 18 de março, mediu também a popularidade do próprio Bolsonaro. O presidente conta com imagem positiva de 42% e a visão negativa é de 51%. Os demais pesquisados não tem opinião formada sobre o dirigente.

Mandetta recebe 38% de imagem positiva, ante 23% de negativa e 39% sem opinião. O ministro que coordena os esforços do governo em relação ao combate da pandemia do coronavírus conta com a segunda maior aprovação no ministério e com a menor rejeição. A liderança em prestígio segue com Moro, muito mais conhecido, que tem 50% de imagem positiva, mas 43% de visão negativa, uma das maiores registradas dentro da equipe do presidente.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, é a mais rejeitada, com 54% de avaliações negativas. O vice-líder na rejeição é o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que conseguiu 19% de avaliações positivas, mas 49% de negativas.

Desde o início da pandemia, Mandetta foi retirado de uma situação de virtual invisibilidade para uma posição de hiperexposição na mídia, com entrevistas e pronunciamentos quase diários na mídia. O ministro da Saúde foi muito elogiado por lideranças políticas e formadores de opinião por revestir suas declarações com um caráter técnico. A sua condição de médico (é ortopedista de formação) lhe confere credibilidade.

A postura de Mandetta contrastou com a do presidente, que em um primeiro momento minimizou a crise, afirmando que havia "histerismo" da população em relação ao tema.

O ponto máximo do contraste entre o ministro e o presidente aconteceu no domingo, dia 15, ocasião em que Bolsonaro confraternizou com manifestantes que foram às ruas com críticas ao Judiciário e ao Legislativo. Mandetta confirmou que o presidente contrariara uma orientação para se evitar aglomerações que valia para todos.

O desempenho aumentou o alcance político do ministro da Saúde, até então com ambições relativamente modestas, como a de ser candidato a prefeito de Campo Grande (MS). Seu nome começou a ser citado como possível candidato a vice em uma chapa de reeleição de Bolsonaro.

Nos últimos dias, face alguns sinais de desconforto na base bolsonarista com o fato de Mandetta manter diálogo com oposicionistas, o ministro começou a destacar o alegado papel protagonista de Bolsonaro no combate à enfermidade.

Com a decretação do estado de calamidade, que mudou o patamar da pandemia entre as prioridades de Bolsonaro, o presidente naturalmente monopolizou a cena e Mandetta voltou para a retaguarda.

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Presidente anuncia medidas junto com Toffoli 

Renan Truffi

Fabio Murakawa 

Isadora Peron

Marcelo Ribeiro 

19/03/2020

 

 

Numa tentativa de aproximação entre os Poderes, o presidente Jair Bolsonaro convidou ontem os chefes do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público para fazer anúncios de medidas que visam minimizar os efeitos do avanço do coronavírus. Mas foi o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, quem assumiu o protagonismo da solenidade. Diferentemente de Bolsonaro, que frequentemente ataca a imprensa, Toffoli incluiu os jornalistas em seus agradecimentos e classificou de "impecável" a cobertura da crise.

"[Agradeço] à imprensa que tem tido uma atuação impecável em auxiliar nas informações necessárias à prevenção da sociedade quanto a esse drama que todos nós passamos", disse o presidente do Supremo.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi diagnosticado horas antes com a covid-19 e cancelou sua participação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não apareceu.

O principal anúncio foi a edição de uma medida provisória (MP) para socorrer as empresas aéreas, além de um projeto de lei que pretende criar o Comitê Nacional de Órgãos de Justiça e Controle destinado ao enfrentamento do coronavírus.

A ação também teve a presença do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, além de ministros de Estado.

Apesar das ausências, Bolsonaro manteve o discurso de "união entre os Poderes". "Queremos demonstrar união e harmonia entre todos nós. Essa união levará o Executivo a conseguir meios de combater o coronavírus. Nossa união é que dará o ritmo e o norte que o nosso Brasil precisa", disse.

O Valor apurou que, nos bastidores, a ausência foi justificada de outra maneira. Maia e Alcolumbre foram alertados por aliados de que a reunião seria uma "armadilha" de Bolsonaro para tentar associar o "panelaço" ao Congresso Nacional.

Desde semana passada, críticos do presidente estão se mobilizando para uma "manifestação caseira de revolta" às ações do governo. Ontem, protestos dessa natureza já ocorreram em algumas capitais do país.

Diante do diagnóstico, Maia teria decidido adiar o encontro. Mais do que isso, o presidente da Câmara pretende deixar claro ao chefe do Poder Executivo que espera encontrá-lo nos próximos dias, com objetivo de não dar ao presidente o argumento de que os "outros Poderes estão fugindo" do diálogo com ele.

Já o presidente do Supremo destacou a criação do comitê destinado ao enfrentamento do coronavírus. "O comitê terá como função precípua promover a interlocução institucional entre os órgãos de justiça e controle, no âmbito federal, para prevenir ou solucionar litígios relacionados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Temos noção de que a gravidade do que vivemos levará a uma alta litigiosidade. É importante ter um fast track para as decisões da Justiça", explicou.

Toffoli considerou positiva a decisão do presidente Jair Bolsonaro de decretar estado de calamidade pública. Segundo ele, a medida possibilitará a aplicação de mais recursos federais no combate aos danos causados pelo coronavírus. E destacou que o poder público "deve ser e está" sendo firme na adoção de medidas para preservação da saúde de todos. "A situação não é simples. No entanto, precisamos, mais do que nunca, ter serenidade para que possamos formular e adotar as medidas necessárias à proteção da saúde da todos os brasileiros."