O Globo, n. 95, 22/03/2020. Especial Coronovírus, p. 5

 

De máscara a aparelhos: garantir suprimento de itens de saúde é a maior preocupação

Elisa Martins

Leo Branco

22/03/2020

 

 

Enquanto autoridades se desdobram para aumentar a disponibilidade de leitos de UTI e respiradores para atender a pacientes graves infectados pelo novo coronavírus, outras carências gritam por atenção no controle da epidemia. Equipamentos de proteção individual (EPIs), como luvas e máscaras, essenciais para proteger os profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao vírus, já começam a faltar. E o temor de desabastecimento de outros insumos médicos também acendeu o alerta na saúde pública.

—A epidemia levou a população a comprar máscaras e outros insumos, que já faltam para a equipe médica —diz Suzana Lobo, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Em outros países que enfrentaram a epidemia, esse recurso se exauriu rapidamente. O Brasil, afirma, segue o mesmo caminho.

— É um grande gargalo. A possibilidade de falta de equipamentos de proteção é também a possibilidade de falta de recursos humanos em breve, porque se essas pessoas não estiverem protegidas elas terão de ser afastadas por contaminação. Anteontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, minimizou o risco da falta dos chamados EPIs:

— Fizemos uma videoconferência com todos do sistema hospitalar, tem uma lista do que precisamos dos empresários. Máscara a gente vai determinar outro padrão, que nós temos no Brasil. Vamos poder produzir às toneladas e ser autossuficientes, acabar com esse problema. O EPI está regularizado, vai rolar bem, está tranquilo.

Na quarta-feira, a ABDI, órgão vinculado ao Ministério da Economia para políticas industriais, procurou fabricantes de peças de plástico utilizadas na fabricação de ventiladores, como tubos de respiração e cateteres, para intensificar a produção voltada às necessidades da indústria hospitalar. Antes da atual crise, dos 12.500 fabricantes de peças afiliados à Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast), apenas 100 eram voltados ao setor hospitalar. Nas próximas semanas, mais dessas empresas devem passar a fabricar itens como máscaras, luvas, tubos e roupas de PVC usadas por socorristas mundo afora, já que a demanda foi praticamente a zero nas demais cadeias produtivas.

— O setor de plásticos tem capacidade de atender com agilidade as demandas dessa crise —diz José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast. Na esteira do desabastecimento, o aumento abusivo de preços de medicamentos e materiais de saúde também preocupa ejá alarmou a Fehoesp( Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo ), que enviou ofícios às secretarias estaduais e ao Ministério da Saúde denunciando a falta no mercado e a escalada nos preços.

—Existe preocupação porque a demanda está aumentando muito, e ouso inadequado também. Não é para todo mundo usar máscara. Tem pessoa e lugar certos para isso —diz o presidente da F eh oesp, o médico Yussif Ali Mere Jr.

 REMÉDIOS PARA SINTOMAS

Do lado dos pacientes, o desafio é garantir o suprimento de remédios para tratar dos sintomas da Covid-19 neste momento de crise. Por ora, o risco de escassez está descartado.

O Brasil produz 220 milhões de unidades de analgésicos e outros remédios para combater gripe e asma, doenças com sintomas semelhantes ao da Covid-19. — Os estoques atuais, que já estavam reforçados por causa da chegada das doenças típicas do inverno, dão conta da demanda até junho —diz Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, Sindicato das Indústrias Farmacêuticas de SP. Para Mussolini, o setor está montando planos de contingência para seguir a produção mesmo com o agravamento da crise sanitária nos próximos meses e, por isso, o risco de faltar remédio é baixo. Mesmo assim, farmacêuticas brasileiras têm tido reuniões frequentes com a Anvisa para traçar alternativas caso sejam necessárias trocas de fornecedores de insumos.

A grande maioria dos insumos farmacêuticos ativos dos medicamentos produzidos aqui vem do exterior —principalmente da China, que só agora começa a dar sinais de retomada da produção desde que a epidemia começou por lá.

Na visão da indústria,há ainda o desafio de fazer chegar produtos médicos e farmacêuticos a tempo. Mais de 90% dos insumos médicos chegam ao Brasil por avião, muitos deles em voos comerciais, diz Fernando Silva, presidente da Associação Brasileira de da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde.

A redução de até 90% da malha internacional em companhias como Gol e Latam pode encarecer o valor do frete, dizem os especialistas. O fechamento de fronteiras em estados como Rio de Janeiro e Santa Catarina pode atrasar a entrega dos produtos. Por fim, muitos caminhoneiros estão receosos em rodar em regiões com muitos casos de coronavírus.

—Não basta só garantir o produto, ele tem que chegar na hora certa de salvar a vida —diz Roriz, da Abiplast.