Valor econômico, v.20, n.4958, 12/03/2020. Especial, p. A18

 

Casos ainda não notificados sugerem contágio 30% maior que o dado oficial

Beth Koike

12/03/2020

 

 

O Ministério da Saúde divulgou, ontem, que o país tem 52 casos de pacientes com o novo coronavírus. No entanto, esse número é pelo menos 30% maior - ou seja, são quase 70 pessoas contaminadas pelo vírus -, uma vez que somente, ontem, o Hospital Albert Einstein registrou 16 novos casos positivos para a doença, cujos dados ainda não tinham sido notificados ao Ministério da Saúde. O prazo para envio da informação é de 24 horas e o laboratório do Einstein não precisa fazer o teste de contraprova.

A demanda pelo exame para diagnóstico do novo coronavírus é crescente nas últimas duas semanas desde que foi anunciado o primeiro caso no Brasil. O Einstein recebeu, na quarta-feira, 492 pedidos de testes, quase 70% a mais do que o registrado no dia anterior. No total, o Einstein realizou 2,4 mil exames, sendo que 38 deles deram positivo.

Na Dasa - maior rede de medicina diagnóstica do país e dona de laboratórios como Delboni, Alta Diagnóstica e Sergio Franco - a demanda cresceu 46 vezes.

Os médicos vêm alertando sobre exames realizados por pessoas que ainda não apresentam os sintomas da doença. “O valor do exame com paciente assintomático é questionável porque o vírus ainda não desenvolveu o suficiente, podendo dar negativo no primeiro teste e positivo depois”, disse Sidney Klajner, presidente do Hospital Albert Einstein.

O número de casos do novo coronavírus é exponencial. Segundo estudo realizado pelo Instituto Pensi, centro de pesquisa ligado ao Hospital Infantil Sabará, ao atingir 50 casos positivos, o Brasil pode ter 4 mil pessoas contaminadas no período de 15 dias.

A Abramed, associação dos laboratórios de medicina diagnóstica, informa que o setor tem capacidade para atender a forte demanda mesmo com o dólar alto. A maior parte dos insumos para a realização dos exames é importada. “Temos estoque para atender a procura e contratos fixos de longo prazo com fornecedores”, disse Priscila Franklim Martins diretora-executiva da Abramed. Na terça-feira, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que os exames para diagnóstico do novo coronavírus sejam cobertos pelos planos de saúde, o que pode levar a um aumento ainda maior pela procura desse tipo de exame. Até então, esses testes eram comercializados entre R$ 150 e R$ 350.

Já em relação à infraestrutura hospitalar do país, a expectativa é que o sistema não seja tão sobrecarregado porque a maior dos pacientes afetados pela doença recebe orientação para tratamento domiciliar. No entanto, se houver uma grande quantidade de pacientes em estado grave, o Brasil pode ter problemas porque há poucos leitos totalmente isolados. No país, há 410,2 mil leitos em hospitais privados e públicos, sendo que apenas 8% são de UTI, conforme dados da CNSaúde (confederação que reúne hospitais).

“Temos que nos preparar para o pior, mas sem alarde para não assustar a população. Os grandes centros hospitalares estão preparados, se for o caso cirurgias eletivas poderão ser adiadas, a campanha da vacinação para gripe já foi antecipada pelo Ministério da Saúde. Além disso, as pessoas devem evitar aglomerações, ambientes cheios” disse Breno Monteiro, presidente da CNSaúde.

No Brasil, há 1,95 leito para cada 1 mil pacientes. A média global é de 3,2 leitos. Nos últimos nove anos, foram fechados 34,7 mil leitos em hospitais privados e foram abertos 9,2 mil leitos na rede pública de saúde.

No entanto, segundo o presidente do Einstein, como o novo coronavírus se tornou um caso de pandemia - anunciado ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS) -, o foco das atenções agora passa a ser o tratamento das pessoas infectadas, e não mais o isolamento desses pacientes. “A transmissão do vírus já é comunitária, não é transmitida necessariamente de alguma pessoa que esteve num dos países de risco”, disse Klajner.

O Hospital Albert Einstein, que vem detectando a maior procura pelos exames, criou uma infraestrutura especifica para atender os pacientes. Foram alocados 12 leitos com sistemas especiais de isolamento caso seja necessária a internação.

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Plano para conter avanço da doença em prisões prevê proibição de visitas

Isadora Peron

Daniel Rittner

12/03/2020

 

 

A preocupação com a propagação do coronavírus entrou no radar do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Até agora, não há nenhum caso suspeito nos presídios federais, mas o plano de contingência traçado pelo governo federal prevê a suspensão de visitas e o isolamento de detentos que forem detectados com a doença.

A pandemia - status cunhado ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS) - estará na pauta de uma reunião prevista para acontecer hoje em São Paulo, entre o diretor-geral do Depen, Fabiano Bordignon, e secretários estaduais de Administração Penitenciária.

Ele destaca a importância de ações para evitar que a doença chegue aos presídios. Na semana passada, o Depen realizou videoconferências com representantes de todos os Estados brasileiros para repassar orientações a respeito da prevenção e dos cuidados sobre o coronavírus no sistema prisional.

"Todas as medidas adotadas em âmbito nacional foram repassadas para as secretarias estaduais. Também aproveitamos as estruturas que já existem do projeto Prisão Livres de Tuberculose para disseminar as informações", afirmou Bordignon ao Valor.

A preocupação de especialistas, porém, é na dificuldade que haverá para conter a disseminação do vírus nas cadeias superlotadas. O advogado criminalista Hugo Leonardo, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), afirma que não há notícias, por ora, de presos contaminados, mas prevê um cenário de caos quando o novo coronavírus de fato chegar às cadeias brasileiras. "

Uma pandemia dessa natureza, com esse grau de contaminação? Vai ser um massacre, um genocídio", diz.

Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária disse que a campanha de vacinação contra a gripe será antecipada neste ano nas unidades, em parceria a Divisão de Imunização da Secretaria de Estado de Saúde.

O órgão afirmou que, quando surgir algum caso suspeito, o preso deverá ser isolado e será contatada a Vigilância Epidemiológica local.

"As visitas ao preso serão suspensas e os servidores que estarão em contato com o paciente, sejam da área de segurança, sejam da saúde, deverão usar mecanismos de proteção padrão como máscaras cirúrgicas e luvas descartáveis. Se for confirmado, além de continuar seguindo os procedimentos descritos acima, o preso será mantido em isolamento na enfermaria durante todo o período de tratamento", diz a nota enviada ao jornal.

A secretaria também afirma que vai observar, por 14 dias, presos de outras nacionalidades para ver se eles apresentam algum sintoma e contatar a Polícia Federal para saber se as "providências preventivas" foram tomadas.

O risco de rebeliões no sistema prisional foi apontado em um relatório distribuído nesta semana pelo estrategista Ian Bremmer, fundador e presidente da consultoria de risco político Eurasia, a seus clientes e contatos.

Na Itália, os motins se espalharam por diferentes cidades depois que o governo limitou o contato entre detentos e seus parentes. Em Modena, no norte do país, seis prisioneiros foram mortos durante uma rebelião.

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Fechar fronteira com Venezuela e antecipar férias escolares viram opção para governo

Rafael Bitencourt

Marcelo Ribeiro

Vandson Lima 

12/03/2020

 

 

Em resposta ao avanço da epidemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo, o Ministério da Saúde começa a considerar a possibilidade de adotar medidas mais duras para tentar conter o avanço ainda maior dos casos confirmados da doença.

Ontem, o ministro Luiz Henrique Mandetta admitiu que vai manter conversas com representantes do Ministério da Educação para antecipar as férias escolares e até fechar a fronteira com a Venezuela.

O país vizinho é considerado vulnerável no controle sanitário e sem credibilidade na divulgação de dados oficiais sobre a doença. Durante audiência no Congresso, Mandetta falou sobre a decisão de antecipar as férias escolares, discutida anteontem com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e ressaltou que é preciso se considerar com quem os alunos ficarão em caso de suspensão das aulas.

“Se for para colocar com os avós, vou contaminar aqueles que mais quero proteger, que são os idosos e os doentes crônicos.”

Sobre a possibilidade de fechamento da fronteira com a Venezuela, Mandetta ressaltou que a medida não envolve a divergência política entre os governos, mas tem viés meramente técnico. Ele mencionou que o mundo como um todo desconfia, por exemplo, das informações da Coreia do Norte sobre a inexistência de casos confirmados de coronavírus.

Mandetta argumentou ainda que o governo monitora com atenção o fluxo migratório em outras divisas. Ele citou o da fronteira com o Paraguai nas regiões de Mato Grosso do Sul e da tríplice fronteira, que inclui a Argentina. Lembrou ainda que, embora não tenha alinhamento político com o governo boliviano, o país vizinho colabora ao prestar informações confiáveis sobre o monitoramento de casos e com ações preventivas.

Com a decretação de pandemia mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o governo deixará oficialmente de restringir a investigação de novos casos de coronavírus às pessoas que viajaram para países com transmissão progressiva da doença. “Não vai ser mais necessário ter viajado para EUA, Itália ou Ásia para que se desconfie que o paciente tenha coronavírus”, afirmou o secretário-executivo da Saúde, João Gabbardo dos Reis.

Ontem, os casos confirmados de coronavírus no Brasil subiram para 52, com o Estado de São Paulo respondendo pelo maior número de contágios (30), seguido do Rio de janeiro (13). O número de pacientes com suspeita da doença voltou a subir, atingindo 907 pessoas. Até agora, 935 casos suspeitos já foram descartados após exame laboratorial. O número pode ser maior. O Hospital Albert Einstein informou ter confirmado outros 16 casos em São Paulo que não estão na contagem oficial.

Por precaução, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), impôs medidas de restrição de acesso às dependências da casa. Uma delas prevê que os parlamentares e servidores que estiveram em países com reconhecida transmissão local e apresentem sintomas de infecção respiratória ficarão de quarentena, afastados administrativamente por 14 dias. Questionado sobre a portaria que restringirá o acesso ao Congresso por causa do coronavírus, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que isso precisa ser feito até que se tenha a dimensão do alcance do vírus.

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Crise requer reforço de leitos e equipamentos hospitalares

Leila Souza Lima 

12/03/2020

 

 

Embora haja consenso entre especialistas sobre a eficácia das medidas de vigilância tomadas pelo Ministério da Saúde e por autoridades regionais para manter sob controle a propagação do coronavírus, o país pode ter problemas em caso de aumento expressivo do número de infectados ou de eventual corrida da população às unidades públicas de pronto-atendimento. Dessa forma, defendem eles, aumentar a oferta de leitos e outro equipamentos para situações mais complexas é prioridade agora.

Médicos ligados a grandes hospitais e centros de estudo avaliam que a longa crise econômica e as medidas de restrição fiscal fragilizaram o sistema público de saúde, inclusive com a redução dos leitos disponíveis. Mas também observam que o país tem experiência na gestão de crises e equipes técnicas capazes de lidar com o surto, classificado ontem pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia. Nesse cenário, não haveria razão para alarme.

Professor do Departamento de Epidemiologista da Escola de Saúde Pública da USP, Eliseu Alves Waldman disse ao Valor que a disponibilidade de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), entre equipamentos mais caros na área de saúde, sabidamente não é ideal. "Essa emergência que estamos enfrentando tem a implicação que é minimizar o número de óbitos e mitigar a transmissão, o que efetivamente significa a distribuição alongada dos casos para evitar um forte pico, com isso sobrecarga sobre o sistema de saúde. Não temos vacina, então esse será o caminho para não arder muito", disse ele.

Já se espera aumento do número de casos nas próximas semanas, o que justificaria para os médicos, se de fato houver agravamento, um passo adiante no conjunto de ações governamentais de prevenção e vigilância, que seria uma campanha nacional com orientações direcionadas à população. Avanço em relação às ações administrativas tomadas até agora, a medida poderia resultar em busca maior pelos serviços de saúde.

Para ter uma ideia das articulações até agora, nas últimas 48 horas, o Ministério da Educação (MEC) enviou série de recomendações para as universidades federais quanto à transmissão do coronavírus. A pasta informou ao Valor que também está em diálogo com Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) para disseminar as orientações. No comunicado aos dirigentes, o MEC informou que o Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria de Vigilância em Saúde, expediu recomendação para que se promova ações preventivas junto às universidades federais.

Segundo Hélio Bacha consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia e doutor pela Faculdade de Medicina da USP, a nova pandemia requer medidas extraordinárias de aparelhamento de hospitais. "Leitos de emergência devem ser criados para atender o novo desafio que a epidemia coloca", ressaltou o epidemiologista.

Mas ele ponderou que só a partir da próxima semana as autoridades terão condições de definir os próximos passos das ações, até com medidas mais amplas como campanha nacional. "O pânico leva à desorganização social, que é prejudicial à eficácia de tudo o que vem sendo feito e planejado. Embora não esteja tão evidente, há alinhamento entre os agentes de saúde", afirmou Bacha, que tem participado diariamente de comitês e reuniões sobre o tema.

Já causa incômodo também a falta de sinalização direta da autoridade econômica e do Executivo no sentido do provimento extraordinário de recursos, caso a crise se agrave. "Temos um sistema de saúde razoavelmente organizado, pessoal capacitado, experiência em gerenciamento de crises, boa vigilância em saúde e excelência em pesquisa. Mas nos últimos quatro, cinco anos houve fragilização do sistema público por questões políticas e econômicas. E o governo terá que ter agilidade em suprir de recursos para os próximos momentos", afirmou Waldman.

Enquanto o ministro da Economia preferiu acalmar os investidores na segunda-feira, dizendo que o governo encara a situação com "absoluta serenidade", e o presidente tenha negado a gravidade da crise, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse ontem, no Congresso, que convidará parlamentar a fazer parte do comitê que calculará os recursos necessários para combater o coronavírus. Segundo ele, há a previsão de liberação de R$ 5,1 bilhões das emendas do relator do Orçamento para medidas da área da saúde específicas para o combate à covid-19.

O Ministério da Saúde informou ao Valor em nota que, entre 2016 e 2020, o número de leitos de terapia intensiva no SUS passou de 22,9 mil para 26,2 mil no país. No Datasus, os leitos comuns de internação no país, caíram de 441,3 mil, em janeiro de 2016, para 435,3 mil, em janeiro deste ano.

Em relação à Covid-19, a pasta afirmou que tem tomado medidas que visam adaptar "a resposta do sistema brasileiro aos desafios impostos pela doença e a proteção da população, de forma proporcional e adequada a cada momento da doença no Brasil." O Ministério da Saúde respondeu que já atendeu ao pedido de habilitação de 100 leitos e está em processo de contratação de 1 mil leitos de terapia intensiva de forma emergencial. E informou ainda que ampliará a assistência na atenção primária para recepção de pacientes com Covid-19. Em relação à quantidade de kits disponíveis, a pasta não respondeu até a conclusão desta edição. (Colaborou Hugo Passarelli)