Correio braziliense, n. 20757, 22/03/2020. Brasil, p. 7

 

Idosos, os mais vulneráveis

Sarah Teófilo

22/03/2020

 

 

Moradora de Caxias do Sul (RS), a aposentada Cely Annita Miorelli, de 88 anos, sente falta das tardes de canastra com outras três amigas. “Infelizmente não dá mais”, lamenta. As quatro mulheres não se veem há oito dias. Desde então cada uma passou a ficar reclusa em casa. Quando precisa abastecer a casa, Cely pede ajuda à filha. Sai apenas para ir à residência ao lado, onde mora a madrasta de 93 anos. Ainda assim, segundo ela, as visitas não são longas como antes, com muito chimarrão. Beijos e abraços também ficaram no passado.

Cely está no grupo de risco da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Ela faz parte dos 31,9 milhões de brasileiros – o equivalente a cerca de 15% da população – que estão entre os mais vulneráveis. O Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior índice de idosos: eles representam 19% da população. O Rio de Janeiro é o primeiro, no qual a presença dos idosos equivale a 19,3% do total dos habitantes. Já em São Paulo, onde foram confirmadas nove das 11 mortes por coronavírus no Brasil, os idosos são 16,7% do contingente populacional.
Cely relata gostar de ir ao cinema e à igreja, duas práticas que abandonou depois da chegada do coronavírus. Ela mora sozinha, mas diz que se vira bem: lê bastante, assiste ao noticiário, faz desenhos e reza. “Estou com muita confiança de que vamos dar a volta sobre isso. Não tenho medo”, afirma.
A saúde dos idosos é um ponto de grande preocupação no momento, com o avanço no Brasil do vírus que já matou mais de 11 mil pessoas no mundo. Enquanto em jovens a taxa de mortalidade do coronavírus é menor, de 0,2%, para os idosos ela chega a 14,8%. Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara explica que toda doença infecciosa tem como grupo de risco os mais vulneráveis, e aí entram os idosos.
Uma das principais razões para eles fazerem parte do grupo de risco é o sistema imunológico. Diferentemente do que ocorre entre os jovens, os idosos enfrentam uma resposta mais frágil aos fatores externos. Assim, quando um idoso adoece, mesmo quando ele se recupera da doença, pode sofrer alguma alteração no organismo. O segundo fator é a presença de várias doenças simultâneas, o que o deixa mais vulnerável ao desenvolvimento de um quadro severo.
Com pacientes desse perfil e a quantidade crescente de idosos no país, a maior preocupação das autoridades sanitárias no momento é a capacidade de atendimento do sistema de saúde nacional. Na sexta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o sistema do país pode entrar em colapso no fim de abril. “O colapso é quando você tem o dinheiro, o plano de saúde, a ordem judicial, mas não tem onde se tratar”, disse na ocasião. Na terça-feira, Mandetta foi ainda mais específico: “Cuidem dos idosos. É hora de filho e filha cuidarem dos pais”.
Isolamento social
Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara afirma que nenhum sistema no mundo está preparado para um pico de demanda que é imaginado no caso de avanço da Covid-19. “Ninguém consegue ter uma estrutura dessa forma. Se o pico no Brasil for semelhante ao da Itália, a gente vai chegar a um caos. Porque não é um problema do Brasil, é um problema de desenho de sistema”, afirmou.
O médico ressalta a urgência de se tomar medidas de restrição, recomendando o máximo isolamento social possível. Segundo Uehara, os jovens são os grandes “carregadores” do vírus, porque não apresentam sintomas, a mortalidade na faixa etária é baixa e eles acabam se sentindo seguros. “Aqui em São Paulo ainda vemos pessoas em bares, bebendo. Não é hora para isso. A medida mais eficaz comprovada até agora para combater a pandemia é o isolamento social”, disse, em benefício àqueles que são naturalmente mais vulneráveis.
Infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fernando Bozza também ressalta a importância do isolamento social. “Se as pessoas não fizerem nada e continuarem agindo normalmente, a rede de saúde não conseguirá atender a todos, e isso terá um impacto direto nos brasileiros acima de 60 anos. No pior dos cenários, o sistema de saúde colapsa. O sistema, como um todo, não será capaz de absorver os pacientes. É o cenário que a gente não quer”, disse. Para ele, no entanto, a população já está respondendo positivamente. Carlos Uehara frisa ainda que os idosos, mais do que ninguém, devem ficar em casa e evitar ao máximo contato com outras pessoas, em especial com jovens e crianças, que podem estar infectados, mas não apresentam sintomas.
Entretanto, o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria ressalta que o isolamento pode afetar a saúde mental. Ele afirma que o idoso pode sair de casa, se achar necessário, para fazer uma caminhada, tomar um pouco de sol, desde que seja em locais abertos e sem ter contato com outras pessoas. Uehara acrescenta ainda que esta é uma oportunidade de se inteirar mais com a tecnologia. Ele sugere aos idosos que assistam a canais no YouTube, acompanhem vídeo aulas e conversem com amigos por aplicativos de mensagem e redes sociais.
Sobre visitas a idosos, o médico alerta que o melhor é evitá-las. Aqueles que estão em instituições de longa permanência (os antigos asilos) não devem receber nenhum tipo de visita, porque são ainda mais vulneráveis, segundo Uehara. O ideal é manter contato pela internet ou por telefone. Já no caso de um idoso que esteja em casa, é mais “ativo”, é possível fazer algum tipo de concessão — desde que o visitante não apresente nenhum tipo de sintoma e evite contato físico.
“Se as pessoas não fizerem nada e continuarem agindo normalmente, a rede de saúde não conseguirá atender a todos, e isso terá um impacto direto nos brasileiros acima de 60 anos”
Fernando Bozza, infectologista e pesquisador da Fiocruz

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Estados têm urgência para adquirir mais leitos

22/03/2020

 

 

A quantidade de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para adultos é uma preocupação no Brasil por ser essencial para cuidados de pacientes graves – que, em sua maioria, são idosos ou pessoas com comorbidades. Dentre os três estados com maior proporção de habitantes acima de 60 anos, o Rio Grande do Sul é o que possui o menor número de leitos pelo grupo: são 1.296 idosos por leito.

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) afirmou que prevê equipar 200 novos leitos de UTI adulto. Conforme a pasta, os equipamentos para os 30 primeiros leitos já chegaram ao estado. “A Secretaria da Saúde está em tratativas para ampliar ainda mais este quantitativo”, ressalta o texto. No caso do Rio de Janeiro, onde foram confirmadas duas das 11 mortes por coronavírus no Brasil, há 4.032 leitos de UTI para adultos: a média é de um leito para 820 idosos. São Paulo tem situação semelhante, com um leito de UTI para 908 idosos.
Esses dados não significam que todos os idosos precisarão de um leito de UTI. Mas o receio de que a quantidade de leitos de UTI pode ser insuficiente é real. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) já pediu ao Ministério da Saúde uma quantidade maior de leitos emergenciais. O órgão federal, por sua vez, anunciou dois mil leitos a serem distribuídos pelos estados. Na última segunda-feira, o governo informou que repassaria de forma imediata 540 leitos às unidades federativas, que dividiram a quantidade conforme o número de habitantes, respeitando a uma quantidade mínima de 10 desses equipamentos por estado. Roraima ficou com 10 leitos; São Paulo, com 80, por exemplo.
Capacidade razoável
Infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fernando Bozza afirma que as metrópoles brasileiras têm uma capacidade instalada razoável de leitos de UTI. O problema, entretanto, é que a maioria está na rede privada de saúde. Além disso, segundo ele, a distribuição não é homogênea entre capital e os municípios do interior, ou mesmo nas periferias das grandes cidades. “A distribuição não é equânime”, disse. Segundo ele, é preciso observar a evolução da Covid-19 pelo país para saber de forma precisa se a quantidade de leitos responderá à demanda.
O Correio perguntou à Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) se o estado dispõe de um número satisfatório de leitos para a pandemia do coronavírus. Em nota, a pasta informou que serão construídos três hospitais de campanha para atender pessoas infectadas, com uma estimativa de mais 600 leitos. Segundo a SES, serão 300 vagas dentro de um mês e outras 300 em mais um mês. A pasta acrescentou ainda que abrirá 300 leitos em até 40 dias para receber pacientes infectados e outros 300 em mais 30 dias. “As medidas possibilitarão atender pacientes graves infectados por coronavírus. Caso a população não siga as recomendações de permanecer em casa, a previsão é de que o estado registre cerca de 24 mil casos confirmados no próximo mês”, informou a secretaria. (ST)
COB quer adiar as  Olimpíadas
O Comitê Olímpico do Brasil (COB) comunicou, por meio de nota divulgada na manhã de ontem, que é a favor do adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021 em razão da pandemia do novo coronavírus que assola o mundo. No comunicado, o COB diz que sua posição se dá em razão do agravamento da pandemia da Covid-19, que já infectou mais de 270 mil pessoas em todo o mundo, e “pela consequente dificuldade dos atletas de manterem seu melhor nível competitivo pela necessidade de paralisação dos treinos e competições em escala global”. A Olimpíada está prevista para começar em 24 de julho e terminar em 9 de agosto.