Correio braziliense, n.20759, 24/03/2020. Política, p.3

 

Medida divide o Congresso

Augusto Fernandes

Sarah Teófilo

24/03/2020

 

 

Mesmo tendo recuado da proposta que regulamentava a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses, com o respectivo corte salarial, o presidente Jair Bolsonaro vai encontrar bastante resistência no Congresso com a Medida Provisória (MP) 927, editada na noite de domingo. O texto dispõe sobre uma série de dispositivos com alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública no Brasil por conta da Covid-19.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já alertou o Planalto de que é preciso se construir uma proposta em conjunto com o Legislativo para que não haja qualquer insegurança sobre a relação entre empregador e empregado. Enquanto isso, parlamentares garantem que não vão aceitar a matéria por entenderem que ela ataca os mais pobres.
Outro ponto que causa controvérsia é o que estabelece a pandemia do novo coronavírus como “hipótese de força maior” para fins trabalhistas, o que daria aval para a redução geral dos salários dos empregados de uma empresa em até 25%, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“É claro que precisamos ajudar os micro e pequenos empregadores, mas o governo que tem que dar condições para que eles se mantenham e mantenham os seus funcionários, e não colocar os empregados em maior estágio de vulnerabilidade”, disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
O deputado Alessandro Molon (RJ), líder do PSB na Câmara, reforçou que mesmo com a retirada do trecho que suspende jornada de trabalho e salário por até quatro meses, a MP continua problemática. Ele enviou um ofício ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pedindo que o senador devolva o texto ao Executivo, em uma sinalização clara de que a matéria não será aprovada no Congresso pois, para o parlamentar, ela “é (uma forma) de deixar os empregados entregues à própria sorte”
Defesa
O vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), não concordou com a pressão da oposição, que fez Bolsonaro desistir de parte da MP. Segundo ele, o que o presidente fez foi um “erro que merece ser perdoado”, em razão do “período de guerra” que o país vive — o que pode tê-lo influenciado a tomar medidas precipitadas. “É necessário que haja uma unidade no essencial. Na medida em que o Congresso recebe e se debruça sobre o texto, ele sempre encontra alternativas melhores. Tem de conversar com o governo, não é hora de crise. O Congresso precisa ser a ponte entre o povo e o governo para encontrar soluções”, comentou.
De todo modo, o senador antecipou que pediu para bancos públicos concederem empréstimos aos patrões, a fim de que eles possam manter a folha de pagamento em dia. “Eles poderiam fazer o adiantamento de dois ou três meses de recursos para os micro e pequenos empresários poderem pagar os seus funcionários. Temos de ter outra saída também. Temos de ver os dois lados: o pequeno e o microempresário, que agora ficaram sem receita, e, obviamente e principalmente, o trabalhador, que não vai poder ficar sem receber dinheiro”, explicou.
Líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR) avaliou como grave apenas o artigo 18, que o presidente anunciou a revogação no Twitter. Com a retirada do trecho, ele avalia que, por parte do Podemos, não haverá resistência. “Entre uma demissão e uma negociação, acho que é mais suave uma negociação.”