O globo, n.31451, 16/09/2019. Mundo, p. 27

 

Em alerta 

16/09/2019

 

 

Os ataques aduas das principais instalações de produção e processamento de petróleo da Arábia Saudita no sábado causaram uma disparada nos preços do produto no mercado internacional, enquanto o país e seus aliados, em especial os EUA, buscam identificara origem dos supostos drones que atingiram os locais.

Embora os ataques tenham sido reivindicados por rebeldes houthis, que lutam contra forças apoiadas pelos sauditas no vizinho Iêmen, Riad e Washington acusam o Irã de estar por trás da ação, o que o país persa nega.

Analistas esperam que os preços do petróleo sofram pressão de alta de dois lados com oc ons e quência dos ataques. Primeiro odo abastecimento global, já que foram danificadas instalações responsáveis por 5,7 milhões de barris diários, mais da metade da capacidade da Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo do planeta, e mais de 5% do suprimento mundial.

Apesar de a estatal Saudi Aram co ter reservas suficientes para suprir o volume perdido e correr para restabelecera capacidade de produção —segundo o Wall Street Journal, a empresa espera pôr um terço de volta no mercado ainda hoje—, a expectativa é de que só isso provoque alta de US$ 5 a US$ 10 nos preços do barril, que têm oscilado entre cerca de US$ 55 e US$ 65 nos últimos meses.

A abertura dos mercados asiáticos hoje, ainda noite de ontem no Brasil, parece confirmar estes temores, com o barril do tipo Brent, referência internacional, chegando a disparar quase 20%, para mais de US $70. Diante da disparada, o presidente dos EUA, Donald Trump, abriu a possibilidade de liberar as reservas estratégicas do país, contendo a alta.

Já o outro fator de pressão nos preços do petróleo, mais difícil de mensurar e reverter, é o medo. Isso porque os ataques evidenciaram a enorme vulnerabilidade da infraestrutura petrolífera da Arábia Saudita a armas de relativamente baixa tecnologia, e muito baratas.

Os relatos iniciais, reforçados pela reivindicação dos ataques pelos rebeldes houthis, dão conta de que as instalações sauditas nas regiões de Abqaiq e Khurais foram atingidas por drones que se infiltraram centenas de quilômetros país adentro a partir do Iêmen,cuja fronteira está a cerca de 900 km ao Sul dos locais, sem serem detectados.

DÚVIDAS SOBRE ORIGEM

A distância e a precisão dos ataques, no entanto, levantaram dúvidas quanto à sua origem. Depois de o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, acusar, ainda no sábado, o Irã de envolvimento na ação, classificando-a como um “ataque sem precedentes aos abastecimento global de energia”, ontem uma alta autoridade do governo americano afirmou à Reuters ter evidências de que as instalações foram atingidas em 19 pontos por sistemas de armas lançados do Oeste ou Noroeste dos locais, ou seja, da direção de Iraque e Irã.

Além disso, autoridades sauditas teriam encontrado sinais de que mísseis de cruzeiro foram usados nos ataques, com restos de alguns que não atingiram os alvos tendo sido encontrados ao Norte das instalações. Ambas informações contradizem a reivindicação dos rebeldes houthis de que usaram dez drones na ação a partir de seu território, ao Sul.

—Não há dúvida de que o Irã foi responsável por isso. Não há outro candidato —afirmou a alta autoridade americana, que pediu anonimato.

O governo do Irã, no entanto, rechaçou as acusações dos EUA. Abbas Mousavi, porta voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, classificou as palavras de Pompeo como “mentiras sem sentido” com o objetivo de “prejudicar a reputação” de seu país em preparação para “futuras ações contra” o Irã.

Mousavi também ironizou a política de “máxima pressão” imposta pelo governo Trump contra o Irã após abandonar unilateralmente o acordo nuclear de 2015, dizendo que ela “aparentemente se transformou em máxima mentira devido ao seu fracasso”.

Assim, diante das incertezas e vulnerabilidade da infraestrutura saudita exposta pelos ataques, analistas esperam que o medo some ao menos outros US$ 10 como prêmio de risco aos preços do barril de petróleo no curto e médio prazos, fazendo os se aproximarem da marca dos US$ 100.

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Houthis mostram vulnerabilidade da ditadura saudita

Guga Chacra

19/09/2019

 

 

O ataque reivindicado pelos houthis contra instalações de petróleo da Arábia Saudita estão dentro do contexto da Guerra do Iêmen e demonstram a vulnerabilidade da ditadura saudita do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.

Chega a ser espantoso que o regime saudita tenha sido incapaz de impedir um ataque dos houthis centenas de quilômetros dentro de seu território e com uma tecnologia relativamente barata. O maior exportador de petróleo do mundo, apesar de gastar dezenas de bilhões de dólares em armamentos, deveria ter desenvolvido um sistema de defesa mais avançado, similar ao de Israel. Se não conseguem resistir aos houthis, imaginem contra o Irã e suas Guardas Revolucionárias?

Este fiasco do sanguinário regime saudita na Guerra do Iêmen se iniciou em 2015, um ano após o movimento houthi derrubar do poder o governo de Abdu Mansour Hadi em Sanaa. Com força no Norte do Iêmen, os houthis seguem em sua maioria a vertente Zaidi do islamismo, que é derivada em parte dos xiitas. Correspondem a cerca de um terço da população do país.

O objetivo da ditadura saudita era reinstalar seu aliado Hadi no poder. Montaram uma coalizão com outros países, como os Emirados Árabes Unidos, além de mercenários sudaneses. Os EUA, ainda governados por Obama, venderam armamentos. Trump intensificou o apoio e vetou legislações aprovadas pelo Congresso dos EUA para proibir a venda de armamentos para a Arábia Saudita.

Ao longo da ofensiva, a coalizão do ditador Bin Salman, conhecido como MBS, bombardeou civis indiscriminadamente e matou milhares, segundo a ONG Human Rights Watch. Até funerais, casamentos, escolas e ônibus escolares foram alvo. O regime de Mohammed bin Salman também esgana o país ao impor um embargo na entrada de remédios e alimentos.

Apesar desta brutalidade, os sauditas fracassaram e os houthis, que também cometem atrocidades, seguem no poder. Para complicar, a alQaeda na Península Arábica e o Estado Islâmico, inimigos tanto dos sauditas quanto dos houthis, ganharam espaço.

Alguns argumentam que o sucesso dos houthis se deve ao apoio iraniano. Em parte, com certeza, mas não totalmente. Além disso, este suporte tampouco pode ser equiparado ao que Teerã dá ao Hezbollah no Líbano ou ao regime de Bashar al Assad na Síria.

O Hezbollah recebe treinamento e armamento dos iranianos. O Irã enviou formalmente militares para ajudar Assad na Guerra da Síria. Já os houthis emergiram de forma independente. A aliança com o Irã foi de oportunidade por ambos serem inimigos dos sauditas. Mas não há conotação religiosa, diferentemente do que ocorre com o Hezbollah. Neste sentido, tem mais proximidade com o apoio a Assad, onde interesses, e não a religião, têm mais peso.