O Estado de São Paulo, n. 46102, 07/01/2020. Política, p. A6

 

'Ler jornal envenena', diz Bolsonaro

Mateus Vargas

07/01/2020

 

 

Presidente fez novos ataques à imprensa após ser questionado sobre reformas administrativa e tributária; entidades repudiam declarações

Em mais um ataque à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem que jornalistas são uma “raça em extinção” e que ler jornais “envenena”. Bolsonaro afirmou que vincularia os repórteres ao Ibama (Instituto Brasileiro do Mei Ambiente e dos Recursos Renováveis), órgão que, entre outras atribuições, defende animais ameaçados. “Vocês são uma espécie em extinção. Eu acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama. Vocês são uma raça em extinção.”

A declaração foi feita em frente ao Palácio da Alvorada, onde o presidente costuma tirar selfies com apoiadores e eventualmente falar com jornalistas. Bolsonaro disse que a imprensa “não sabe nem mentir mais”, mas que não iria estender as críticas a todos os jornalistas “para não ser processado pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) e não sei o quê”. Procurada, a ANJ informou que não iria se pronunciar.

Ele ainda lembrou que determinou o cancelamento da compra de jornais e revistas impressas ao Palácio do Planalto. Em dezembro passado, a Presidência anunciou que não renovaria o contrato de R$ 582.911,40 para compra de periódicos, que se encerrou no final de 2019.

“Todos (foram cancelados ). Não recebo mais papel de jornal ou revista. Quem quiser que vá comprar. Porque envenena a gente ler jornal”, disse Bolsonaro. O novo ataque do presidente à imprensa começou após ele ser questionado se enviaria antes ao Congresso Nacional a proposta de reforma administrativa ou a tributária.

Na mesma entrevista, Bolsonaro disse ainda que tem “uma vida difícil”. E afirmou, sem citar exemplos concretos ou apresentar provas, que jornalistas “ensaboavam” ex-presidentes por causa de pagamentos mais altos de publicidade às empresas de comunicação.

Reincidente. Bolsonaro tem feito reiterados ataques à imprensa. Em 20 de dezembro, o presidente se irritou com repórteres ao ser questionado sobre a operação de busca e apreensão que teve como alvo seu filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Na ocasião, disse que um repórter tinha “uma cara de homossexual terrível”.

No dia seguinte, recebeu jornalistas no Palácio da Alvorada, e elevou o tom de voz ao responder sobre o mesmo tema. Na ocasião, disse que se controlava ao falar com jornalistas e que a mídia o “provoca” para ter manchete. Bolsonaro afirmou que, às vezes, reflete sobre as declarações e se arrepende.

Em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) classificou como “estapafúrdias” as declarações de Bolsonaro. “O presidente não deve confundir o que talvez seja um desejo oculto seu com a realidade. Enquanto a informação for uma necessidade vital nas sociedades modernas, e ela será sempre, o jornalismo vai continuar a existir”, afirma o texto assinado pelo presidente da entidade, Paulo Jerônimo de Sousa.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou, também em nota, que Bolsonaro “usa um discurso típico de líderes autoritários: diante de uma notícia que o desagrada, ataca o mensageiro, sem se preocupar em esclarecer o fato noticiado.”

Desejo Oculto

“O presidente não deve confundir um desejo oculto seu com a realidade. Enquanto a informação for uma necessidade vital nas sociedades modernas, e ela será sempre, o jornalismo vai continuar a existir.”

Associação Brasileira de Imprensa

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Podemos confirma saída de Marco Feliciano do partido

Daniel Weterman

07/01/2020

 

 

Legenda usou, como justificativa, apoio a Bolsonaro; decisão não cita gasto de R$ 157 mil com tratamento dentário

A cúpula nacional do Podemos ratificou ontem a expulsão do deputado Pastor Marco Feliciano (SP), decidida no início de dezembro pelo diretório paulista, efetivando sua saída do partido. A direção da sigla, porém, foi contida na justificativa para mandá-lo embora. Atendendo a um pedido do deputado, a legenda manteve apenas a infidelidade partidária pelo apoio ao presidente Jair Bolsonaro como justificativa – deixando de fora outros motivos que constavam na decisão do diretório estadual, como o gasto de R$ 157 mil referentes a um tratamento odontológico reembolsado pela Câmara, revelado pelo Estado em agosto.

Como foi expulso, Marco Feliciano não corre o risco de perder o mandato na Câmara dos Deputados. Ele poderá ficar sem partido ou se filiar a outra legenda qualquer.

Após a decisão, Feliciano disse que só espera um sinal de Bolsonaro para se filiar ao Aliança pelo Brasil, partido que o presidente tenta criar. “Aguardando ordens do meu presidente”, afirmou o deputado.

Vice-líder do governo no Congresso, Feliciano afirmou que, “se for preciso”, ajudará Bolsonaro a coletar assinaturas até mesmo em igrejas para efetivar a criação do Aliança no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para ele, no entanto, é “difícil” o novo partido ser oficializado até o fim de março, a tempo de disputar as eleições municipais deste ano. Seriam necessárias 491 mil assinaturas.

O Podemos, por sua vez, tenta se afastar do bolsonarismo para se consolidar como o “partido da Lava Jato” no Congresso. O comando da sigla espera agora atrair senadores que condicionavam suas filiações à saída de Feliciano.

Emendas. Próximo a Bolsonaro, Feliciano tem acompanhado o presidente em agendas fora do Planalto. Ele também foi o deputado federal que mais teve emendas parlamentares pagas pelo Planalto em 2019. Isso levou o Podemos a ser um dos partidos mais beneficiados no pagamento de recursos para redutos eleitorais, conforme ranking revelado pelo Estado. Com a saída do deputado, o partido pode perder participação na liberação de emendas.

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PSL expulsa acusado de ataque a Porta dos Fundos

Marcio Dolzan

07/01/2020

 

 

Procurado pela Polícia Civil, acusado de participar do ataque à produtora do grupo humorístico Porta dos Fundos, Eduardo Fauzi Richard Cerquise foi expulso do PSL carioca ontem. Segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele era filiado à sigla desde 2001. Além do PSL, Fauzi também era filiado à Frente Integralista Brasileira (FIB), grupo que o havia expulsado semana passada.

O ataque à produtora aconteceu na madrugada do dia 24 de dezembro. Seis dias depois, a Polícia Civil tentou cumprir mandado de prisão contra Fauzi em quatro endereços ligados a ele no Rio de Janeiro, mas não o encontrou. Depois, descobriu-se que o acusado embarcara para a Rússia um dia antes de sua prisão ser decretada.

Já na Rússia, Fauzi divulgou um vídeo de pouco mais de sete minutos em que ataca o Porta dos Fundos e utiliza argumentos cristãos para chamar os humoristas de “intolerantes, marginais e bandidos”.

“A posição de tolerância, de se vestir pela pele do outro e buscar entender os problemas que o outro passa através da perspectiva dele, é tudo o que os tolerantes do Porta dos Fundos não têm. A tolerância deles é marketing”, disse o acusado. No vídeo, ele usa a expressão “anauê”, saudação própria dos integralistas, grupo político de extrema direita.

O atentado aconteceu devido ao especial de Natal da produtora que satiriza Jesus Cristo. No filme, os humoristas sugerem que Jesus teve experiências homossexuais. Em entrevista concedida ao site Projeto Colabora, Fauzi reconheceu a autoria do atentado e disse que pretende pedir asilo político na Rússia. Ele teria uma passagem de volta para o Brasil marcada para o fim de janeiro.

Fauzi tem 20 passagens pela polícia, a maioria por casos de agressão e lesão corporal. Em 2013, ele foi preso por dar um soco no então secretário municipal de Ordem Pública do Rio, Alex Costa, quando ele concedia entrevista à TV Globo.