Correio braziliense,n.20553, 31/08/2019. Brasil, p.5

 

Mudança de tom

31/08/2019

 


O presidente Jair Bolsonaro adotou, ontem, um estilo mais conciliador ao tratar da questão ambiental na Amazônia. Em conversa por telefone com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, Bolsonaro agradeceu o esforço dela para colaborar com Brasil e a atualizou quanto às medidas adotadas para reduzir os incêndios na região. Antes, o presidente afirmou que está aberto a receber recursos para o Fundo Amazônia — um dos pontos de atrito com governos europeus.
Fora do país, Bolsonaro teve a ajuda do filho para lidar com a crise ambiental. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, viajaram aos Estados Unidos para uma reunião com o presidente norte-americano, Donald Trump.  “Eu pedi para o Trump nos ajudar. Ele tem dito que não poderia tomar uma decisão sem ouvir o Brasil. O Brasil é um país amigo de todo mundo”, destacou Jair Bolsonaro, antes do encontro.
Além de um país que pode doar verbas ao Brasil, o Planalto vê nos EUA um importante aliado para barrar propostas que colocam em xeque a soberania brasileira na Amazônia, como a sugestão do presidente francês, Emmanuel Macron, de criar um estatuto internacional para a região. Após a reunião com Trump, o chanceler Ernesto Araújo disse, em Washington, que o encontro teve um caráter simbólico, ao evidenciar as boas relações entre Brasil e Estados Unidos.
Eduardo Bolsonaro, que é candidato ao cargo de embaixador brasileiro nos EUA, foi mais explícito: “Brasil e EUA estão alinhados. Se alguns líderes tentarem fazer algum tipo de negociação com a Amazônia sem a presença do Brasil vão encontrar muito problema para fazê-la, porque os EUA vão se opor a isso. Todos os líderes que tentarem subjugar a soberania nacional encontrarão problemas não só com o Brasil, mas também com os Estados Unidos”.
Em Brasília, ao relatar o telefonema entre ele e Merkel, Jair Bolsonaro afirmou que o contato foi “franco e cordial”. Além de agradecer a colaboração do país, o presidente reforçou a posição brasileira de não admitir discussões sobre a soberania da Amazônia e sobre a administração de recursos concedidos ao Brasil. O telefonema, segundo Bolsonaro, mostrou uma mudança de tom nos diálogos. “Ela começou com um tom, depois foi para a normalidade”, afirmou.
A relação com Merkel melhorou consideravelmente, depois das declarações fortes de Bolsonaro sobre a suspensão do repasse de 35 milhões de euros do governo alemão ao Fundo Amazônia. Na primeira quinzena de agosto, ele sugeriu que a Alemanha usasse a verba para reflorestar as próprias matas nativas. Ontem, disse que aceitaria doações, desde que saiba para onde serão destinadas. “Sem problema nenhum. Agora, queremos saber para onde vai essa grana”, disse. O presidente, contudo, manteve o tom crítico em relação a países europeus. “A Europa toda, não é só a Alemanha, não tem lições para nos dar no tocante à preservação do meio ambiente”, afirmou.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Argemiro Procópio Filho, o presidente percebeu o tamanho do problema. “Bolsonaro está vendo a reação europeia, mais do que isso, a reação mundial em relação à Amazônia. É um problema muito maior do que inicialmente ele pensava”, afirma. Argemiro acredita que o presidente, procede, agora, com mais sabedoria diante da crise.
No entanto, o discurso muda de tom quando o outro lado envolve diálogo com o presidente da França, Emmanuel Macron. A queda de braço com o presidente francês continua. “Estou disposto a conversar com qualquer um, exceto com nosso querido Macron, a não ser que ele se retrate sobre nossa soberania na Amazônia. Aí, eu converso com ele”, reforçou.     
O presidente ressaltou não ter intenção de receber os 20 milhões de euros sinalizados pelo G-7, mas disse aceitar verbas por vias bilaterais. “Qualquer recurso individual, de um país para o outro, a gente conversa. Agora, o Macron quer doar em nome do G-7, e isso não é verdade”, sustentou. Bolsonaro informou, ainda, que, na próxima semana, deve fazer uma visita à região amazônica, mas não fixou data para a viagem.