O globo, n.31458, 23/09/2019. Mundo, p. 23

 

Resposta ao presidente 

23/09/2019

 

 

‘Me dá pena pelo Brasil’, diz Bachelet após ataque de Bolsonaro

A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bach elet,af ir mouques ente“pe napelo Brasil” ao recordara defesa que o presidente Jair Bolsonaro fez recentemente da ditadura de Augusto Pinochet no Chile, na qual justificou a morte do pai da ex-presidente chilena pelo regime militar. A declaração faz parte de uma longa entrevista concedida à rede de televisão estatal TV N, cujo conteúdo foi divulgado parcialmente ontem pelo jornal La Tercera. É a primeira vez que ela comentou o ata quedo brasileiro.

No início do mês, Bachelet se disse preocupa dacoma alta da violência policial nos estados do Rio e de São Paulo, com “uma redução do espaço cívico e democrático” e com os ataques a comunidades indígenas. Bolsonaro respondeu que ela estava“seguindo alinha” do presidente francês, Emmanuel Macron, que criticara a resposta do governo às queimadas, ao se “intrometer nos assuntos interno sena soberania brasileira” e elogiou a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

—Se há uma pessoa que diz que em seu país nunca houve ditadura, que não houve tortura, que a morte de meu pai por tortura permitiu que (o Chile) não fosse outra Cuba, a ver da de é quem e dá pena pelo Brasil —disse Bachelet, sem mencionar o nome do brasileiro.

Na ocasião, o presidente afirmara que “[ Bachelet] diz que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época”, escreveu o brasileiro. Alberto Bach eletMartíne zera um oficial legalista que se opôs ao gol peque derrubou o presidente socialista Salvador Allende e foi preso e torturado pela ditadura. Ele morreu de infarto na Prisão Pública de Santiago, aos 50 anos, em 1974. Em 2014, dois ex-militares foram condenados por sua tortura e morte.

ACUSAÇÕES DA OAS

Bachelet explicou que apenas respondeu a uma pergunta feita sobre o Brasil com os dados que tinha ,“que éon úmero de pessoas mortas e a dificuldade da sociedade civil de continuar fazendo o que fazia antes”. Na entrevista, afirmou que a “redução do espaço democrático não acontece apenas no Brasil ”, eque, na área de direitos humanos ,“não existe país perfeito”. Procurado ontem pelo GLOBO, o Palácio do Planalto não respondeu.

Em outros temas, a ex-presidente voltou ase defender de novas informações que vinculam sua campanha para conquistar o segundo mandato à frente do Chile em 2013 a contribuições da empreiteira brasileira OAS.

— Minha verdade é a mesma de sempre. Eu não tenho, nunca tive vínculos com OAS nem com qualquer outra empresa — disse Bachelet, que considerou “estranho” o retorno do tema à imprensa.

O nome de Bachelet apareceu em uma proposta de delação feita pelo empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, revelada na semana passada pela Folha de São Paulo e pelo Intercept. Segundo o empresário, cerca de R$ 400 mil foram repassados à campanha dela à Presidência, em 2013, por sugestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na época, a OAS queria permanecer em um consórcio responsável pela construção de uma ponte e, segundo Pinheiro, a eleição de Bachelet garantiria a continuidade.

Por enquanto, o procurado rgeral do Chile, Jorge Abbot, não prevê ações ligadas ao caso, preferindo aguardar uma manifestação oficial das autoridades brasileiras.

‘VIRGEM MARIA’

Ao falar sobre seu papel na crise da Venezuela, respondeu que muitos, de modo equivocado, a veem como a “Virgem Maria”, aquela que pode solucionar o problema.

—Sou alta comissária e quero manter minha relação com o Estado venezuelano para seguir trabalhando e para ajudá los a resolver a situação crítica dos direitos humanos — disse.

No começo do mês, ela divulgou um novo relatório sobre a Venezuela, denunciando atos de repressão estatal e prisões arbitrárias de adversários políticos, além de execuções extrajudiciais. Em resposta, o governo disse que ela “cometeu excessos”. Mesmo assim, Bachelet considera necessário manter diálogo com o governo, ressaltando a posição da ONU, que considera “Juan Guaidó presidente da Assembleia e Nicolás Maduro o presidente eleito”.

O líder opositor se autoproclamou presidente interino da Venezuela e foi reconhecido por 50 países, Brasil inclusive. Na entrevista, Bachelet, que governou seu país de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018, garantiu que não voltará a ser candidata à Presidência.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Chanceleres decidirão sobre sanções à Venezuela

Paola de Orte 

23/09/2019

 

 

Os chanceleres dos 18 países do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar)decidirão hoje,em Nova York, sobre a imposição de sanções ao governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Uma das propostas é o congelamento de ativos de altos funcionários do governo.

Segundo pessoas envolvidas nas negociações ouvidas pelo GLOBO, a ideia é “estabelecer um regime vinculante de medidas políticas e econômicas, mediante colaboração e intercâmbio entre as partes do Tiar”. Essas medidas podem ser controles policiais, aduaneiros e financeiros sobre atividades ilícitas transnacionais, acolhimento e financiamento do terrorismo, narcotráfico e lavagem de ativos.

Uma opção são as sanções individuais. Está na pauta o congelamento de ativos de altos funcionários do governo, como foi feito pelos Estados Unidos. Desde 2018, o governo americano impõe sanções aos principais aliados de Maduro, como o número dois do regime chavista, Diosdado Cabello, e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Ainda segundo uma fonte, as medidas serão obrigatórias e será criado um mecanismo para revisara implementação.

Negociadores do lado do líder opositor Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela, defendem que “todas as opções do artigo 8 estão sobre a mesa”. E mentre vista à CNNE spañol, seu representante na OEA, Gustavo Tarre Briceño, chamou de “preconceito” descartar o uso da força.

O artigo 8 do Pacto do Rio— como também é chamado o acordo de 1947 — lista as medidas possíveis: retirada dos chefes da missão, ruptura de relações diplomáticas, interrupção das relações econômicas ou das comunicações e o emprego das Forças Armadas.

Para convocar a reunião dos chanceleres, eram necessários dez votos, e a convocação foi aprovada com 12: Argentina, Brasil,Chile,Colômbia,ElSalvador,EUA,Guatemala,Haiti, Honduras, Paraguai, República Dominicana e Venezuela, que é representada pelo grupo de Guaidó. A aprovação de sanções precisa de 13 votos.

EXEMPLO DO HAITI

Na lei brasileira, só há legislação específica para implementar sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança. Apesar disso, Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional da UFMG, argumenta que a implementação de sanções do Pacto do Rio não estaria em desacordo nem com o direito internacional, já que o artigo 53 da Carta da ONU prevê atuação de mecanismos regionais, nem com o direito brasileiro, pois o país é signatário do pacto e é o brigado a seguir suas decisões.

— O fato de que não exista uma lei similar para o Tiar é imaginável. As obrigações lá contidas devem ser cumpridas pelo Brasil, portanto isso tornaria essas ações em ações conformes ao ordenamento.

Lucas faz a ressalva de que decisões sobre uso da força teriam que ser autorizadas pelo Conselho de Segurança, por serem de uma “gravidade diferente”. Embora o artigo 8 do Pacto do Rio inclua na lista sanções políticas, econômicas e uso da força, esse último é vetado pela ONU, a não ser em legítima defesa.

O professor também argumenta que o texto não se restringe a ataques estrangeiros, já que o artigo 6 afirma que medidas podem ser adotadas em razão de qualquer fato ou situação “que possa pôr em perigo a paz da América”. Ele cita resolução de 1994 do Conselho de Segurança da ONU sobre o Haiti, que, segundo ele, reconhece que situações domésticas podem constituir ameaça à paz regional.