O globo, n.31460, 25/09/2019. Mundo, p. 35

 

Bolsonaro dispara criticas e ataques no palco mundial

Jussara Soares 

Daniel Rittner 

25/09/2019

 

 

Embora tivesse prometido um discurso conciliatório, o presidente Jair Bolsonaro abriu ontem os debates da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas com ataques indiretos a outros líderes internacionais, críticas a Cuba, Venezuela, à mídia e à própria ONU, além de várias referências a um mal definido “socialismo”, segundo ele uma “ideologia” que busca um “poder absoluto”. Em tom considerado agressivo por especialistas e observadores, o presidente também se afastou da tradição brasileira de adesão ao multilateralismo.

Durante os 31 minutos no púlpito da Assembleia Geral, o presidente voltou a temas que já abordara na campanha e criticou“antecessores socialistas”. Ele disseque vinha à O NU “apresentar o novo Brasil que ressurge depois de ter ficado à beirado socialismo” eques eu governo tenta reconquistar a confiança do mundo.

— Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou em uma situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições — disse o presidente, que recebeu aplausos protocolares.

Ele citou como exemplo de uma suposta penetração socialista o Mais Médicos, assinado em 2013 entre o “governo petista e a ditadura cubana”, definindo o programa como “trabalho escravo”, o que levou a delegação cubana a deixar o recinto:

—Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles (médicos cubanos) deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar se submeterão à qualificação médica para exercer sua profissão. Deste modo, nosso país deixou de contribuir para a ditadura cubana, não mais enviando US$ 300 milhões todos os anos — disse, sem citar que o governo não conseguiu substituir os profissionais que partiram.

Segundo Bolsonaro, “após sobreviver aduas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada ”, a economia brasileira começa a reagir, dando como exemplo o recente acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia e o início do processo de adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

— Não pode haver liberdade política sem que haja também liberdade econômica. E vice-versa. O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil.

‘MENTIRAS DA MÍDIA’

Bolsonaro, envolvido num bate-boca com Emmanuel Macron sobre as queimadas na Amazônia, não citou diretamente o presidente francês e a chanceler alemã, Angela Merkel, que na reunião do G-7 criticaram a atuação do Brasil na questão, mas rechaçou suas críticas.

—Os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertaram nosso sentimento patriótico —afirmou.

—É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da Humanidade, e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar,embarco unas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania.

O presidente disse, ainda, que enquanto França e Alemanha usam mais de 50% de seu território para agricultura, o Brasil usa apenas 8% para produção do alimento. Bolsonaro destacou que 14% do território do país são compostos por terras indígenas e descartou aumentara proporção para 20%,“como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse ”.

Ele lembrou também que o Brasil tem 225 povos indígenas e 70 povos isolados, deforma que a visão de uma liderança, como o cacique Raoni, que participou da reunião do G -7 em agosto, não deveria representara de todo seles.

— Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia. Acabou o monopólio do senhor Raoni — disse.

— Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas

Bolsonaro também atacou o que chamou interesses externos“disfarçados de boas intenções” na questão da Amazônia, afirmando que“qualquer iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da floresta deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira”.

Em outro ponto, afirmou que“há poucas décadas, tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina”, fazendo uma aparente alusão ao golpe de 1964, que instaurou a ditadura.

— Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade.

Bolsonaro atribuiu ao socialismo a culpa pela crise econômica e política na Venezuela. Ele lembrou que dos mais de 4 milhões que deixaram o país, parte migro upara o Brasil ,“fugindo da fome e da violência ”.

— O socialismo está dando certo na Venezuela! Todos estão pobres e sem liberdade! —ironizou.

Ele afirmou estar comprometido com direitos humanos, mas também como c om bate à corrupção e à criminalidade. Disseque o Brasil está mais seguro. E criticou antecessores que, segundo ele, não contribuíam para o país e para a paz mundial em seus discursos, mas mesmo assim eram aplaudidos.

No discurso — escrito pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, pelo chanceler Ernesto Araújo, pelo assessor especial da Presidência Filipe Martins, e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro — coube um elogio ao ministro da Justiça, Sergio Moro, por sua atuação como juiz, ao citar que “presidentes socialistas que desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do Parlamento” foram “julgados e condenados”.

CITAÇÃO BÍBLICA

O presidente criticou ainda “o politicamente correto” e a “ideologia” que, segundo ele, “se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas” e que “tenta destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica”.

Na ONU, Bolsonaro atribuiu a um milagre sua sobrevivência à facada na campanha e finalizou o discurso com um versículo bíblico.

— Nas questões de clima, democracia, direitos humanos, igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, e em tantas outras, tudo o que precisamos é isto: contemplar a verdade, seguindo João 8,32: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (*Do Valor)

Reações à fala do presidente

Fernando Haddad. O ex-candidato à Presidência pelo PT em 2018 disse no Twitter que “Bolsonaro, como sempre, aproveitou a oportunidade para mostrar o que ele é”.

Governo cubano. O chanceler Bruno Rodríguez disse que o presidente “delira e tem saudade dos tempos da ditadura militar”. Por sua vez, o presidente Miguel Diáz-Canel afirmou que “Cuba rejeita energicamente as calúnias de Bolsonaro sobre nossa cooperação médica internacional”.

Hamilton Mourão. O vice-presidente tachou de “extraordinário” o discurso de Bolsonaro, avaliando-o como “patriota e altivo”. Ele destacou que o presidente marcou posição em soberania e na questão indígena, colocou na mesa a questão do meio ambiente e o posicionamento do Brasil sobre ditaduras ao redor do mundo.

João Doria. O governador tucano de São Paulo, que foi aliado de Bolsonaro na campanha de 2018, mas tornou-se um crítico do presidente, classificou como “inadequado” e “inoportuno” o discurso, “sem referências que pudessem trazer respeitabilidade e confiança no Brasil no plano ambiental, no plano econômico e no plano político”.

Augusto Heleno. Para o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o “discurso atingiu todos os objetivos, correspondeu a todas as expectativas. Foi um discurso enérgico, educado, muito cordial e colocando alguns pontos em que o Brasil tem sido atacado por seus adversários, que precisavam ser esclarecidos”.

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Os recados de Bolsonaro ao mundo 

25/09/2019

 

 

A ÍNTEGRA DA FALA DO PRESIDENTE

Senhor presidente da Assembleia Geral, Tijjani Muhammad-Bande, senhor secretário-geral da ONU, António Guterres, chefes de Estado, de governo e de delegação. Senhoras e Senhores.

Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo. Um Brasil que está sendo reconstruído a partir dos anseios e dos ideais de seu povo.

No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo, diminuindo o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e, em especial, pelo exemplo.

Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições.

Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Um verdadeiro trabalho escravo, acreditem... Respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU!

Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar se submeterão à qualificação médica para exercer sua profissão. Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana 300 milhões de dólares todos os anos.

A História nos mostra que, já nos anos 60, agentes cubanos foram enviados a diversos países para colaborar com a implementação de ditaduras.

Há poucas décadas tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados! Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade.

Na Venezuela, esses agentes do regime cubano, levados por Hugo Chávez, também chegaram e hoje são aproximadamente 60 mil, que controlam e interferem em todas as áreas da sociedade local, principalmente na Inteligência e na Defesa.

A Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo. O socialismo está dando certo na Venezuela! Todos estão pobres e sem liberdade!

O Brasil também sente os impactos da ditadura venezuelana. Dos mais de 4 milhões que fugiram do país, uma parte migrou para o Brasil, fugindo da fome e da violência. Temos feito a nossa parte para ajudá-los, através da Operação Acolhida, realizada pelo Exército Brasileiro e elogiada mundialmente.

Trabalhamos com outros países, entre eles os EUA, para que a democracia seja restabelecida na Venezuela, mas também nos empenhamos duramente para que outros países da América do Sul não experimentem esse nefasto regime.

O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido. Senhoras e Senhores.

Em busca de prosperidade, estamos adotando políticas que nos aproximem de países outros que se desenvolveram e consolidaram suas democracias.

Não pode haver liberdade política sem que haja também liberdade econômica. E vice-versa. O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil.

A economia está reagindo, ao romper os vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada. A abertura, a gestão competente e os ganhos de produtividade são objetivos imediatos do nosso governo.

Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor. Em apenas oito meses, concluímos os dois maiores acordos comerciais da história do país, aqueles firmados entre o Mercosul e a União Europeia e entre o Mercosul e a Área Europeia de Livre Comércio, o EFTA. Pretendemos seguir adiante com vários outros acordos nos próximos meses.

Estamos prontos também para iniciar nosso processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já estamos adiantados, adotando as práticas mundiais mais elevadas em todo os terrenos, desde a regulação financeira até a proteção ambiental.

Senhorita Ysany Kalapalo, agora vamos falar de Amazônia.

Em primeiro lugar, meu governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo.

O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade e riquezas minerais. Nossa Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada. Prova de que somos um dos países que mais protegem o meio ambiente.

Nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência.

Problemas qualquer país os tem. Contudo, os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertaram nosso sentimento patriótico.

É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da Humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo.

Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista.

Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania!

Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir. Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta. Em especial, ao presidente Donald Trump, que bem sintetizou o espirito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós.

Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós. Eles querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós.

Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse.

Existem, no Brasil, 225 povos indígenas, além de referências de 70 tribos vivendo em locais isolados. Cada povo ou tribo com seu cacique, sua cultura, suas tradições, seus costumes e principalmente sua forma de ver o mundo.

A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia.

Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas.

O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da chegada dos portugueses. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros.

E esses territórios são enormes. A reserva Ianomâmi, sozinha, conta com aproximadamente 95 mil km2, o equivalente ao tamanho de Portugal ou da Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área.

Isso demonstra que os que nos atacam não estão preocupados com o ser humano índio, mas sim com as riquezas minerais e a biodiversidade existentes nessas áreas.

A Organização das Nações Unidas teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer pretexto.

Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos. 61% do nosso território é preservado!

Nossa política é de tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os crimes ambientais. Quero reafirmar minha posição de que qualquer iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira.

Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções.

Estamos prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo nosso potencial.

O Brasil reafirma seu compromisso intransigente com os mais altos padrões de direitos humanos, com a defesa da democracia e da liberdade, de expressão, religiosa e de imprensa. É um compromisso que caminha junto com o combate à corrupção e à criminalidade, demandas urgentes da sociedade brasileira.

Seguiremos contribuindo, dentro e fora das Nações Unidas, para a construção de um mundo onde não haja impunidade, esconderijo ou abrigo para criminosos e corruptos.

Em meu governo, o terrorista italiano Cesare Battisti fugiu do Brasil, foi preso na Bolívia e extraditado para a Itália. Outros três terroristas paraguaios e um chileno, que viviam no Brasil como refugiados políticos, também foram devolvidos a seus países.

Terroristas sob o disfarce de perseguidos políticos não mais encontrarão refúgio no Brasil.

Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do Parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto.

Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o dr. Sérgio Moro, nosso atual Ministro da Justiça e Segurança Pública.

Esses presidentes também transferiram boa parte desses recursos para outros países, com a finalidade de promover e implementar projetos semelhantes em toda a região. Essa fonte de recursos secou.

Esses mesmos governantes vinham aqui todos os anos e faziam descompromissados discursos com temas que nunca atenderam aos reais interesses do Brasil nem contribuíram para a estabilidade mundial. Mesmo assim, eram aplaudidos.

Em meu país, tínhamos que fazer algo a respeito dos quase 70 mil homicídios e dos incontáveis crimes violentos que, anualmente, massacravam a população brasileira. A vida é o mais básico dos direitos humanos. Nossos policiais militares eram o alvo preferencial do crime. Só em 2017, cerca de 400 policiais militares foram cruelmente assassinados. Isso está mudando.

Medidas foram tomadas e conseguimos reduzir em mais de 20% o número de homicídios nos seis primeiros meses de meu governo.

As apreensões de cocaína e outras drogas atingiram níveis recorde.

Hoje o Brasil está mais seguro e ainda mais hospitaleiro. Acabamos de estender a isenção de vistos para países como Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá, e estamos estudando adotar medidas similares para China e Índia, dentre outros.

Com mais segurança e com essas facilidades, queremos que todos possam conhecer o Brasil, e em especial, a nossa Amazônia, com toda sua vastidão e beleza natural.

Ela não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia. Cada um de vocês pode comprovar o que estou falando agora. Não deixem de conhecer o Brasil, ele é muito diferente daquele estampado em muitos jornais e televisões!

A perseguição religiosa é um flagelo que devemos combater incansavelmente. Nos últimos anos, testemunhamos, em diferentes regiões, ataques covardes que vitimaram fiéis congregados em igrejas, sinagogas e mesquitas.

O Brasil condena, energicamente, todos esses atos e está pronto a colaborar, com outros países, para a proteção daqueles que se veem oprimidos por causa de sua fé.

Preocupam o povo brasileiro, em particular, a crescente perseguição, a discriminação e a violência contra missionários e minorias religiosas, em diferentes regiões do mundo.

Por isso, apoiamos a criação do 'Dia Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou Crença'.

Nessa data, recordaremos anualmente aqueles que sofrem as consequências nefastas da perseguição religiosa.

É inadmissível que, em pleno Século XXI, com tantos instrumentos, tratados e organismos com a finalidade de resguardar direitos de todo tipo e de toda sorte, ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé.

A devoção do Brasil à causa da paz se comprova pelo sólido histórico de contribuições para as missões da ONU.

Há 70 anos, o Brasil tem dado contribuição efetiva para as operações de manutenção da paz das Nações Unidas.

Apoiamos todos os esforços para que essas missões se tornem mais efetivas e tragam benefícios reais e concretos para os países que as recebem.

Nas circunstâncias mais variadas – no Haiti, no Líbano, na República Democrática do Congo –, os contingentes brasileiros são reconhecidos pela qualidade de seu trabalho e pelo respeito à população, aos direitos humanos e aos princípios que norteiam as operações de manutenção de paz.

Reafirmo nossa disposição de manter contribuição concreta às missões da ONU, inclusive no que diz respeito ao treinamento e à capacitação de tropas, área em que temos reconhecida experiência.

Ao longo deste ano, estabelecemos uma ampla agenda internacional com intuito de resgatar o papel do Brasil no cenário mundial e retomar as relações com importantes parceiros.

Em janeiro, estivemos em Davos, onde apresentamos nosso ambicioso programa de reformas para investidores de todo o mundo.

Em março, visitamos Washington onde lançamos uma parceria abrangente e ousada com o governo dos Estados Unidos em todas as áreas, com destaque para a coordenação política e para a cooperação econômica e militar.

Ainda em março, estivemos no Chile, onde foi lançado o PROSUL, importante iniciativa para garantir que a América do Sul se consolide como um espaço de democracia e de liberdade.

Na sequência, visitamos Israel, onde identificamos inúmeras oportunidades de cooperação em especial na área de tecnologia e segurança. Agradeço a Israel o apoio no combate aos recentes desastres ocorridos em meu país.

Visitamos também um de nossos grandes parceiros no Cone Sul, a Argentina. Com o Presidente Mauricio Macri e nossos sócios do Uruguai e do Paraguai, afastamos do Mercosul a ideologia e conquistamos importantes vitórias comerciais, ao concluir negociações que já se arrastavam por décadas.

Ainda este ano, visitaremos importantes parceiros asiáticos, tanto no Extremo Oriente quanto no Oriente Médio. Essas visitas reforçarão a amizade e o aprofundamento das relações com Japão, China, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar. Pretendemos seguir o mesmo caminho com todo o mundo árabe e a Ásia.

Também estamos ansiosos para visitar nossos parceiros, e amigos, na África, na Oceania e na Europa.

Como os senhores podem ver, o Brasil é um país aberto ao mundo, em busca de parcerias com todos os que tenham interesse de trabalhar pela prosperidade, pela paz e pela liberdade.

Senhoras e Senhores.

O Brasil que represento é um país que está se reerguendo, revigorando parcerias e reconquistando sua confiança política e economicamente. Estamos preparados para assumir as responsabilidades que nos cabem no sistema internacional.

Durante as últimas décadas, nos deixamos seduzir, sem perceber, por sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto.

A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas.

A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família.

Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica.

O politicamente correto passou a dominar o debate público para expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação, pela repetição de clichês e pelas palavras de ordem.

A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu.

E,com esses métodos,essa ideologia sem pre deixou um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou.

Sou prova viva disso. Fui covardemente esfaqueado por um militante de esquerda e só sobrevivi por um milagre de Deus. Mais uma vez agradeço a Deus pela minha vida.

A ONU pode ajudar a derrotar o ambiente materialista e ideológico que compromete alguns princípios básicos da dignidade humana. Essa organização foi criada para promover a paz entre nações soberanas e o progresso social com liberdade, conforme o preâmbulo de sua Carta.

Nas questões do clima, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, e em tantas outras, tudo o que precisamos é isto: contemplar a verdade, seguindo João 8,32: “E conheceis a verdade, e a verdade vos libertarás”. Todos os nossos instrumentos, nacionais e internacionais, devem estar direcionados, em última instância, para esse objetivo.

Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um “interesse global” abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global!

É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer!

Com humildade e confiante no poder libertador da verdade, estejam certos de que poderão contar com este novo Brasil que aqui apresento aos senhores e senhoras. Agradeço a todos pela graça e glória de Deus! Meu muito obrigado.

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Estreia queimou pontes, dizem analistas 

André Duchiade 

25/09/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro apresentou-se na ONU como se apresenta internamente para o núcleo de sua base de apoio e, no momento em que seu governo carrega uma imagem negativa no exterior, depois de uma série de controvérsias internacionais, perdeu a oportunidade de construir pontes, segundo diplomatas e especialistas em relações internacionais ouvidos pelo GLOBO.

Na questão da Amazônia, o mais candente assunto a envolver o país, o presidente fechou-sena defesa da soberania — o que inflama a base, mas não convence atores externos. Nas relações com outros países, explicitou quem são os seus amigos (EUA e Israel, ao menos enquanto forem liderados por Donald Trump e Netanyahu),s em evitar dar nome aos rivais (França e Alemanha, as duas maiores economias da Europa).

Foi coma apos tana radicalização que a campanha de Bolsonaro ganhou corpo e o levou ao Planalto, e é comes ta mesma aposta que ele pretende navegar nas relações globais, dizem os observadores.

—A estratégia foi muito clara: ele redobrou a aposta. Não só não sinalizou mudanças, como insistiu na justeza e propriedade de sua política atual. A estratégia continua ase manter viva e anima a sua base mais estrita, sem construir pontes comores todo eleitor adonem com países que divirjam de si—afirmou o professor de Relações Internacionais da FGV-SP Matias Spektor.

Segundo o pesquisador, a estratégia de“redobrara aposta” pode ter um custo alto em relação à Amazônia. Bolsonaro, afirmou Spektor, não assegurou à comunidade internacional que a floresta será preservada, mas, ao contrário, “repetiu bordões defensivos e soberanistas”. Com isso, desperdiçou uma oportunidade de demonstrar flexibilidade e compromissos concretos.

— O efeito mais dramático do discurso é que a conclusão de boa parte dos países será de que o único jeito de deter a destruição do meio ambiente no Brasil é punindo o país economicamente —afirmou Spektor.

—O discurso foi um desperdício para os interesses do país. Em vez de apresentar plano de ação, ele negou que a situação exista.

Para o embaixador aposentado Marcos Azambuja, “o discurso foi previsível” e “Bolsonaro foi absolutamente ele mesmo, sem que houvesse uma só frase surpreendente”. A ideia norteante, disse o embaixador, foi ad eque“ideológicos são os outros”. Bolsonaro, ele afirmou, arroga para si uma suposta neutralidade ideológica, da qual se vale para mascarar suas posições.

—As referências à França e à Alemanha são gratuitas e desnecessárias. Citar outros países de forma crítica é geralmente um problema. O discurso foi feito para a base dele, nacional e internacional — afirmou Azambuja, que destacou como único ponto positivo certa “convicção, vontade e veemência”.

—A referência ao socialismo também provoca estranhamento. A palavra contém muitas possibilidades, desde uma visão escandinava, que casa a ideia de democracia com a de sensibilidade social, até uma visão autoritária líbia. Do que ele está falando? —acrescentou.

TEMOR E PENA

Comportamento tão ideológico, segundo Monica Hirst, professora de Relações Internacionais da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires, deixa o Brasil com “uma postura quase fanática em seus posicionamentos políticos, sem espaço para diálogo, tolerância com a diferença e espaço para construções plurais”.

A característica mais notável do discurso do presidente, disse ela, foi a sua “virulência”, o que, exceto para um cada vez mais restrito grupo de países aliados — além de Itália e Israel, a Argentina é mais um país onde o governo deve mudar de modo desfavorável a Bolsonaro em breve —, produz entre os líderes globais uma mistura de “preocupação, temor e pena, como definiu [a alta comissária para os Direitos Humanos da ONU] Michelle Bachelet”.

Três eixos transversais, afirmou Hirst, costuraram o discurso do presidente: a religiosidade, a ideologia e ataques à mídia, sendo salpicados esparsamente. Em sua avaliação, o discurso foi uma tentativa de construir “consensos internos” sobre a Amazônia, de modo a impedir que a preocupação internacional desgaste o seu eleitorado.

— Esta não é uma novidade no Brasil, principalmente em períodos autoritários. Denuncia-se uma ameaça externa para construir uma base de apoio interna. Na situação atual, há a identificação de ONGs como ameaça —disse Hirst.

Para o cientista político e pesquisador da Universidade Harvard Hussein Kalout, foi “o discurso mais agressivo jamais proferido por um presidente brasileiro”:

—Claramente acuado, ele resolveu redobrar a aposta atacando o globalismo e a esquerda. Os problemas para ele não são reais, mas todos produtos de manipulações da esquerda via governos globalistas, instituições multilaterais e a mídia.

Foi um desperdício para os interesses do país. Em vez de apresentar plano de ação, ele negou que a situação exista

Matias Spektor, professor da FGV-SP

O discurso deixa o Brasil com uma postura quase fanática em seus posicionamentos, sem espaço para diálogo

Monica Hirst, professora da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires

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Após encontro, Bolsonaro diz que Trump será reeleito 

Jussara Soares 

Daniel Rittner 

25/09/2019

 

 

Depois que a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou a abertura de um inquérito formal de impeachment contra Donald Trump, Jair Bolsonaro disse que seu aliado será“reeleito no ano que vem”. A declaração foi dada quando Bolsonaro deixava o hotel para participar de um coquetel, onde se encontraria com o americano. Ao voltar, pouco mais de uma hora depois, limitou-se a dizer que o encontro foi “excelente”.

Após os discursos que fizeram na Assembleia Geral da ONU, o americano elogiou rapidamente Bolsonaro por seu “bom discurso” ao se encontrarem rapidamente nos corredores. No Twitter, o presidente agradeceu a “consideração” do aliado. Bolsonaro recebeu elogios não apenas de Trump, mas também do exprefeito de Nova York e atual advogado do presidente, Rudy Giuliani, que exaltou até mesmo sua agressividade contra seus adversários.

— Foram três minutos — disse um auxiliar de Bolsonaro sobre o encontro na ONU. — Não deu nem tempo para levantar nenhum assunto. Eles só se cumprimentaram e falaram um pouquinho.

Já o ex-prefeito de NovaYork se encontrou por meia hora com Bolsonaro, uma reunião que acontece em um momento em que Giuliani está envolvido no que pode se tornar mais uma polêmica de grandes proporções para a Casa Branca, elevou a abertura de um inquérito de impeachment contra Trump ontem.

— Se ele não for agressivo, como mudaria as coisas ?— rebateu Giul ia ni, quando questionado sobre o gosto de Bolso narope loenf rentamento .— Se for suave e calmo quando as coisas não estão funcionando, elas vão fracassar ainda mais.

Giuliani, que contou ter visitado o Brasil oito vezes nos últimos 15 anos, vê o país como “abençoado por Deus”, mas só agora capaz de levar confiança suficiente aos investidores estrangeiros. Ele também elogiou as manifestações dos brasileiros contra a corrupção.

— Bolsonaro dá confiança aos investidores. Quando se tem um Chávez ou um Maduro, até mesmo um Lula, nenhum empresário vai querer investir porque sabe que perderá dinheiro. Já quando se tem um líder sensato, com ideias e princípios sensatos sobre o livre mercado, todo mundo vai querer investir — disse o ex-prefeito republicano. (*Do Valor)

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Erros factuais, criticas e ideologia pontuam fala sobre meio ambiente 

Sergio Matsuura 

Flavia Martin

Juliana Vaz 

Gabriel Morais 

25/09/2019

 

 

 Recorte capturado

ESPECIALISTAS CRITICAM ABORDAGEM DO TEMA

Acrise internacional provocada pelo aumento das queimadas na Amazônia fez com que o tema ambiental dominasse boa parte do discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 74 ªAssembleia Geralda ONU.

Frente a chefes de Estado de todo o mundo, Bolsonaro disse ter “um compromissos o lene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável” e criticou ONGs, a “mídia internacional” e “governos estrangeiros” que, segundo ele, travam uma “guerra informacional” sobre a Amazônia. Ambientalistas, indígenas e cientistas consideraram o discurso uma “farsa”.

“Bolsonaro tentou convencer o mundo de que protege a Amazônia, quando, na verdade, promove o desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquece o combate ao crime florestal ”, afirmou em nota o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Marcio Astrini.

O presidente minimizou o aumento das queimadas na Amazônia, afirmando que “nesta época do ano, o clima seco e os ventos” favorecem o avanço dos incêndios florestais. Destacou ainda a ação de “índios e populações locais” que praticam queimadas “como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência”. Para Bolsonaro, a comoção global foi resultado de “ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional”.

— Novamente Bolsonaro diz que desmatamento, queimadas, violência contra os povos indígenas são mentiras criadas pela imprensa, por governos estrangeiros e sociedade civil. Para quem esperava uma busca por diálogo, ele acabou isolando o Brasil —disse Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. —Infelizmente, é um discurso que pode funcionar muito bem com seguidores em mídias sociais, aqueles que querem ouvir um discurso divisionista.

Apesar de falar em favor da proteção ao meio ambiente, o presidente defendeu implicitamente a exploração econômica de Terras Indígenas, dizendo que “o índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”.

—O que o Bolsonaro não menciona é que, nos últimos 20 anos, todas as pesquisas de opinião dizem que cerca de 90% dos brasileiros são contra o desmatamento. Pesquisa recente do Ibope apontou que 96% dos brasileiros são contra desmatar a Amazônia —afirmou o cientista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do país em clima.

Repetindo o discurso da campanha eleitoral, voltou a criticar a extensão das reservas indígenas e frisou,em um dos poucos dados citados, que “o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada, como alguns chefes de Estado gostariam”.

Diversos estudos nacionais e internacionais apontam os povos nativos como protetores das florestas. Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon mostram, por exemplo, que, dos 886 km² de florestas perdidas na Amazônia Legal em agosto, 48% foram registrados em áreas privadas, 23% em assentamentos, 20% em unidades de conservação e apenas 9% em Terras Indígenas.

—Eu discordo do presidente quando ele diz que há excesso de terra, ele cita os yanomami. É um equívoco. Foi através dos povos originários que nós conseguimos manter esse enorme patrimônio biológico e ambiental que o Brasil tem —diz Nobre.

REPERCUSSÃO

Indígenas

Os povos indígenas foram um dos principais temas do discurso de Bolsonaro, que citou nominalmente o cacique Raoni Metuktire, apontado por ele como uma “peça de manobra” usada por governos estrangeiros com interesses na Amazônia. Além de deslegitimar uma liderança reconhecida internamente e no exterior, o presidente apresentou liderança escolhida por ele próprio: Ysani Kalapalo.

No discurso na Assembleia da ONU, Bolsonaro leu carta assinada por um grupo de agricultores indígenas do Brasil, dizendo que “Ysani goza de confiança e prestígio das lideranças indígenas interessadas em desenvolvimento, empoderamento e protagonismo, estando apta a representar as etnias relacionadas”.

—Acabou o monopólio do senhor Raoni —afirmou o presidente.

Para o antropólogo e ex-presidente da Funai (2003-2007) Mércio Gomes, Bolsonaro foi “indelicado” ao jogar “índio contra índio”. Com experiência em políticas indigenistas, Gomes afirma que o governo deveria trabalhar para resolver problemas, não para criar conflitos.

—Ele tem que tomar iniciativas, reformular a Funai, dar mais representatividade aos indígenas, não jogar um contra o outro — criticou o antropólogo.

—É preciso encontrar vocações internas dos povos indígenas,para gerar uma economia com o excedente, não colocar trator dentro das suas terras.

Coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Dinaman Tuxá também criticou a apresentação de Ysani como uma representante legítima em detrimento de Raoni, além de destacar um erro nos números apresentados por Bolsonaro, o que demonstraria seu desinteresse pela questão.

—Quando ele tenta promover uma indígena que não tem representatividade, ele quer dividir para conquistar —afirmou Dinaman.

—No discurso, Bolsonaro falou que somos 225 etnias. Nós somos 305 povos, falantes de 274 línguas, e todos estamos com Raoni.

Amazônia

Durante o discurso, Bolsonaro fez questão de defender a excelência do Brasil na preservação ambiental, destacando que a Amazônia brasileira é “maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada”. Sobre o avanço das queimadas desde que assumiu o governo, voltou a minimizar o problema, culpando o clima seco e os ventos que “favorecem queimadas espontâneas e criminosas”, o que foi criticado por ambientalistas.

—O fogo na Amazônia não é espontâneo. É raríssimo o fogo ter origem numa descarga elétrica, ao contrário do que ocorre no Cerrado. Na Amazônia, 100% desses incêndios são provocados pela espécie humana, e, neste ano, cresceram bastante em relação ao ano passado —afirmou Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo.

—Outra coisa: os ventos são muito fracos na Amazônia, o que é bom, pois não torna o fogo incontrolável. O foco são as áreas derrubadas. Às vezes o fogo se propaga um pouco na beira da floresta, na mata ao lado da área derrubada. Eles querem o máximo de queima para que a área fique limpa para a pecuária.

Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, também criticou a postura do presidente de sustentar a visão de que não há crise pelo aumento das queimadas, apesar de os dados científicos mostrarem o contrário.

—Se a Amazônia não está sendo devastada, o grupo de 10, 12 satélites ao redor do planeta está tirando fotografias de um outro planeta que não é o nosso — ironizou o cientista.

—Foi impressionante insistir que os incêndios na Amazônia estão sendo causados de maneira espontânea. Vários estudos e dados do governo já dizem que estão relacionados ao desmatamento, e Bolsonaro perdeu a oportunidade de reconhecer isso. O próprio Ministro do Meio Ambiente já reconheceu que há avanço do desmatamento.

Soberania

A soberania brasileira sobre suas florestas foi ressaltada diversas vezes por Bolsonaro. Para o presidente, existem tentativas de “instrumentalizar” o debate sobre preservação do meio ambiente, em “prol de interesses políticos e econômicos externos”. Mas essa retórica, segundo especialistas, não está embasada na realidade.

—A ameaça à soberania não tem respaldo na realidade. Há décadas, vem sendo apresentada como um risco iminente, a ponto de autoridades do governo dizerem recentemente que chineses invadiriam o Brasil pelo Norte da Amazônia —afirmou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.

—A Amazônia não está sob ameaça de interesses estrangeiros, ela está indo abaixo por interesses privados, particulares, em detrimento dos interesses da maior parte da sociedade.

Sem citar nominalmente a França, Bolsonaro mencionou um país que “se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”. “Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania! Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir”, continuou o presidente, em referência às declarações do líder francês Emmanuel Macron. O brasileiro também disse que é “uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade”.

—Não me parece que tem um colonialismo internacional. Esse modelo de substituição da floresta por agropecuária é o modelo que nós, e vários países amazônicos copiaram, é um autocolonialismo — afirmou Carlos Nobre.

—Esse modelo do colonialismo português é um modelo que nós, na década de 70, impusemos à Amazônia e do qual não nos livramos. Ele não levou ao desenvolvimento da população em sua grande maioria. Essa população não melhorou da vida. A substituição da floresta pela agropecuária não trouxe benefício para grande parte dos que migraram e seguiram esse modelo.

Ocupação da terra

Retomando seu discurso de campanha, Bolsonaro voltou a criticar a extensão das reservas indígenas no país, citando como exemplo a Terra Indígena Yanomami, que “conta com aproximadamente 95 mil quilômetros quadrados, o equivalente ao tamanho de Portugal ou da Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área”. E, em tom de críticas às restrições legais para a exploração econômica dessas áreas, citou a existência de “ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras”.

—As terras são ricas porque os povos indígenas formam uma frente de proteção —afirmou Dinaman Tuxá.

—Ele citou a mineração, mas esqueceu que boa parte do povo yanomami está contaminada por mercúrio por causa do garimpo na região. O mercúrio contamina a fauna e a flora muito rapidamente, e os índios que dependem desse ecossistema.

Como justificativa para ampliar as regiões para exploração econômica, Bolsonaro afirmou que “o mundo necessita ser alimentado”. Lembrando que 61% do território brasileiro são protegidos, fez uma comparação com França e Alemanha, que “usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura. Já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos”.

—Bolsonaro continua usando dados que distorcem a realidade. Ele fala que o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos, quando cerca de 33% são destinadas à agricultura e à pecuária. Ele fala que a Amazônia está praticamente intacta, mas já perdemos quase 20% da floresta original. Quando ele fala que o mundo precisa ser alimentado, não é o desmatamento que permite isso: 63% das áreas desmatadas viraram pastagens degradada ou de baixíssima produtividade, e 23% se encontram abandonadas, ou seja, o desmatamento não está gerando riqueza —criticou Carlos Rittl.

—Prova disso é que no período em que reduzimos mais o desmatamento, entre 2004 e 2012, nossa economia cresceu, o PIB do agronegócio cresceu também.