O globo, n.31460, 25/09/2019. País, p. 04

 

Congresso barra vetos de Bolsonaro 

Amanda Almeida 

Daniel Gullino

Natália Portinari 

Marco Grillo

Rayanderson Guerra

25/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Parlamentares restauram 18 pontos rejeitados na lei do abuso de autoridade

O Congresso impôs ontem uma derrota ao governo Bolsonaro e deu um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF), derrubando 18 vetos presidenciais à lei do abuso de autoridade. Em uma sessão antecipada em resposta à operação da Polícia Federal (PF) que teve como alvo o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo, na semana passada, os trechos que haviam sido retirados pelo presidente Bolsonaro foram reincorporados ao texto e passam a valer como lei.

Um dos pontos que agora estão na legislação prevê pena de um a quatro anos de detenção para juízes que decretarem uma prisão em “desacordo com as hipóteses legais” — o item foi criticado por magistrados e procuradores por ser abrangente e permitir interpretações que possam inibir investigações.

A sessão do Congresso foi marcada enquanto Bolsonaro estava nos Nova York para a Assembleia Geral da ONU. O clima após a votação foi resumido pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator do projeto na Câmara.

— Foi muito melhor do que eu esperava. Obrigado, Barroso — disse o parlamentar, em referência ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, que determinou o cumprimento dos mandados de busca e apreensão no gabinete e em outros endereços de Bezerra.

Bolsonaro havia vetado 36 pontos de 19 artigos do texto aprovado anteriormente pelo Congresso. Eles foram reagrupados nos 33 vetos analisados ontem pelos parlamentares, que mantiveram apenas 15 deles, ou seja, excluíram da lei. Outro veto derrubado, e que portanto constará da lei em vigor, é a previsão de pena de um a quatro anos aos responsáveis por “persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. O trecho foi criticado por procuradores, para quem o texto gera insegurança jurídica para a abertura de investigações preliminares, como as iniciadas a partir de denúncias anônimas.

CRÍTICA E COMEMORAÇÃO

Líder do PSL no Senado e favorável aos vetos de Bolsonaro, Major Olímpio (SP) afirmou que a operação da PF teve interferência na votação.

— Lamentavelmente, isso pesou. Quem está insatisfeito com a ação contra ele deveria assinar a CPI dos tribunais superiores, e não votar essa lei que dificulta o combate ao crime. Hoje, é dia de festa no mundo do crime — disse Major Olímpio, que defendia a manutenção de todos os vetos.

O líder do PDT, Weverton Rocha (MA), classificou a ação da PF de “invasão”:

— Vamos falar a verdade aqui. A polícia do (ministro Sergio) Moro invadiu o gabinete do Bolsonaro.

A articulação para que a sessão do Congresso fosse antecipada ocorreu no fim de semana, quando Alcolumbre ligou para colegas em busca de consenso sobre a derrubada de parte dos vetos. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que Bolsonaro não foi bem assessorado nas discussões:

— O presidente foi mal orientado ao vetar alguns trechos. Não acredito que ele concorde com prisão sem embasamento legal.

Na tribuna, a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann (PSL-SP), pediu, em vão, que as decisões de Bolsonaro fossem mantidas pelos parlamentares. Segundo ela, o contrário representaria a “fragilização dos órgãos de controle”:

— Haverá um clima de constrangimento e insegurança por parte de delegados, promotores, juízes, pessoas que conduzem operações no combate ao crime organizado, no combate à corrupção. Promoveremos um benefício ao crime organizado.

Uma das principais preocupações de juízes e procuradores, o artigo que prevê punição a quem mandar prender fora das “hipóteses legais” não deve ter grande efeito prático do jeito que foi redigido, na visão do jurista Walter Maierovitch. Ele lembra que a revisão em instância superior de uma decisão não significa que ela foi uma ação criminosa:

—Este ponto da lei trata sobre prisões em descordo com as hipóteses legais e nessas hipóteses estão a prisão temporária, preventiva e em flagrante. Agora, o juiz pode decretar prisão motivada pela convicção dele, existe o princípio da livre convicção do juiz. Ainda que a prisão seja reformada em outra instância, isso não é abuso de autoridade. Abuso será tipificado em situações em que a prisão fuja completamente do que está previsto na letra da lei.

Alcolumbre negou que os parlamentares tenham agido em reação à PF e em defesa de Bezerra. O presidente do Senado disse que a derrubada de parte dos vetos é um “desejo legítimo do Parlamento” e que o resultado não representa uma uma derrota para o governo:

— É o fortalecimento do Congresso —afirmou.

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Jantar selou ida de senadores ao STF contra ação da PF

25/09/2019

 

 

Antes mesmo da votação dos vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e outros líderes partidários da Casa deflagraram ontem uma reação conjunta à operação da Polícia Federal (PF) que, na semana passada, teve o líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDBPE), como alvo de uma ação de busca e apreensão.

A ida dos agentes da PF ao Senado foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barrroso. O senador é acusado de receber mais de R$ 5 milhões em propina quando era ministro da Integração, no governo Dilma Rousseff.

Um relatório preliminar da PF enviado ao STF diz que foram encontrados R$ 55 mil em espécie na casa do filho do senador, em envelopes com R$ 2,5 mil cada, além moeda estrangeira, num total de R$ 120 mil, o que pode indicar lavagem. No gabinete de Bezerra, os agentes acharam uma planilha suspeita de conter a relação doadores ocultos, segundo informou o Jornal Nacional.

Alcolumbre e outros senadores entregaram ao presidente do STF, Dias Toffoli, um recurso contra a decisão.

— A decisão monocrática de um ministro do STF de mandar entrar no gabinete da liderança do governo é fato contra o poder Legislativo e contra o poder Executivo — disse Alcolumbre, após o encontro com Toffoli, que disse que buscará trabalhar pela pacificação entre Poderes.

A decisão de bater à porta do Supremo ao lado de parlamentares de diferentes partidos foi tomada por Alcolumbre na madrugada de ontem, depois de longa reunião na residência oficial com líderes. De PT a DEM, 15 senadores estiveram na Corte.

“DECISÃO TÉCNICA”

Ao entregar pessoalmente o recurso a Toffoli, os senadores quiseram dar alguns recados. Mas, em especial, um alerta: embora se trate do líder de Jair Bolsonaro, a ação desagradou à maioria da Casa, que se viu no alvo de futuras decisões do STF, e reações mais fortes contra a Corte podem ser desencadeadas.

Bezerra esteve na reunião na casa de Alcolumbre. Aos senadores, relatou o que ocorreu quando a PF foi a sua casa e gabinete. Houve consenso de que o Senado precisava reagir institucionalmente. Na sessão do Congresso, Bezerra discursou da tribuna dizendo-se vítima de uma “operação política”.

Barroso não comentou. Na semana passada, defendeu sua decisão dizendo que foi “puramente técnica e republicana, baseada em relevante quantidade de indícios de prática de delitos”. O ministro afirmou que medidas como a que tomou são “padrão em casos de investigação por corrupção e lavagem de dinheiro” e que “fora do padrão seria determiná-la em relação aos investigados secundários e evitá-las em relação aos principais”. (A.A. e N.P.)