Correio braziliense, n.20548, 26/08/2019. Política, p.2

 

Nas entrelinhas - Leonardo Cavalcanti: "O dilema da oposição"

Leonardo Cavalcanti

25/08/2019

 

 

As encrencas do governo Jair Bolsonaro devem ser creditadas ao próprio capitão reformado, sem qualquer ação mais efetiva da oposição, incapaz de resistência no Congresso Nacional ou mesmo nas ruas. Desunida, sem projetos específicos de poder ou nomes representativos para contrapor o Palácio do Planalto, o pessoal da esquerda tem pouco ou nenhum protagonismo nas últimas crises, como nas questões ambientais da Amazônia e na interferência em órgãos de controle e investigação, especificamente na Polícia Federal. Além do mais, há uma incapacidade de avaliar erros cometidos, tanto nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva quanto de Dilma Rousseff, e uma tendência estúpida de demonizar o eleitor de Bolsonaro, que acabou dando ao então candidato do PSL a eleição, quase ganha, como se sabe, ainda no primeiro turno.

Os petistas, por exemplo, nunca irão admitir em público, mas nos bastidores sempre deixaram claro o erro na escolha da candidata a vice na chapa de Fernando Haddad. Manuela D’Ávila, em vez de puxar, tirou votos do então presidenciável petista, explicou-se, com cuidado, a tempo de evitar um apedrejamento. Se nas campanhas de 2002, 2006, 2010 e 2014, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por tabela, o PT, já haviam entendido que precisavam ampliar as chances de votos com o segundo nome na chapa—vide os exemplos de José Alencar e Michel Temer -, em 2018, preferiu apostar na ex-deputada do PCdoB. Se alguém conhecer um eleitor que digitou Haddad na urna por obra e graça de Manuela, prometo um chocolate de presente. Apresente, por favor, esse raríssimo exemplar de eleitor.

Ao contrário, vítima de memes odiosos dos bolsominions—principalmente àqueles mais ligados às igrejas evangélicas -, a então candidata a vice apenas atrapalhou, sem ampliar os limites de Haddad e do PT. A pauta identitária, tão aclamada pela oposição contra o governo Bolsonaro, também é incapaz de ter efeitos práticos para além da própria bolha, sempre quentinha e festeira da resistência. Mais preocupados em dividir, a partir de regras bizarras como “apropriação cultural—movimentos desconectados da real face de uma campanha—,se preocupam com o uso de turbantes por brancos em vez de somar defesas mais amplas da sociedade, como o assassinato de negros por policiais. Dividida em várias pautas, a oposição ao governo federal só não é mais decepcionante por causa das declarações atrapalhadas e falta de estratégia de Bolsonaro.

Sem nomes

Para piorar o quadro, ao contrário das últimas eleições, não há um nome que possa unir os partidos de esquerda desta vez. O centro e a direita, assim, estão mais organizados. A primeira natural candidatura é a do próprio Bolsonaro, que terá de apostar em algum crescimento e em geração de empregos para chegar vivo em 2022. Assim, dois personagens começam a ganhar corpo: o governador João Doria e o apresentador Luciano Huck. No caso do tucano, a estratégia é escancarada com a pressão para saída de Aécio Neves do PSDB, o que Geraldo Alckmin não conseguiu fazer no ano passado e deve se arrepender até hoje, basta ver o desempenho na campanha presidencial. Ainda no berço do bolsonarismo, aparece vacilante o ministro da Justiça, Sérgio Moro, abalado e refém de uma escolha ao se aliar ao presidente eleito.

Vale, por fim, um cuidado mais acurado para o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Um pré-candidato ao Planalto em gestos e discursos, o ex-juiz tenta se mostrar um Bolsonaro mais sofisticado do ponto de vista acadêmico. Se o projeto particular do presidente não emplacar, mas os eleitores ainda se mostrarem simpáticos a discursos policialescos, o político fluminense pode surpreender.