Correio braziliense, n. 20545, 23/08/2019. Mundo, p. 14

 

As opções de Maduro para pôr fim à crise

Rodrigo Craveiro

23/08/2019

 

 

Venezuela » Especialistas admitem que a saída mais plausível para o presidente venezuelano é negociar com os EUA uma anistia após deixar o poder, mas apostam em eleições sem transição de governo. Casa Branca anunciou conversa com autoridades de Caracas

Ante o cenário cada vez mais possível de um bloqueio naval norte-americano à Venezuela e após a intensificação da pressão diplomática por parte do Brasil, integrantes do regime de Nicolás Maduro decidiram se engajar em diálogo direto com os Estados Unidos. Na noite de quarta-feira, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, admitiu que o futuro de Maduro é discutido entre autoridades de Washington e de Caracas à revelia do presidente venezuelano. “Como o presidente  (Donald Trump) declarou repetidamente que, para acabar com o furto dos recursos do povo venezuelano e com a repressão continuada, Maduro deve partir. As únicas questões discutidas por aqueles que estão se aproximando pelas costas de Maduro são sua saída e eleições livres e justas”, acrescentou. Especialistas consultados pelo Correio consideram improvável uma solução negociada que contemple a renúncia de Maduro e acreditam que o Palácio de Miraflores defenderá a convocação de eleições sem uma renúncia do poder.

O historiador e cientista política venezuelano Miguel Tinker-Salas, professor do Pomona College (em Claremont, EUA), duvida que o governo de Maduro participe de negociações cujo objetivo único seja sua saída. “O diálogo reflete a existência de estancamento político, no qual nenhum grupo é capaz de vencer o outro. O mais provável é que a negociação contemple algum processo eleitoral na qual ambos os lados medirão suas forças, primeiro em um pleito legislativo e, depois, presidencial”, afirmou. Segundo ele, enquanto Maduro permanecer no comando do país, a oposição seguirá se fragilizando. “Desde que Juan Guaidó se declarou presidente, a oposição leva oito meses buscando expulsar Maduro de Miraflores. Já são duas décadas de tentativas de derrotar o chavismo”, disse Tinker-Salas. “A única opção para Maduro e para a oposição é a negociação. E a única saída seria um processo que leve a eleições, o qual poderia ser feito por meio de referendo consultivo, de eleições para renovar a Assembleia Nacional ou de eleições presidenciais.”

Para Diego Enrique Arría, ex-governador de Caracas e ex-candidato à Presidência da Venezuela, “uma renúncia negociada de Maduro em uma onde não exista  pressão diplomática é absolutamente inviável”. “Não creio nisso. O que me surpreende é o fato de a negociação incluir eleições com Maduro na presidência”, comentou. “Enquanto não existir qualquer solução que ameace sua estabilidade, a qual somente pode vir de uma ação combinada entre Estados Unidos, Brasil e Colômbia, não há nada que o obrigue a ter opções. Apesar de a oposição contar com 80% a 85% de apoio popular, o regime detém controle das Forças Armadas. Por isso, a crise pode se prolongar por muito tempo.”

Salvo-conduto

Por sua vez, o também venezuelano José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caraca), explicou que Maduro não tem mais do que duas escolhas. “Negociar sua saída do poder com um salvo-conduto e com a promessa dos EUA de que não responderá a acusações, ou uma tentativa destinada ao fracasso de permanecer no poder a todo custo, ignorando os apelos à negociação”, opinou. Carrasquero lembrou que o governo americano tem interesse particular em solucionar a crise o mais breve possível. “A Casa Branca tem dado tempo à diplomacia de outros países para intervirem, mas eles são demasiadamente lentos e ineficazes. É lógico que a diplomacia dos EUA tem pressionado, a fim de obter resultados.”

Ontem, a ministra das Relações Exteriores do Canadá, Chrystia Freeland, anunciou que viajará a Cuba, na próxima semana, para debater a situação da Venezuela e o apoio de Havana ao governo de Maduro. Freeland se reunirá, na próxima quarta-feira, com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez. “Acreditamos que é importante explorar todos os caminhos possíveis para uma resolução da situação (na Venezuela)”, disse.

Eu acho...

“Eu duvido que os Estados Unidos possam negociar uma saída pacífica de Maduro do poder. O diálogo direto de Washington com o regime significa que os americanos não confiam somente em Guaidó. Em plena campanha presidencial, a Venezuela é parte do processo político nos EUA. Ainda que Trump fale em manter todas as suas opções, todas as alternativas têm limites. Um bloqueio exige o reposicionamento de navios que patrulham o Oriente Médio, o Irã ou a Ásia, deixando essas áreas desprotegidas. Uma invasão à Venezuela seria muito dispendiosa, pois os EUA teriam de ajudar na reconstrução do país. A única saída real é manter a negociação.”

Miguel Tinker Salas, historiador e cientista político do Pomona College (em Claremont, EUA)

“Os espaços se fecham cada vez mais para Maduro. Ele perdeu toda a capacidade financeira de responder aos problemas da Venezuela, além de não contar com políticas eficazes para reverter a grave crise venezuelana. A oferta que Maduro deve estar recebendo dos americanos é uma saída do país sob garantias de imunidade. A permanência de Maduro no poder é insustentável. Existe uma grande possibilidade de eleições livres, na medida em que se oferece ao mandatário venezuelano uma saída elegante e que conte com a proteção dos EUA. Os efeitos das sanções sobre a capacidade de gestão de Maduro são enormes, e os problemas que confronta serão mais graves em um futuro próximo.”

José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolivar (USB)