Correio braziliense, n. 20545, 23/08/2019. Política, p. 2/3

 

Amazônia: queimadas viram crise mundial

Maria Eduarda Cardim

Rosana Hessel

23/08/2019

 

 

Meio ambiente » Presidente da França diz que vai levar o problema ao G7, grupo dos países mais ricos do mundo, que se reúnem no fim de semana. Pressionado pela repercussão externa, governo cria gabinete de crise para gerenciar a situação

As queimadas que atingem a Amazônia ganharam repercussão além das fronteiras do país e atingiram status de crise internacional, sobretudo após as críticas do presidente Jair Bolsonaro a entidades ambientalistas. Apesar de dados da Nasa mostrarem que as queimadas nesta época de seca estão na média dos últimos 15 anos, a situação chamou a atenção de líderes mundiais, que alertaram para a necessidade de proteger a floresta, considerada o pulmão do mundo. Devido às proporções que o assunto tomou nas redes sociais, o governo fez uma reunião de emergência no Palácio do Planalto e decidiu montar um gabinete de crise, formado por diversos ministros, para lidar com a situação.

O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que levará a questão dos incêndios na Amazônia ao G7, grupo dos sete países mais ricos do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), que se reúne neste fim de semana, no balneário francês de Biarritz. Macron chamou a Amazônia de “nossa casa” ao tratar do assunto. “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Amazônia, o pulmão que produz 20% do oxigênio do nosso planeta, está em chamas. É uma crise internacional. Membros do G7, vamos discutir essa emergência de primeira ordem em dois dias”, publicou Macron no Twitter. Na postagem, no entanto, o mandatário francês usou uma imagem feita pelo fotojornalista Loren McIntyre, morto em 2003, como se fosse uma foto atual das queimadas.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, disse estar “profundamente preocupado” com os incêndios. “No meio da crise climática global, não podemos permitir mais danos a uma fonte importante de oxigênio e biodiversidade”, disse ele, também no Twitter. “A Amazônia deve ser protegida”, enfatizou.

O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, também usou a rede social para comentar a questão. “As mentiras de Bolsonaro não mudam os fatos. Desmatamentos na Amazônia cresceram 67% desde que ele chegou ao poder”, criticou. O democrata já fez outras críticas a Bolsonaro. No início do ano, ele chamou o presidente brasileiro de “racista, homofóbico e destrutivo” e disse que ele não era bem-vindo à cidade, onde deveria ser homenageado por empresários. Na quarta-feira, o presidente brasileiro chegou a ser comparado a Nero, imperador romano, acusado de colocar fogo em Roma.

Focos

Dentro do país, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal enviou ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ibama e ao ICMBio ofício pedindo informações sobre as ações concretas realizadas pelos órgãos para a prevenção de desmatamentos e incêndios na Amazônia. As informações servirão como subsídio para uma possível atuação do MPF em relação ao aumento no número queimadas na região. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que os incêndios na região cresceram 82% em relação ao ano passado, com mais de 71.497 focos registrados em 1º de janeiro e 18 de agosto deste ano.

O governo contesta os dados do Inpe. Também afirma que o aumento de queimadas na região amazônica é normal nesta época do ano, devido à estação seca, mas que não estaria ocorrendo aumento de grande envergadura em relação a anos anteriores. Um relatório da Nasa divulgado nesta semana, com base em imagens de satélite, afirma que nos meses de julho e agosto, período em que as chuvas diminuem na região, costuma haver aumento de queimadas, devido à ação de fazendeiros que procuram abrir áreas de plantio ou pastagens. Segundo o Observatório da Terra, porém, as ocorrências, neste ano, têm ficado perto da média dos últimos 15 anos.

O Inpe é responsável por um sistema de monitoramento por satélites que alerta para evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, chamado de Deter. O sistema foi desenvolvido para dar suporte à fiscalização e controle de desmatamento. Apesar do trabalho do Inpe, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou no Diário Oficial da União, na última quarta-feira, edital de chamamento público de empresas especializadas no fornecimento de imagens de satélites de alta resolução para a criação de alertas diários de desmatamentos. A abertura das propostas será feita em 2 de setembro.

A medida havia sido anunciada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, após críticas do presidente Jair Bolsonaro ao então presidente do Inpe, Ricardo Galvão, que acabou demitido. Para a professora do departamento de Ecologia na Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante, não há sentido em se contratar uma nova empresa para fazer monitoramento. “Com o enorme ajuste fiscal, inclusive com sacrifício do sistema de pesquisa e ciência do Brasil, qual o sentido do país contratar uma empresa se o Inpe já fazia esse monitoramento com reconhecimento internacional?”, questionou.

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Bolsonaro vê ação colonialista

Ingrid Soares

23/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro utilizou as redes sociais, ontem à noite, para criticar a iniciativa do presidente da França, Emmanuel Macron, de levar ao G7, grupo dos sete países mais ricos do mundo, o problema das queimadas na Amazônia. Por meio do Twitter, Bolsonaro afirmou que “a sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21”.

Mais cedo, em transmissão ao vivo pela internet, o presidente disse lamentar que Macron “busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos para ganhos políticos pessoais. O tom sensacionalista com que se refere à Amazônia, apelando até para fotos falsas, não contribui em nada para a solução do problema”.

Bolsonaro reconheceu que o desmatamento na região aumentou, mas argumentou que incêndios florestais ocorrem também em outras partes do mundo, como na Califórnia, nos Estados Unidos. Para o presidente, “existe interesse de dizer que não somos responsáveis, para que, mais cedo ou mais tarde, alguém decrete uma intervenção na região amazônica”.

Pela manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro já havia comentado a questão ambiental. Ele negou que as políticas do governo sejam responsáveis pelas queimadas, e acusou a imprensa de prejudicar os interesses do país, ao apresentá-lo como um “Capitão Nero” da Amazônia.

“Não estou defendendo as queimadas, porque sempre houve e sempre haverá, infelizmente. Agora, me acusar como Capitão Nero tocando fogo lá é uma irresponsabilidade, é fazer campanha contra o Brasil”, disse o presidente, referindo-se ao imperador Nero, a quem algumas tradições atribuem o grande incêndio de Roma, no século 1º.

Psicose ambiental

Ao falar com os jornalistas, Bolsonaro voltou a criticar a “psicose ambiental” que, segundo ele, obstrui o desenvolvimento do país. “Essa psicose ambiental não deixa fazer nada. Eu não quero acabar com o meio ambiente. Eu quero é salvar o Brasil”, disse, defendendo a mudança de orientação em relação às últimas décadas. “Se era para fazer a mesma coisa que fizeram até agora, o povo tinha que ter votado em outra pessoa, o povo está com a gente, minha base é o povo”, enfatizou.

Na véspera, o presidente tinha levantado suspeitas de que organizações não governamentais (Ongs) que recebem ajuda externa poderiam ter causado incêndios voluntariamente. Ontem, ficou indignado com publicações que teriam dito que eram acusações formais. “Nunca acusei as Ongs”, afirmou. “Eu disse que suspeitava delas”.

Na live do início da noite, Bolsonaro disponibilizou o Twitter do general Heleno “@gen_heleno” para que denúncias possam ser feitas por meio do canal, monitorado por equipes da Abin. “Se tiver suspeita ou a certeza de pessoas que estejam tacando fogo de forma criminosa, denuncie e bote aqui no twitter do Heleno”, disse.

Frase

"A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21”

Jair Bolsonaro, presidente da República

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Onyx: querem barrar comércio

23/08/2019

 

 

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que países europeus usam o discurso ambientalista como forma de estabelecer barreiras à produção brasileira. “Nós não podemos ser ingênuos. Os europeus usam a questão do meio ambiente por duas razões: a primeira, para confrontar os princípios capitalistas. Porque, desde que caiu o Muro de Berlim e fracassou a União Soviética, uma das vertentes para as quais a esquerda europeia migrou foi a questão do meio ambiente. E a outra coisa, para estabelecer barreiras ao crescimento e ao comércio brasileiro de bens e serviços”, disse, após participar de evento organizado pelo grupo Voto.

O ministro afirmou, segundo a Agência Brasil, que essa estratégia já foi usada no passado, e que as informações sobre a floresta usadas pelos países estrangeiros são exageradas. “Desmata, sim, mas não no nível e no índice que é dito. Além do que, nós vamos esquecer que durante os anos 1980, 1990 e 2000 a febre aftosa foi usada como mecanismo de proteção para o mundo para evitar exportações de carne e grãos brasileiros?”, questionou.

“O Brasil cuida e muito bem do seu meio ambiente”, enfatizou. De acordo com Lorenzoni, os órgãos competentes têm se esforçado para conter o desmatamento. “A Polícia Federal, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), todos estão cumprindo com o seu papel. Não há país no mundo que tenha a cobertura vegetal e florestal que o Brasil tem”, afirmou.

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Impeachment de ministro no STF

Maria Eduarda Cardim

Luiz Calcagno

23/08/2019

 

 

A repercussão das queimadas na Amazônia incentivou um movimento contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A Rede Sustentabilidade protocolou ontem um pedido de impeachment do ministro no Supremo Tribunal Federal (STF). No documento, parlamentares do partido acusam Salles de crime de responsabilidade e o acusam de ter cometido atos incompatíveis com a função “ao perseguir agentes públicos”.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), presidente da Comissão do Meio Ambiente do Senado e idealizador do pedido, explicou que a medida não surgiu repentinamente. “Temos de entender que essa medida extrema não surgiu da noite para o dia. Só eu, como senador, já ajuizei oito ações em desfavor do Ministério do Meio Ambiente. Seja ação popular, seja mandado de segurança. Está havendo um verdadeiro desmonte na área ambiental”, disse Contarato.

De acordo com o senador, o pedido de impeachment de um ministro de Estado é inédito no STF. “O Supremo está sendo convocado, e os olhos da população, das organizações, da academia, dos cientistas, estarão voltados para a decisão da Corte”, afirmou. Além de Contarato, o pedido foi assinado por outros membros da Rede como o senador Randolfe Rodrigues (AP), líder da oposição e do partido no Senado, e a deputada Joenia Wapichana (RR).

Os parlamentares, também por meio do partido, ingressaram ainda com uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) contra o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles na questão da preservação do meio ambiente. “O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alertou sobre o aumento de 278% de desmatamento da Amazônia. E nada foi feito. A reação foi demitir o diretor. Precisávamos tomar uma posição no sentido de fazer com que (o desmatamento) cessasse”, disse Joenia Wapichana.

Randolfe, por sua vez, afirmou que o argumento do governo de que o aumento das queimadas se deve ao período de seca não justifica o que ele classificou de “tragédia” na Amazônia. “De fato, a partir de agosto, começa a estiagem amazônica. Temos um período em que chove, até junho, e um sem chuva, de julho a dezembro. É verdade que esse período é da estiagem. Mas também é verdade que os governos sempre se prepararam para esse período. Sempre tiveram política de prevenção. O que fez o atual governo, o atual ministro, no mês de maio? Cortou 50% dos recursos do Previfogo, um dos programas de prevenção às queimadas na Amazônia, R$ 5,3 milhões”, criticou.

O pedido foi endossado por internautas nas redes sociais, onde a #ForaSalles ficou entre os assuntos mais falados no Twitter. O Correio entrou em contato com o Ministério do Meio ambiente, mas a pasta não respondeu até o fechamento desta edição.

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Câmara deve propor soluções

23/08/2019

 

 

Em meio ao tom inflamado dos discursos de parlamentares, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou a criação de uma comissão externa para acompanhar as queimadas que atingem a Amazônia. Maia também informou que uma comissão geral será realizada nos próximos dias para propor soluções ao governo. Ele ressaltou, que além de ser importante manter as exportações do agronegócio “fortes”, é preciso “preservar o nosso meio ambiente”.

Assim como nas redes sociais, as queimadas foram pauta das falas dos deputados no plenário. Sidney Leite (PSD-AM) pediu uma política de investimento na Amazônia. “Não somos a favor do desmatamento ilegal, mas não haverá desenvolvimento sustentável sem desenvolvimento econômico”, disse.

Maia afirmou que o Legislativo mostrará compromisso com a preservação ambiental e disse que as providências que serão adotadas poderão incluir a visita de parlamentares à Europa. “Não estamos procurando culpados, mas querendo encontrar soluções. O ambiente internacional do Brasil em relação a esse tema está piorando e pode gerar problemas futuros, inclusive para nossas exportações”, disse. (MEC)