O Estado de São Paulo, n. 46132, 06/02/2020. Política, p. A8

 

Câmara reintegra acusado de corrupção

Camila Turtelli

Vinícius Valfré

06/02/2020

 

 

Wilson Santiago havia sido afastado pelo STF em dezembro; ele é suspeito de participar de esquema de pagamento de propina na Paraíba

O plenário da Câmara derrubou ontem uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e cancelou o afastamento do deputado Wilson Santiago (PTB-PB) ao analisar o primeiro caso de denúncia de corrupção da atual legislatura. Foram 233 votos contrários ao afastamento, 170 favoráveis e 7 abstenções. Para que Santiago continuasse impedido de exercer o mandato eram necessários pelo menos 257 votos. O deputado foi afastado em dezembro do ano passado por uma liminar do ministro Celso de Mello, decano do STF.

Denunciado por corrupção pela Procuradoria-Geral da República, o parlamentar é alvo da Operação Pés de Barro, acusado de distribuir R$ 1,2 milhão em propinas em obras superfaturadas de uma adutora, na Paraíba.

Nos bastidores, deputados diziam que isso poderia abrir um precedente perigoso e enfraquecer o Congresso. O argumento dos parlamentares para manter o mandato de Santiago foi o de que Celso de Mello não deu a ele o direito à ampla defesa. Na prática, porém, o que mais pesou foi o corporativismo, apesar da renovação do Congresso, ocorrida nas eleições de 2018.

A maioria acompanhou o relatório do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que recomendou a abertura de processo no Conselho de Ética da Câmara para que a situação de Santiago seja avaliada. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), construiu um acordo para que a Mesa Diretora prepare uma representação pedindo o envio do processo referente a Santiago ao Conselho de Ética.

Esta não foi a primeira vez que o Congresso enfrentou o Supremo. Em 2017, por exemplo, o Senado derrubou decisão da Corte, que determinara o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG), também investigado por recebimento de propina. Ex-senador, o hoje deputado Aécio votou pelo não afastamento de Santiago.

Considerados integrantes da “nova política”, os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tábata Amaral (PDT-SP) votaram pela manutenção do afastamento, assim como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro. Já o também novato João Campos (PSB-PE) acompanhou o relator.

Anteontem, a ProcuradoriaGeral da República enviou ao Supremo documentos encontrados na investigação, como um cheque no valor de R$ 3 milhões assinado por Santiago.

O deputado foi relator da minirreforma dos partidos no ano passado e tem bom trânsito entre partidos do Centrão – bloco formado por DEM, PL, PTB, Republicanos e Solidariedade. Agora, ele poderá agora voltar a exercer seu mandato normalmente, apesar da investigação.

Articulação. O Centrão teve de negociar por dois dias para encontrar um relator disposto a contrariar uma decisão tomada por um ministro do Supremo e enfrentar a opinião pública em tempos de linchamento virtual nas redes sociais. O primeiro nome a ser indicado foi o deputado Fábio Trad (PSDMS), relator da comissão especial da segunda instância. Ele chegou a ser nomeado pela Mesa Diretora da Câmara, mas, depois, foi retirado do posto. Trad disse não ter encontrado subsídios para refutar a decisão do decano do STF.

“Defender as prerrogativas dos parlamentares é defender a democracia”, disse Ramos ao recomendar a abertura do processo no Conselho de Ética.

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Ministros criticam lista tríplice e mandato fixo no Supremo

Rafael Moraes Moura

06/02/2020

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

 

Proposta anunciada como prioridade pelo Congresso altera o processo de escolha de integrantes da Corte

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS), que pretende mudar o processo de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sofre resistência na Corte. Ontem, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello criticaram publicamente a possibilidade de alteração no modelo das indicações.

Um dos pontos mais polêmicos é a formação de uma lista tríplice, com a participação do próprio STF, para definir os nomes submetidos ao crivo do presidente da República. Ministros avaliaram que isso poderia abrir caminho para o corporativismo na própria magistratura.

“O nosso Supremo foi criado à imagem do Supremo americano. E eu penso que temos um sistema de freios e contrapesos, porque o presidente da República indica e o Senado sabatina. Quer dizer, já temos aí uma mesclagem em termos de participação – e tem dado certo”, disse Marco Aurélio ao Estado. Para ele, fazer alterações é uma opção política dos congressistas, mas é necessário observar os possíveis efeitos das mudanças. “Gerará, claro, uma disputa e candidatos vão se digladiar.”

Alexandre de Moraes disse ver risco de corporativismo. “Nós temos de evitar o corporativismo. O que garante liberdade do Supremo é a diversidade de escolha. Cada presidente escolheu, o Senado teve de aprovar. A hora que você começa a prever listas pode ser que não ocorra o que é mais importante na renovação de uma Suprema Corte, que é novos pensamentos surgirem nessa alternância”, afirmou.

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, também disse ver problemas na criação da lista. “A dificuldade é como fazer essa lista. Questiona-se muito as listas que são feitas pela OAB (para vagas no Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais). Um grave problema que temos hoje é o viés corporativo.”

Nesta semana, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), definiu como uma das dez prioridades do Congresso em 2020 votar a proposta que muda a forma de escolha de ministros do STF e limita a dez anos seus mandatos, que hoje são vitalícios.

Moraes também se manifestou contrário à fixação de mandatos para ministros. “Essa é outra questão importante. Nenhuma corte jurisdicional, que decide casos concretos, tem mandato. Mandato é para cortes constitucionais. Para cortes jurisdicionais, que condenam pessoas, a vitaliciedade é muito importante”, afirmou.

Comissão. O texto de Lasier Martins obriga o presidente da República a indicar integrantes da Corte respeitando uma lista tríplice. Uma comissão formada por sete instituições, entre elas o próprio Supremo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), prepararia a lista.

Apoiadores de Jair Bolsonaro veem na medida uma tentativa de esvaziar as atribuições do presidente e dificultar uma eventual indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, à Corte.