O Estado de São Paulo, n. 46105, 10/01/2020. Política, p. A6

 

Aras quer restrições a juiz de garantias

Luiz Vassallo

Pedro Prata

Fausto Macedo

10/01/2020

 

 

PGR recomenda que medida do pacote anticrime não seja aplicada a processos de homicídio e a casos relacionados à Lei Maria da Penha

O procurador-geral da República, Augusto Aras, recomendou ontem ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma série de restrições para a adoção do juiz de garantias, prevista no pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro. O memorando da Procuradoria-Geral da República (PGR) sugere que a medida não seja aplicada a processos de homicídios nem a casos relacionados à Lei Maria da Penha. O texto também recomenda que haja juízes de garantias especializados em áreas como lavagem de dinheiro e questiona se o novo dispositivo legal valerá para a Justiça Eleitoral.

O texto aprovado por Bolsonaro cria a figura de um juiz responsável, exclusivamente, para acompanhar a fase de investigação dos processos. O juiz de garantias seria responsável por autorizar ou negar medidas como mandados de busca e apreensão, prisões preventivas e quebras de sigilo telefônico ou bancário. A partir do momento que a denúncia é aceita, o processo passa a ser comandado por outro magistrado, que ficará a cargo de ouvir as partes, analisar as provas e dar a sentença.

O memorando apresentado ontem por Aras foi feito por procuradores que atuam nas áreas criminal, de combate à corrupção e de meio ambiente e patrimônio cultural. Eles fizeram uma análise comparativa dos códigos penais de Brasil, Argentina e Chile para destacar oito pontos que necessitam de regulamentação e eventuais regras de transição. Os dois países vizinhos têm figuras semelhantes em seu conjunto de leis.

Com relação à Justiça Eleitoral, o texto da PGR lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março de 2019, que devem ficar nessa instância casos relacionados às eleições, como caixa 2 e lavagem de dinheiro. Aras pede um esclarecimento sobre como funcionaria o juiz de garantias neste caso e se é necessária a edição de uma lei específica. A Justiça Eleitoral não tem estrutura própria e é formada por magistrados de outras varas.

Em outro ponto, a PGR afirma que a medida deveria valer somente para inquéritos policiais novos, o que evitaria contestações. A deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), autora da proposta no Congresso, também defende que processos em andamento não sejam modificados pela decisão. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, concorda com o argumento de Margarete.

Aras também demonstra preocupação, no documento, com a divisão de casos para magistrados que assumiram a nova função. “Considerando o volume de cautelares e outros processos e requerimentos que ficarão com a competência dos juízes de garantias, que o número dos mesmos seja calculado de forma proporcional ao número de feito e às varas, que serão responsáveis por instrução e julgamento de ações penais.”

Debate. A criação do juiz de garantias causou reação na magistratura. Duas das principais entidades da classe se insurgiram contra a figura e recorreram ao Supremo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Além desses grupos, os partidos políticos Podemos, Cidadania e PSL também questionaram o dispositivo na Corte. Críticos da medida argumentam que ela pode aumentar os custos do Judiciário – pois seria necessário contratar mais juízes – e atrapalhar investigações em andamento, principalmente contra corrupção.

Defensores do juiz de garantias, entre eles ao menos seis ministros do Supremo, negam que esses problemas possam acontecer e alegam que a figura dá mais imparcialidade aos processos judiciais. A criação do posto acabaria com o argumento usado por alguns advogados de que juízes são parciais por acompanharem toda a fase de investigação e se “contaminarem” com os pontos da acusação.

Grupo de trabalho. O memorando de Aras foi encaminhado ao CNJ porque o colegiado montou um grupo de trabalho para debater a implementação do juiz de garantias. A PGR também recomenda, no texto, que os tribunais estabeleçam um cronograma de implantação de juiz de garantias que priorize varas que já dispõem de informatização em todos os processos e inquéritos”. 

Equipe

Octávio Paulo Neto, coordenador do Gaeco do MP da Paraíba e responsável pela Operação Calvário, que mira o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), foi nomeado membro-colaborador do gabinete de Augusto Aras.

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Ex-senador é detido no Pará por caixa 2 na campanha de Helder

Pepita Ortega

Fausto Macedo

10/01/2020

 

 

Luiz Otávio Campos é suspeito de intermediar repasse de R$ 1,5 mi; operação tem como base delação da Odebrecht

A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Fora do Caixa, um desdobramento da Lava Jato para apurar suposto pagamento por meio de caixa 2 de R$ 1,5 milhão para a campanha do atual governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), para o Executivo estadual, em 2014 – ele ficou em segundo lugar na disputa. O ex-senador Luiz Otávio Campos (MDB) foi preso em Belém, sob suspeita de ter intermediado os pagamentos. No fim da tarde, após audiência de custódia, Campos foi solto.

A PF chegou a pedir ações em endereços ligados a Helder Barbalho, mas a Justiça negou.

Os agentes também cumpriram mandado de prisão em Palmas (TO) contra Álvaro Cesar Silva da Rin, apontado como outro intermediário do pagamento das supostas propinas. A ação realizou ainda buscas e apreensão em seis endereços – três em Belém, um em Palmas e dois em Brasília. As ordens foram expedidas pela 1.ª Vara da Justiça Eleitoral em Belém. O delegado Bruno Benassuly afirmou que cinco pessoas foram alvo das buscas.

Odebrecht. Segundo a PF, a investigação teve início a partir da colaboração premiada de ex-executivos da Odebrecht que relataram o pagamento de R$ 1,5 milhão para o então candidato ao governo do Pará em três entregas, de R$ 500 mil cada.

Os pagamentos, de acordo com os delatores, foram realizados entre setembro e outubro de 2014 e intermediados pelo ex-senador Luiz Otávio Campos, citado pelos colaboradores da empreiteira. A PF informou que há indícios de que pelo menos um dos pagamentos foi realizado em endereço ligado a parentes do ex-parlamentar.

O caso era apurado no Supremo Tribunal Federal, mas foi enviado para a primeira instância por causa do entendimento da Corte sobre a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar crimes comuns em conexão com crimes eleitorais.

A Fora do Caixa apura crimes de falsidade ideológica eleitoral, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O nome é referência ao recebimento de recursos eleitorais não contabilizados.

Em nota, o governo do Estado afirmou que Helder Barbalho não foi alvo da operação. No Twitter, o governador disse que a campanha dele ao governo do Pará, em 2014, “foi feita dentro da legislação vigente à época” e que as doações da Odebrecht “foram integralmente declaradas”. A defesa de Luiz Otávio Campos não foi localizada até a conclusão desta edição.

‘Aprovadas’

“As doações da Odebrecht foram integralmente declaradas ao TRE e minhas contas aprovadas pela Justiça Eleitoral.”

Helder Barbalho (MDB)

GOVERNADOR DO PARÁ

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Sargento da FAB preso com 39 kg de cocaína vira réu

Luiz Vassallo

Pedro Prata

Fausto Macedo

10/01/2020

 

 

Manoel Rodrigues foi flagrado com drogas na Espanha em 2019, quando dava suporte a viagem de Bolsonaro

O juiz federal da Justiça Militar Frederico Magno de Melo Veras, da 11.ª Circunscrição Judiciária Militar, em Brasília, recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar e tornou réu o segundo-sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Manoel Silva Rodrigues, preso com 39 kg de cocaína na Espanha. Ele é acusado de tráfico internacional de drogas.

Rodrigues foi detido por autoridades espanholas em junho do ano passado, quando integrava um grupo de militares que dava suporte à viagem de Jair Bolsonaro ao Japão, onde o presidente participaria do G-20. Bolsonaro não estava no mesmo avião que Rodrigues. Segundo cálculos periciais, a cocaína que o sargento transportava valia cerca de R$ 6,4 milhões.

Para a Justiça Militar de Brasília, apesar de o tráfico internacional de drogas não estar previsto no Código Penal Militar, o caso se enquadra na hipótese de crime de natureza militar por extensão, já que se trata de um militar em atividade que supostamente atentou contra a ordem administrativa militar. Testemunhas apontadas pelo Ministério Público Militar devem ser ouvidas em maio.

Rodrigues também responde a ação penal na Espanha, onde a Promotoria pediu que a pena seja de 8 anos de prisão, além de multa de US$ 4 milhões.

A droga não estava apenas na bagagem despachada do sargento, mas também em sua maleta de mão e em um porta-terno. De acordo com as investigações da Aeronáutica, o sargento teria agido sozinho, mas sua mulher teria conhecimento de atos ilícitos praticados por ele. A residência do casal foi alvo de buscas e apreensão.

Depoimento. Ao ser preso em Sevilha com a droga, Rodrigues declarou à Justiça espanhola que não sabia que sua bagagem continha cocaína. Na ocasião, embora desse suporte à comitiva presidencial, o sargento estava em um avião reserva – a aeronave estava sob responsabilidade da Força Aérea e não da Presidência da República. Após o episódio, a Aeronáutica reformulou procedimentos de vigilância nos embarques de bagagens e passageiros nas aeronaves.

O Estado apurou que, na noite anterior ao embarque, Rodrigues esteve na Base Aérea de Brasília, de onde partiria o avião da FAB para Sevilha e onde deixou seu carro. No dia seguinte, o sargento chegou ao local do embarque com três horas de antecedência, antes dos demais passageiros e tripulantes, e colocou sua bagagem no porão, sem passá-la por detector de metais ou qualquer tipo de vigilância.

A checagem de bagagens e dos passageiros em aviões do Grupo de Transportes Especiais (GTE), órgão ao qual o segundo-sargento estava ligado, é aleatória e, neste dia, não foi realizada. A colegas, Rodrigues disse que viajaria apenas com uma bagagem de mão.

Rodrigues fez ao menos 30 viagens nacionais e internacionais em aviões da Força Aérea nos últimos cinco anos. Em algumas delas, ele integrava a equipe que servia, diretamente ou em apoio, aos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer.