Correio braziliense, n. 20539, 17/08/2019. Cidades, p. 19

 

Aposentadorias sob ameaça

Alexandre de Paula

17/08/2019

 

 

Executivo / Decisão do Tribunal de Contas da União inviabiliza os pagamentos dos servidores da saúde e da educação com recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Impacto nas contas será drástico caso o governo não consiga reverter o bloqueio no STF

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que proíbe o uso de recursos do Fundo Constitucional do DF para o pagamento de servidores da saúde e da educação acendeu alerta máximo para o risco de problemas na área econômica. Caso não consiga reverter a situação, o governo estima danos críticos às contas e prejuízos imediatos para a execução de investimentos e dos próprios pagamentos dos benefícios ao funcionalismo. O baque também dificulta a possibilidade de reajustes para as categorias de servidores.

Ontem, o governador Ibaneis Rocha (MDB) afirmou que o vencimento das aposentadorias e pensões está em risco. O emedebista disse que foi surpreendido com a decisão do TCU e admitiu que não há plano B para resolver a questão, caso o Supremo Tribunal Federal, a quem o GDF recorrerá, não reverta a suspensão. “Temos deficit da ordem de R$ 700 milhões, não tem de onde tirar esses recursos”, justificou, em entrevista à Rádio CBN. Ibaneis pediu compreensão e convocou a sociedade para se unir contra a decisão. “Peço a união de todos os sindicatos e da população do DF para que a gente consiga reverter isso. Fui pego de surpresa. Realmente, será uma crise institucional muito grande.”

Um estudo preliminar da Secretaria de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão destaca que, caso a decisão seja mantida, os efeitos serão “nefastos”. O documento mostra que, em 2017 e 2018, foram usados, respectivamente, R$ 2,1 bilhões e R$ 2,2 bilhões do Fundo Constitucional para o pagamento de aposentadorias de servidores da saúde e da educação.

Como impacto direto do impedimento imposto pelo TCU, o GDF não conseguiria cumprir, segundo a pasta, os mínimos constitucionais de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e em ações e serviços públicos de saúde, uma vez que os custos com pensões e aposentadorias teriam de ser bancados com recursos do cofre do DF. “Isso porque as despesas realizadas com inativos e pensionistas não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em MDE e em ações e serviços públicos de saúde, independentemente de os recursos serem do FCDF ou próprios do DF”, destaca o texto. “As despesas com servidores ativos, quando são custeadas com recursos do FCDF, também não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em MDE e em ações e serviços públicos de saúde.”

Os estudos da Fazenda mostram que, se houvesse a suspensão do TCU em 2017 e 2018, o governo não teria sido capaz de cumprir o mínimo constitucional à época. O deficit, para as duas áreas, seria de R$ 940 milhões, em 2017, e de R$ 1,1 bilhão, em 2018. “Isso impactaria, sobremaneira, um ente federativo que, como os demais entes federativos brasileiros, apresentam indisponibilidade financeira que dificulta honrar seus diversos compromissos. A título de comprovação da incapacidade do Distrito Federal em suportar o incremento nos gastos para cumprimento dos mínimos constitucionais, citamos a atual classificação ‘C’, de capacidade de pagamento do Distrito Federal, junto à Secretaria do Tesouro Nacional e a disponibilidade deficitária de caixa”, diz o documento.

A pasta também alerta para o risco de que os limites máximos de gastos com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal sejam ultrapassados com o impacto da decisão, o que implicaria sanções (veja O que diz a lei). Em 2017, segundo os cálculos da área econômica do governo, o custo teria chegado a 50,61% do orçamento e, em 2018, a 48,86% se a imposição do TCU estivesse em vigor. O limite prudencial estabelecido pela legislação é de 46,55%, e o máximo, de 49%.

Impacto

Na decisão de quarta-feira, o TCU entendeu que os pagamentos das pensões e aposentadorias da saúde e da educação com recursos do Fundo Constitucional são desvios de finalidade e irregulares. A Corte definiu que o GDF tem 15 dias para se pronunciar sobre os gastos, mas deve cumprir a medida e parar os recebimentos em até 30 dias.

Além disso, em seis meses, o Fundo Constitucional deve apresentar à Corte um plano de ação com vistas a sanear a situação. Segundo levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), citada no acórdão, o GDF usou R$ 2,6 bilhões, no exercício de 2013, com o custeio das aposentadorias e pensões da saúde e da educação. Essa é a segunda vez no ano que as contas do DF são ameaçadas por uma decisão do TCU. Em março, a Corte determinou que o GDF parasse de recolher o Imposto de Renda de salários pagos com o Fundo Constitucional. O impacto seria de R$ 680 milhões anuais, além de dívida acumulada de R$ 10 bilhões (leia Memória).

Críticas

Ao comentar o assunto na quinta-feira, Ibaneis criticou o TCU: “Eles (ministros do TCU) têm de tomar vergonha na cara e parar de atrapalhar. Gastam bilhões por mês e não servem para merda nenhuma”. O chefe do Palácio do Buriti acrescentou que os ministros do TCU, moradores da cidade, devem ter respeito com a população do DF, que precisa de recursos para segurança, saúde e educação. “A maioria deles mora em imóvel que ganhou da União, não teve coragem de comprar um apartamento. Se não gostam daqui, que se mudem. Vamos recorrer no Supremo, porque essa decisão precisa ser revertida”, explicou o governador.

Em nota oficial, o TCU lamentou a situação e recebeu com surpresa a forma, o tom e o teor das declarações do governador. O texto destaca que o respeito mútuo sempre fez parte das relações entre o GDF e o órgão. “O Tribunal trata com seriedade, transparência e observância à legislação todos os processos que julga. Exerce com zelo o papel de guardião dos recursos públicos, que lhe é atribuído pela Constituição Federal, e tem convicção de que cumpre seu dever.”

Memória

Rombo de R$ 10 bilhões

Em março, a Corte de Contas determinou que o GDF parasse de recolher o Imposto de Renda incidente sobre os salários e proventos de funcionários da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros. As remunerações desses profissionais são pagas com recursos do Fundo Constitucional do DF, abastecido pelo Tesouro Nacional. A decisão implicaria baixa anual na arrecadação de R$ 680 milhões. À época, o TCU imputou ao DF uma dívida de R$ 10 bilhões, referentes ao passivo acumulado desde 2003, ano de criação do FCDF. Para reverter o cenário, o Executivo local recorreu ao STF. Relator da matéria, o ministro Marco Aurélio de Mello suspendeu de forma liminar o acórdão. O plenário da Corte Suprema não deliberou de forma definitiva sobre o assunto.

Exonerada filha de ministro do TCU

Em meio à crise do GDF com o Tribunal de Contas da União (TCU), a secretária executiva de Governança e Compliance, Cristiane Nardes, foi exonerada do cargo. Ela é filha do ministro do TCU Augusto Nardes. A saída dela foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal de ontem.

O que diz a lei

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece que, se as despesas com pessoal ultrapassarem os limites máximos fixados, os percentuais excedentes deverão ser eliminados nos dois quadrimestres subsequentes. Caso a redução não seja alcançada, será necessário diminuir despesas com cargos e funções comissionadas e exonerar servidores não estáveis. Se as duas providências foram insuficientes, o corte pode chegar a servidores estáveis. Ao mesmo tempo, não pode, entre outras sanções, receber transferências voluntárias da União e contratar operações de crédito.