Valor econômico, v.20, n.4825, 29/08/2019. Brasil, p. A10

 

Bolsonaro terá reunião sobre Amazônia com chefes da região 

Fabio Murakawa 

Renan Truffi 

29/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem um encontro de cúpula dos países amazônicos para discutir uma politica comum de preservação do ambiente e formas de "exploração sustentável" da região. O encontro, segundo ele, deve ocorrer na cidade colombiana de Leticia, em 6 de setembro.

Bolsonaro fez o anúncio ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, no Palácio da Alvorada. O chileno aproveitou o retorno da França, onde participou como convidado da reunião do G-7, para tomar um café da manhã com o presidente brasileiro na residência oficial.

Piñera ofereceu a Bolsonaro envio de quatro aviões para combater incêndios florestais na Amazônia. Bolsonaro aceitou a oferta e voltou a criticar condições impostas pelos países do G-7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) para o envio de uma ajuda de US$ 20 milhões.

O presidente, que recusou a ajuda, disse que "o Brasil não tem preço". Por trás da recusa, estão condições impostas pelo clube de países ricos, como o diálogo com ONGs, para que o dinheiro fosse liberado.

"Sem dúvida os países querem colaborar, respeitando a soberania do Brasil", disse Piñera, que fez uma escala em Brasília no retorno do G-7. "Atualmente, há incêndios na Amazônia, e em outros anos houve incêndios muito maiores. E o presidente Bolsonaro nos explicou o que o Brasil está fazendo", afirmou o mandatário chileno.

Segundo Piñera, "a Amazônia do Brasil é brasileira, mas é certo que muitos países querem colaborar". "Cada país saberá qual colaboração quer receber e qual não quer receber", afirmou.

Bolsonaro voltou a criticar o presidente da França, Emmanuel Macron, por causa do que entendeu como "ofensas a um "presidente da República eleito democraticamente". Ele disse lamentar "a péssima imagem que foi potencializada pelo senhor Macron, inverídica, sobre a nossa Amazônia".

"Essa inverdade do Macron ganhou força porque ele é de esquerda e eu sou de centro-direita também. Deixo bem claro isso aí para vocês", afirmou Bolsonaro a repórteres no Alvorada.

Confrontado pelos jornalistas sobre o fato de Macron ser considerado de centro-direita pela imprensa de seu país, Bolsonaro, que é rotulado como extrema-direita na Europa, insistiu.

"[Macron é centro-direita] para você, para mim, não. Os jornais franceses, não... A gente sabe que é de esquerda até por esse seu comportamento", afirmou.

O "Diário Oficial" da União deve trazer hoje o decreto firmado pelo presidente proibindo as queimadas por 60 dias em todo o território nacional.

O texto do decreto estava sendo finalizado ontem por técnicos da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão ligado à Secretaria-Geral da Presidência.

Segundo um rascunho do texto, ao qual o Valor teve acesso, a suspensão do uso do fogo "não é aplicável para o controle fitossanitário quando autorizado pelo órgão ambiental competente, para práticas de prevenção e combate a incêndios e para práticas de agricultura de subsistência executadas pelas populações tradicionais e indígenas".

O governo classifica a medida, sugerida pelo ministro Ricardo Salles ao presidente Jair Bolsonaro, como "excepcional e temporária, com o objetivo de proteção ao meio ambiente".

Ontem, em novo parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) reajustou sua proposta e manifestou-se pela destinação inicial de R$ 1 bilhão do fundo da Petrobras para conter o desmatamento na Amazônia. O montante sugerido anteriormente havia sido de R$ 500 milhões, é quase metade do que havia sugerido a Procuradoria-Geral da República (PGR): R$ 1,2 bilhão.

O ajuste foi feito depois que o ministro do STF Alexandre de Moraes reuniu diversas autoridades em uma audiência na manhã de ontem, para discutir o tema.

Segundo a nova proposta, o dinheiro do fundo da Petrobras será dividido da seguinte maneira: R$ 1 bilhão para ações na área de educação infantil, R$ 250 milhões destinados ao programa Criança Feliz, outros R$ 250 milhões para atividades de empreendedorismo, inovação e ciência, e R$ 1 bilhão para prevenir e combater os incêndios florestais na Amazônia.

O montante destinado à floresta, observa o advogado-geral da União, André Mendonça, será executado em parte diretamente pela União e, em parte, de forma descentralizada, pelos Estados da região amazônica, em articulação com os ministérios responsáveis, considerando a competência comum na preservação do ambiente.

Moraes é relator de uma ação proposta pela PGR contra a criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões a ser administrado por procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba. (Colaborou Luísa Martins)

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Focos de incêndio 'diminuíram bastante', diz Defesa 

Renan Truffi 

29/08/2019

 

 

Após cinco dias de operação, o Ministério da Defesa informou "diminuíram bastante" os focos de incêndio na Amazônia Legal, região que foi atingida por queimadas desde o início do mês. A constatação teria sido feita com base em mapas que registram manchas de calor na região, mas, até agora, o órgão diz que não é possível apresentar números que quantifiquem essa redução.

A operação na Amazônia foi denominada Verde Brasil e teve início no último dia 24, sábado, quando o presidente Jair Bolsonaro editou decreto que autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia até o dia 24 de setembro. De acordo com o decreto, o objetivo da operação é "cumprir ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais", além de fazer o "levantamento e combate a focos de incêndio".

A entrevista coletiva foi conduzida pelo subchefe de operações do Estado Maior conjunto das Forças Armadas, almirante Ralph Dias, e contou com a presença de profissionais da Polícia Federal, do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Juntos, eles disseram que ainda não é possível dar contornos numéricos a esses esforços.

"A avaliação da operação é positiva. Com os parâmetros do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia [Censipam] que nós temos, a gente viu que os focos de incêndio reduziram bastante. Sexta-feira [amanhã], com certeza, eu vou conseguir uma fotografia bem melhor [da operação]", disse o almirante.

O Ministério da Defesa apresentou um mapa de autoria do Censipam, que mostra uma redução nas manchas vermelhas, correspondentes a focos de incêndios, entre os dias 25 e 27 de agosto como "prova".

"Os dados, como focos de calor e dados locais, ainda são muito variáveis dia a dia. A gente vai passar dados mais seguros ao longo de um período maior", justificou Gabriel Zacharias, do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), ligado ao Ibama.

Ao final da entrevista, diante da insistência dos órgãos de imprensa, os integrantes da operação apresentaram dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apontam para uma variação aleatória do número de incêndios nos dois Estados que têm requerido mais esforços: Pará e Rondônia.

No caso de Rondônia, por exemplo, o número de focos de incêndio era de 665 no dia 14 deste mês, antes do início da GLO, mas caiu para apenas 25 pontos nos últimos dois dias.

Isso não significa, no entanto, que esses focos de queimadas tenham diminuído. De acordo com informações do Ibama, alguns desses pontos podem reaparecer nos satélites porque estavam encobertos por nuvens ou abaixo de florestas.

O mesmo vale para o Pará. De acordo com os dados do Inpe, o pico de focos de incêndio foi registrado no dia 13 deste mês e, nos últimos dois dias, baixou para 636 pontos.

Ainda assim, é comum que esses números tenham variação positiva dependendo do ponto de registro do satélite.

Segundo o Ministério da Defesa, chegou a quase 4 mil o número de militares e brigadistas deslocados para a operação de combate ao fogo nas áreas da floresta amazônica.

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Comércio internacional de jacarandá tem novas regras 

Assis Moreira 

29/08/2019

 

 

Uma conferência internacional em Genebra, encerrada ontem, aprovou proposta do Brasil de facilitar o controle sem "brechas excessivas"' no comércio internacional dos produtos de jacarandá, uma das madeiras nobres.

O encontro dos países-membros da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites) coincidiu com a indignação mundial provocada pelas queimadas na Amazônia.

O jacarandá é usado na Europa principalmente na confecção de instrumentos musicais e móveis finos. A madeira já está incluída no Anexo II da Cites, que lista animais e plantas cujas licenças para importação e exportação estão sujeitas a um controle maior.

Em Genebra, uma negociação foi sobre a implementação da chamada "anotação 15", que regula o controle. O Brasil defendia evitar criação de exceções ao comércio internacional da madeira que pudessem ser usadas como brechas para o comércio ilegal.

O resultado, conforme negociadores, foi um texto de consenso. A principal implicação prática foi a facilitação do comércio e trânsito internacional de instrumentos musicais e suas peças e acessórios, que era um pedido do setor privado. Assim, os instrumentos musicais, peças e acessórios poderão ser transportados através das fronteiras sem a necessidade de licenças da Cites.

A entidade vai fazer um estudo sobre os impactos do novo texto para a sustentabilidade do jacarandá.

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Encarar floresta como barreira econômica é miopia, diz Pedro Diniz 

Anai's Fernandes 

29/08/2019

 

 

Encarar a biodiversidade e as florestas como ativos que não têm valor e engessam o desenvolvimento do Brasil é "uma grande miopia", diz o empresário Pedro Paulo Diniz. O ex-piloto de Fórmula 1 é sócio-fundador da Fazenda da Toca, uma das principais marcas nacionais de produtos orgânicos, e da Rizoma, criada para impulsionar a agricultura regenerativa.

Diniz, o filho do empresário Abilio Diniz mais publicamente engajado com questões ambientais e sociais, afirma ser possível ampliar significativamente a área de cultivo de grãos do país, por exemplo, "sem derrubar uma árvore a mais". Isso porque, segundo ele, há cerca de 35 milhões de hectares já desmatados no Brasil, mas em terras que são de baixa produtividade.

O debate a respeito da relação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental se intensificou recentemente, conforme a escalada no quadro de queimadas na Amazônia ganhou contornos de crise diplomática entre o governo brasileiro e o de países como a França.

"É uma grande miopia pensar na nossa grande riqueza de biodiversidade como um problema. A riqueza das nossas florestas tem muito valor, o Brasil ser um celeiro de diversidade do mundo tem valor", afirma Diniz. "Os países desenvolvidos veem isso, estão interessados em preservar e dispostos a ajudar o Brasil a dar valor para a floresta, mas, infelizmente, o país não está enxergando", completa.

O presidente Jair Bolsonaro resiste a aceitar os US$ 20 milhões oferecidos pelo G-7 (grupo de grandes economias globais) para ajudar no combate aos incêndios florestais. Ao mesmo tempo, o mandatário brasileiro anunciou ontem um encontro de cúpula dos países amazônicos para discutir políticas comuns de preservação do ambiente e uma forma de exploração sustentável da região.

Para combater o desmatamento e o garimpo ilegais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem defendido a "monetização" da Amazônia, abrindo áreas para desenvolvimento comercial. O ministro costuma dizer que é preciso "dar uma resposta" a populações que vivem na área e que, segundo ele, recorrem a práticas proibidas de exploração da floresta por não terem outras fontes de recursos.

Querer mudar a legislação ambiental com o intuito de dar mais dinamismo à economia da região, no entanto, é um equívoco, avalia Diniz. Ele afirma que a lei ambiental brasileira é excelente e está entre as melhores do mundo, mas, "infelizmente, o que acontece na prática é que nem sempre ela é respeitada".

Para ele, o desmatamento ocorre porque áreas com mata são pouco valorizadas. "As pessoas desmatam para transformar em produtiva, e eventualmente revender, uma terra que é muito barata. É quase um jogo de mercado imobiliário", diz.

Diniz concordo que oferecer saídas econômicas para as populações que vivem na Amazônia é importante até para garantir a preservação da floresta. Mas, segundo ele, isso passa por instrumentos geradores de renda da floresta em pé, como o pagamento pelo carbono sequestrado em área preservada ou o incentivo à agricultura de coleta de frutos. "Isso requer trabalho de capacitação dessas famílias", acrescenta.

O ganho de produtividade também depende de estratégias para transformar áreas já degradadas em produtivas. Para isso, Diniz defende o uso de técnicas regenerativas, como sistemas agroflorestais, em modelos que contribuem para o sequestro de carbono e a fixação de água no solo, além do retorno financeiro do plantio em si. "A partir do que modelamos na Rizoma, dependendo da cultura, é possível dobrar a rentabilidade por hectare", afirma o empresário.

Segundo ele, porém, ainda faltam incentivos capazes de atrair o setor privado para essas iniciativas, como linhas de financiamento. "Voltar a fazer uma terra ficar produtiva é complexo e caro", diz. Mas o retorno financeiro pode vir não apenas da futura produção, como também da própria valorização da terra. "Nossos modelos apontam que o preço de uma terra improdutiva pode passar de R$ 5.000 por hectare para R$ 25 mil ao se tornar produtiva", afirma Diniz.

O empresário pondera que encarar todo o agronegócio como "o grande vilão" do desmatamento, por sua vez, é outra "miopia". "O agronegócio que está desmatando está atuando na ilegalidade. O grande agro brasileiro, que gera receita, é empreendedor, sofisticado, é legal e funciona bem. O que estamos propondo é um passo além, de uma agricultura que trabalhe com a regeneração do solo, captura de carbono, mas sem tirar o mérito da agricultura brasileira."