Correio braziliense, n. 20563, 14/08/2019. Política, p. 4

 

CNMP usa hackers contra Dallagnol

Renato Souza

14/08/2019

 

 

Poder » A pedido da OAB, conselho desarquiva reclamação contra procurador, baseada em mensagens roubadas por cibercriminosos. Órgão nega recurso para anular o processo disciplinar

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, ontem, desarquivar uma reclamação contra o coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que havia sido rejeitada pelo corregedor Orlando Rochadel Moreira. A solicitação foi feita pelos conselheiros Leonardo Accioly da Silva e Erick Venâncio Lima do Nascimento, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no colegiado.

Na ação, Dallagnol é acusado de violar a lei durante a atuação na força-tarefa. A denúncia se baseia em supostas mensagens trocadas entre o procurador e o então juiz Sérgio Moro, que foram roubadas por cibercriminosos e divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

No decorrer da sessão, os conselheiros também negaram o arquivamento do processo administrativo disciplinar (PAD) contra Dallagnol. A ação foi aberta em abril, após representação feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, numa reação a uma entrevista dada pelo procurador à Rádio CBN. Nela, o coordenador da Lava-Jato afirmou que alguns ministros da Corte “mandam uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Ele apresentou recurso pedindo o arquivamento, mas não foi atendido. Caso a medida administrativa resulte em punição, Dallagnol pode ser afastado do cargo, sofrer censura ou até mesmo ser obrigado a se aposentar compulsoriamente.

Já a reclamação disciplinar aberta a pedido do senador Renan Calheiros (MDB-AL), alvo de 13 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), foi retirado de pauta, a pedido do relator. O emedebista alega que o procurador faz acusações falsas contra ele desde 2017, ainda no período pré-eleitoral, “em nítida tentativa de influenciar o resultado do pleito”. O parlamentar pede o afastamento de Dallagnol.

Dever constitucional

Na abertura da sessão, a procuradora-geral da República e presidente do CNMP, Raquel Dodge, fez um forte discurso institucional. “O apoio da PGR é expressão concreta que alia pensamento e ação, intenção e gesto. O combate à corrupção é um dever constitucional”, frisou. Ela ressaltou, no entanto, que as ações do MP exigem respeito às normas legais. “A PGR apoia a atuação institucional de todos os seus membros para o cumprimento da missão, mas, igualmente, exige que o desempenho da atuação institucional se dê inteiramente dentro dos marcos da legalidade.”

A PGR também defendeu as minorias e o meio ambiente. Destacou a importância da demarcação de terras indígenas e lembrou que a corrupção causa danos à sociedade e à natureza. “O livre exercício do Ministério Público está expressamente assegurado na Constituição. O Brasil quer e precisa de um Ministério Público com coragem para enfrentar a corrupção, esse vício humano que corrói recursos públicos, maltrata o devido processo legal, é capaz de destruir projetos de vida e interferir na realização do direito à saúde, à moradia, entre tantos outros”, destacou. “Que é capaz de degradar o meio ambiente, impedir que terras indígenas sejam demarcadas e estimular destruição de seus bens, suas culturas e suas vidas.”

Dodge pode estar em seus últimos dias no cargo. O mandato dela à frente do Ministério Público termina em 18 de setembro. Cabe ao presidente Jair Bolsonaro a decisão sobre mantê-la ou não no comando do órgão.

Na contramão do presidente

As declarações de Dodge vão de encontro ao que disse o presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira. Ele afirmou que o próximo PGR “não pode atrapalhar a agenda de desenvolvimento do país” e deve saber “tratar as minorias como minorias”. “Quero um PGR que não apenas combata a corrupção, que entenda a situação do homem do campo, não fique com essa ojeriza ambiental, que não atrapalhe as obras que estão dificultando licenças ambientais (...), que entenda que as leis têm de ser feitas para a maioria, e não para as minorias”.

Saiba mais

Fiscalização

Criado em 30 de dezembro de 2004, o Conselho Nacional do Ministério Público tem como atribuição disciplinar a conduta e punir ações dos procuradores que violam as regras do trabalho da categoria. É composto por 14 membros, representando setores diversos da sociedade.