O globo, n.31405, 01/08/2019. Mundo, p. 21

 

Ajuda ao aliado 

Gustavo Maia 

Janaína Figueiredo 

01/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro já admite cancelara ata diplomática assinada pelo Brasil e o Para guaiem maio, que deflagrou um agrave crise política no país vizinho elevou a uma ameaça de impeachment do presidente Mario Abdo Benítez. No acordo, o governo paraguaio concordou em pagar mais pela energia da hidrelétrica binacional de Itaipu.

O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse que o presidente tem sido atualizado sobre o assunto pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo diretor-geral de Itaipu no Brasil, o general Joaquim Silva e Luna. Segundo Rêgo Barros, o Brasil está aberto à discussão dos termos do acordo. Rêgo Barros usou a expressão “denúncia”, que em linguagem diplomática significa “rescisão”.

— O presidente Bolsonaro me comentou há pouco a sua intenção de estar aberto a essa discussão, inclusive uma eventual denúncia do acordo, de se colocar em posição de dialogar profundamente para que (...) nós tenhamos a possibilidade de ajudar aquele país amigo sem, contudo, prejudicarmos a nossa sociedade —declarou Rêgo Barros.

IMPEACHMENT É ARTICULADO

Mais cedo, Bolsonaro já manifestara apoio a Abdo Benítez, ao ser questionado sobre a possibilidade de impeachment do aliado por causa da revelação dos termos da ata diplomática. No Paraguai, ficou a impressão de que o documento negociado em Brasília, já rejeitado pelo Senado do país, foi um acordo secreto prejudicial aos interesses nacionais. Ontem, a oposição anunciou ter decidido iniciar o processo de impeachment no Congresso.

— Você sabe como é que funciona, lá (no Paraguai ) é muito rápido o impeachment. Ontem (anteontem), eu conversei com o [general Joaquim] Silva e Luna, o presidente da parte brasileira de Itaipu. Estamos resolvendo esse assunto. Pode deixar que com toda a certeza o Marito vai ser reconhecido pelo bom trabalho que está fazendo no Paraguai — declarou à tarde

“Você sabe como é que funciona, lá (no Paraguai) é muito rápido o impeachment (...). Estamos resolvendo esse assunto. Pode deixar que com toda a certeza o Marito vai ser reconhecido pelo bom trabalho que está fazendo _ no Paraguai” Jair Bolsonaro, mencionando providências para ajudar o presidente do Paraguai

Bolsonaro a jornalistas, no Palácio do Planalto, referind ose ao colega do país vizinho pelo apelido. —E estamos dispostos a fazer justiça nesta questão de Itaipu Binacional, que lá é importantíssima para o Paraguai e muito importante para nós também.

O acerto, considerado por autoridades e parlamentares paraguaios prejudicial ao país, foi divulgado ao público na semana passada. Ele decorre de pressões brasileiras para que o Paraguai passe a pagar mais pela energia que usa de Itaipu, responsável por 90% do abastecimento do país vizinho. Um dos pontos mais questionados pelos paraguaios se refere à redução do uso da chamada “energia excedente” de Itaipu. Desde 2007, o país tem preferência para receber essa energia, mais barata.

Para evitar o impeachment, Abdo Benítez, que não tem maioria no Congresso, demitiu as quatro autoridades que assinaram a ata de maio, incluindo o chanceler Luis Castiglioni e o embaixador no Brasil, Hugo Saguier. Antonio Rivas, que era vice-chanceler, assumiu ontem no lugar de Castiglioni e estará à frente da comitiva que se reunirá com autoridades em Brasília amanhã. Segundo Rivas, o Paraguai pediu o encontro na tentativa de resolver o impasse. O novo chanceler quer deixar sem efeito a ata de maio e encarregar técnicos da distribuidora paraguaia Ande e da Eletrobras de um novo acordo.

Acrise, no entanto, se ampliou ontem no Paraguai, atingindo também o vice-presidente Hugo Velázquez,que foi alvo de acusações e pediu uma sessão extraordinária no Congresso par adar explicações. Líderes da oposição, como o liberal Efrain Alegre, já articulamo julgamento político do presidente e agora também do vice. A oposição apresentará hoje uma denúncia penal contra envolvidos no caso.

A razão do agravamento da crise foram declarações do advogado José Rodríguez González, que disse ter atuado como assessor do vice-presidente nas negociações com o Brasil. Ele disse à imprensa local que, por orientação de Velázquez, pediu a retirada de um dos pontos que seriam incluídos na ata firmada em maio, em Brasília, para supostamente garantir o sucesso de uma operação envolvendo o grupo brasileiro Leros, que passaria a comprar energia da Ande.

Este ponto da ata — que supostamente mencionaria um acordo de 2009, nunca regulamentado, pelo qual o Paraguai poderia vender parte de sua energia de Itaipu no mercado livre (direto ao consumidor) brasileiro, o que hoje é vetado — teria sido tirado para não atrair concorrentes.

No Congresso, o vice-presidente paraguaio negou que Rodríguez fosse seu assessor jurídico, e disse que pediu que Pedro Ferreira, então presidente da Ande, recebesse o advogado na qualidade de representante de um grupo de empresas brasileiras interessadas em comprar energia paraguaia. Velázquez afirmou que essas conversas não tiveram nada a ver com a ata assinada pelos dois governos em maio.

DIVERGÊNCIAS SOBRE VENDA

O vice informou ainda que o processo de venda de energia de Itaipu a empresas privadas começou em junho, quando foram convocadas companhias “nacionais e internacionais” interessadas.

Há divergências entre brasileiros e paraguaios — e entre os próprios paraguaios — sobre a possibilidade dessa venda no mercado livre. Alguns defendem que o acordo selado pelos presidentes Fernando Lugo e Luiz Inácio Lula da Silva em 2009 permitiria a venda pelo Paraguai. Já fontes paraguaias de Itaipu disseram que a legislação brasileira exige que, antes de o Paraguai poder vender livremente a energia que não consome, todas as dívidas da hidrelétrica sejam saldadas.