Valor econômico, v.20, n.4760, 29/05/2019. Política, p. A10

 

Governo anuncia pacto com Legislativo e Judiciário por agenda 

Marcelo Ribeiro 

Carla Araújo 

29/05/2019

 

 

Dois dias após as manifestações de rua a favor do presidente Jair Bolsonaro e com críticas ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do STF, Dias Toffoli, foram ao Palácio da Alvorada, atendendo a um convite do chefe do Executivo. Bolsonaro quer estabelecer um "pacto de cooperação" com os outros Poderes, para aprovar uma pauta de interesse mútuo no Congresso.

Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, um documento com esse teor deve ser assinado na semana de 10 de junho. Participaram também do café da manhã os ministros Paulo Guedes (Economia) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República).

"Vamos continuar dialogando com os Poderes para a construção do texto que será então assinado nesse dia e apresentado a sociedade", disse Onyx.

Segundo Onyx, "estão todos preocupados e todos querem construir um caminho onde o Brasil, como a gente sempre diz, possa passar o portal do equilíbrio fiscal e aí ir para o caminho da prosperidade que é o que todos nós desejamos", completou.

O texto prevê o compromisso dos três Poderes com a análise das reformas da Previdência e tributária; a revisão do pacto federativo; o aprimoramento de uma política nacional de segurança pública; e a desburocratização da administração pública. "Nós já temos um texto-base, apresentado hoje [ontem]. Ele vai ser discutido e vai ser costurado pela equipe da Casa Civil. Esse texto vem sendo trabalhando. O texto inicial é do ministro Toffoli. Nós construímos uma síntese conversando com os presidentes da Câmara, do Senado e com o presidente da República", explicou o ministro da Casa Civil, acrescentando que ficou acertado que os chefes dos Poderes se encontrarão periodicamente.

Onyx desconversou ao ser questionado se o encontro de ontem ocorreu para acalmar os ânimos dos chefes dos Poderes que foram atacados no protesto de domingo. "O encontro de hoje é um esforço permanente que o presidente Bolsonaro tem feito desde que assumiu o poder. A gente sempre dizia isso: vai ser o governo do diálogo, diálogo e diálogo".

Após participar da reunião, o ministro Paulo Guedes afirmou que as manifestações a favor do governo realizadas no domingo confirmam que a população quer mudanças e rechaçou que acirrem o antagonismo entre os Poderes. Estamos confiantes de que o Congresso vai aprovar a reforma [da Previdência]. Eu acho que as manifestações confirmam a ideia de que o povo quer mudanças", disse Guedes.

O ministro classificou a reunião de excelente e negou que as manifestações pudessem acirrar as divergências entre o congresso e o governo: "Ao contrário, foi um café da manhã excelente, um ambiente ótimo. Não há esse antagonismo, estamos buscando melhorar o país. Foi um clima excelente."

Mesmo com o aceno de Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e lideranças partidárias seguem desconfiados, em função dos sinais trocados dados pelo presidente em suas declarações. Bolsonaro tem intercalado ataques ao Congresso e acenos aos parlamentares. Tem recuado após ser alertado por auxiliares de que a postura pode dificultar a tramitação de propostas importantes para o Planalto. Ainda que o pacto já tenha data para sair, parlamentares reconhecem que só o colocarão em prática caso o presidente adote um comportamento "mais equilibrado" e abandone o "morde assopra" que vem marcando sua interlocução com os outros Poderes.

No STF, o movimento de Toffoli foi recebido com algum grau de cautela por colegas. "Harmonia administrativa é possível. Jurisdicional é imprópria", comentou o ministro Marco Aurélio Mello, ao ser perguntado se o Judiciário não poderia se comprometer ao estabelecer um pacto com outros Poderes. O ministro disse não saber se o pacto anunciado ontem está circunscrito à esfera administrativa.

À noite, em cerimônia de lançamento da Frente Parlamentar Mista da Marinha Mercante, no Clube Naval de Brasília, o presidente deu mais munição aos que desconfiam de seu aceno pelo pacto. Em sua fala, Bolsonaro destacou que disse a Rodrigo Maia, no café da manhã, que ele tem mais poder do que o presidente da Câmara, já que pode editar decretos.

"Eu disse para Maia: 'com a caneta eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de você, na verdade fazer as leis, eu tenho o poder de fazer decreto'. Logicamente decretos com fundamento", disse o presidente. "Falei para ele do caso da Baia de Angra [...], que nós podemos ser protagonistas e fazer com que a Baia de Angra seja uma nova Cancun", completou.

Ao lado do presidente do STF, Dias Toffoli, Bolsonaro disse que para "tirar esse sonho do papel" é preciso apenas de "uma caneta bic" para revogar um decreto do ex-presidente José Sarney, que em 1988, demarcou a estação de Tamoios em 1988. Bolsonaro disse ainda que consultou Toffoli e espera uma decisão para saber se ele pode - como presidente - revogar ou não um decreto. "Se eu posso revogar uma lei porque não posso revogar decreto. A sorte está lançada", declarou.

O presidente disse ainda que o país está cheio de decretos, portarias e instruções normativas que são "perfeitamente descartáveis" e afirmou que ele tem o compromisso de tentar resolver essa situação e que o governo não quer mais atrapalhar para problemas legislativos. "O governo federal não vai atrapalhar e vai colaborar com a simplificação, com essa legislação que é um emaranhado que poucos entendem", disse. (Colaborou André Guilherme Vieira, de São Paulo, com agências noticiosas)