O globo, n.31410, 06/08/2019. País, p. 04

 

Contra as 'baratas'

Bruno Góes 

Gustavo Maia

Jussara Soares 

06/08/2019

 

 

Proteção. Bolsonaro, com colete à prova de bala marcando a roupa, na inauguração da primeira etapa de usina solar flutuante em Sobradinho (BA): ele quer novo projeto de excludente de ilicitude “Os caras (bandidos) vão morrer na rua igual barata, pô. E tem que ser assim” Presidente Jair Bolsonaro, ao defender “retaguarda jurídica” para que policiais possam utilizar armas de fogo em operações sem serem processados

No momento em que o Congresso retoma os trabalhos após o recesso, o presidente Jair Bolsonaro manifestou a intenção de apresentar um novo projeto de lei para dar “retaguarda jurídica” a policiais em operações. Com dificuldades para aprovar a proposta de “excludente de ilicitude”, que consta do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, Bolsonaro pretende insistir no assunto e abrir uma nova frente. O plano foi revelado em entrevista ao canal do YouTube da jornalista Leda Nagle, divulgada ontem. Tanto na Câmara como no Senado há resistência à proposta de isentar policias de punições por homicídios.

Questionado sobre o que fazer para resolver a violência, Bolsonaro disse que os índices cairão “assustadoramente” se houver excludente de ilicitude na proteção da vida, da propriedade e do patrimônio:

—Os caras (bandidos) vão morrer na rua igual barata, pô. E tem que ser assim.

O Palácio do Planalto está elaborando um texto segundo o qual integrantes das Forças Armadas que atuarem em operações da Garantia de Lei e Ordem (GLO) também terão direito ao excludente de ilicitude.

Na Câmara, o relator do pacote de Moro, Capitão Augusto (PL-SP), reconhece que esse ponto será derrotado quando for colocado em votação. O excludente livraria de punição o agente de segurança que mate alguém “em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado”.

— Eles vão derrubar porque nós somos minoria. Vou tentar levar (direto) para o plenário. No grupo (de trabalho) está mais ou menos 12 a 8 (contra). Nós vamos perder —diz Capitão Augusto.

Na entrevista, Bolsonaro disse ainda que não se acaba com a violência facilmente, mas destacou que a presença dele e de Moro, “dando exemplo”, já diminuiu estes índices “em torno de 24%”. De acordo com o “Monitor da Violência” criado pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal, o número de mortes violentas caiu 24% no Brasil no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2018.

—Como cai mais? Está desequilibrado, o bandido tem mais direito do que o cidadão de bem. Eu estou mandando um projeto, que vai ter dificuldade de ser aprovado, mas não tem outra alternativa —disse.

No fim da tarde de ontem, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse que Bolsonaro acredita que o excludente de ilicitude será determinante para diminuir os índices de violência no país.

—Para o presidente, a violência cairá assustadoramente se houver a chamada excludente de ilicitude na proteção da vida, da propriedade e do patrimônio — disse o porta-voz.

DERROTAS

A oposição e deputados de partidos de centro já conseguiram derrotar o governo em duas oportunidades na tramitação do pacote de Moro: ao fatiar a votação do projeto e ao retirar a prisão em segunda instância da proposta. Um dos representantes da oposição no grupo de trabalho, Marcelo Freixo (PSOL-RJ) diz que há consenso contrário à intenção de Bolsonaro:

— Talvez o maior consenso no grupo de trabalho seja a rejeição ao excludente de ilicitude. E é um consenso também que existe na sociedade. É a sociedade que se coloca contra o extermínio. O Bolsonaro pode mandar quantos projetos quiser, mas isso não muda.

Em outra frente, liderando o esforço para a aprovação do pacote anticrime no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA) diz que é preciso ter cautela:

—É muito preocupante essa iniciativa. Do jeito que estava no pacote anticrime inicial, já era preocupante. Temos que ter o cuidado para que não se crie um precedente, uma licença para matar.

Levantamento feito pelo GLOBO em junho mostrou que há maioria no grupo de trabalho da Câmara para retirar do texto a “imunidade” a policiais.

“Os caras (bandidos) vão morrer na rua igual. barata, pô. E tem que ser assim”

Presidente Jair Bolsonaro, ao defender “retaguarda jurídica" para que policiais possam utilizar armas de fogo em operações sem serem processados