Valor econômico, v.20, n.4757, 24/05/2019. Política, p. A12

 

Bolsonaro diz que fechar Congresso 'é pauta de Maduro'

Raphael Di Cunto

Renan Truffi

Carla Araújo

Marcelo Ribeiro

24/05/2019

 

 

Com derrota magra no plenário da Câmara dos Deputados para decidir onde ficaria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), apesar de toda a articulação do Centrão para derrotar o governo, deputados do PSL defenderam ontem a estratégia de dobrar a aposta e usar a pressão popular para aprovar futuros projetos do governo no Congresso. A manifestação dos bolsonaristas convocada para o domingo já é um instrumento dessa pressão e está tendo o apoio do partido do presidente. Ele próprio, no entanto, começou a indicar moderação em pronunciamentos feitos ontem.

Jair Bolsonaro disse que quem inclui como temas da manifestação um pedido de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) está no ato errado. "Essa pauta é mais para Maduro", disse, em café da manhã com jornalistas citando o presidente venezuelano Nicolás Maduro. O presidente disse ainda não ser o responsável pela mobilização e destacou que são manifestações espontâneas.

Próxima do líder do governo na Câmara Major Vitor Hugo (PSL-SP), a deputada Carla Zambeli (PSL-SP) afirmou que o Legislativo entra numa nova era, onde os caciques do Centrão não têm tanta força sobre suas bancadas. "O caminho é exatamente esse, de mobilização de rua e das redes sociais. Muitos me falaram: eu bati de frente com o meu partido e votei contra. Essa mobilização legitimou os deputados a votarem contra seus partidos, votarem conforme suas consciências", disse.

Para esses parlamentares, a convocação de manifestações no domingo em apoio ao governo e contra o Centrão surtiu efeito: 210 deputados votaram a favor de que o Coaf, responsável por investigar lavagem de dinheiro e sonegação, ficasse com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Outros 228 votaram para o órgão permanecer no Ministério da Economia - o Centrão calculava, com apoio da oposição, chegar a pelo menos 280 votos.

No Palácio do Planalto, a avaliação é que ainda não dá para saber o tamanho da mobilização, mas o ideal é que Bolsonaro se mantenha distante dos atos, justamente para não colar a sua imagem caso haja violência ou baixa adesão. Durante a semana, ao ser perguntado sobre o empenho do partido do presidente nos protestos, o porta-voz de Bolsonaro, general Otávio do Rêgo Barros, afirmou que "naturalmente, por pertencer ao PSL, ele faz parte do sangue que irriga aquele partido". "Não obstante, agora, abstraindo dessa situação, e colocando-se como chefe do Poder Executivo, ele entende que a sua posição de chefe do Poder Executivo não pode ser mesclada com essa atividade do domingo que vem alinhar-se com as demandas da sociedade", disse.

Zambelli reconhece que há um risco de os protestos serem menores porque a mobilização nas redes caiu 2/3 quando a Câmara marcou a votação da medida provisória (MP) da reforma administrativa do governo - justamente numa manobra para esvaziar os atos. "A questão do Coaf elevou um pouco o interesse das redes, mas não acho que seja suficiente", disse.

O deputado Alexandre Frota (PSL-SP), que no começo estava contra as manifestações, publicou nas redes sociais ontem uma convocatória para os protestos. "Acho que depois de ontem o que vi na Câmara não restam dúvidas, Brasil", escreveu. Heitor Freire (PSL-CE) afirmou que os protestos podem ser usados novamente "para mostrar que 57 milhões de cabeças não mudam de ideia em apenas cinco meses" sobre o apoio ao governo.

No Twitter, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), entusiasta das manifestações, disse que "foi uma derrota com gosto de vitória". "Os deputados que contrariaram a orientação de seus partidos e votaram para que Coaf ficasse com Moro já entenderam uma básica lição da democracia: o parlamentar deve satisfação aos seus eleitores", afirmou. Questionado no plenário, ele evitou comentar a votação e disse que não queria polemizar mais.

Já aliados do governo fora do PSL ponderam que a estratégia pode funcionar em assuntos como o que envolveu Moro, mas o governo precisa focar na agenda econômica, que não andará sem o Centrão e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "É melhor seguir as falas mais ponderadas do governo, como do ministro Onyx [Lorenzoni] e da [líder do governo no Congresso] Joice Hasselmann, e deixar passar. O Coaf funcionará normalmente na economia e o foco é a reforma da Previdência", disse o deputado Efraim Filho (DEM-PI).

Presidente do PSL, o deputado Luciano Bivar (PE), também contrário aos protestos, disse que a pressão popular é a ideia de alguns militantes, mas que confia "na maturidade e responsabilidade dos nossos parceiros no Congresso" para aprovar os projetos do governo.

Maia minimizou a influência dos protestos e das redes sociais no resultado. "O ministro Moro mostrou que o diálogo pode gerar resultados", disse, lembrando que ele recebeu os integrantes da comissão que votou a MP e dezenas de parlamentares para defender a manutenção do Coaf sob sua subordinação.

Líder do PP, o deputado Arthur Lira (AL) também descartou a relevância das manifestações para o resultado, afirmou que partidos não honraram a palavra e sua bancada votou coesa. "Ele [o líder do governo] sabe que não teve pressão da rua. O que teve foi fisiologismo de uns", disse. Os 210 votos, disse, não são controlados pelo governo, mas de ocasião.