O globo, n.31415, 11/08/2019. País, p. 12
Entrevista - Marcelo Xavier
Jussara Soares
11/08/2019
Criticado pela proximidade com ruralistas, o novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) , o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier , diz, em sua primeira entrevista, que não está a serviço de grupos ligados ao agronegócio . Ele afirma que os indígenas terão os direitos resguardados como previsto na Constituição.
A partir do pedido do presidente para regulamentar o trabalho de indígenas na mineração e em outras atividades, o que já é possível adiantar desse projeto?
O ponto é respeitar as prerrogativas das comunidades indígenas. Sou favorável a qualquer atividade que traga bem-estar e dignidade para indígenas, e uma forma disso é através da renda. Tenho recebido muitos pedidos dos indígenas que querem a mineração, projetos de piscicultura e agrícolas. O importante é que a legislação mantenha a consulta aos povos indígenas para que sejam atendidos aqueles que querem, e respeitados os que não querem.
Como esse projeto pedido pelo presidente Bolsonaro avança nas atividades?
A mineração depende de lei, de regulamentação do Congresso. As demais atividades, como agricultura e turismo, os indígenas atualmente fazem parcerias, mas a longo prazo a ideia é que eles façam a autogestão. Isso traz renda para a aldeia.
Já esteve com o presidente?
Não. Agenda corrida nos primeiros dias, mas assim que possível vou encontrá-lo.
O senhor é criticado pela proximidade com a bancada ruralista. A vontade do agronegócio estará acima dos interesses dos indígenas?
O senhor chegou a ser indicado como assessor especial de Luiz Antonio Nabhan Garcia, da Secretaria de Assuntos Fundiários, e sua nomeação seria um sinal de que o agronegócio estaria no comando da Funai...
Não tem pertinência alguma até porque essa questão foi decidida já pelo Supremo (o STF derrubou a medida provisória que passava a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura). São críticas indevidas. É impossível agradar a todos. O que eu posso propor é que aguardem a minha gestão, ouçam a comunidade e verifiquem. O melhor filtro da minha administração vão ser os indígenas daqui a seis meses.
Quais garantias estão asseguradas para as populações indígenas?
As demarcações de terras deixarão de ocorrer? As áreas já demarcadas serão revisadas?
Sobre a revisão de áreas já homologadas, isso será feito a partir do diálogo, tem que conversar com as pessoas e ver qual o anseio delas. Eu não tenho posicionamento que seja intransigente.
Então, novas demarcações não ocorrerão?
As demarcações são feitas pelo presidente e devem ser vistas sob a ótica dele. É um ato dele.
Desde a campanha, há uma crítica recorrente do presidente às ONGs. Elas perderão espaço na sua gestão?
Tem que ver a atuação de cada uma delas. A ONG, se estiver fazendo um bom trabalho, sendo fiel à política indigenista, tendo a prestação de contas aprovadas e os indígenas estando satisfeitos, não vejo problema.
Mas o senhor tem críticas a elas?
As críticas que eu recebo são dos próprios indígenas. Eu não sou contra a atuação delas. Existem bons serviços e maus serviços. Só isso. A maior reclamação é a quantidade de dinheiro e as condições precárias de sobrevivência na ponta. Tem casos em que grande parte dos recursos é comprometido com folha de pagamento. Acho que é questão de ajuste, conversar.
O senhor disse que daqui a seis meses poderá ser cobrado por sua gestão. Quais serão suas prioridades no período?
Resgatar a dignidade, buscar a proximidade com as comunidades e pacificação dos conflitos. Pode me cobrar isso. E vamos desmitificar: eu não sou delegado de polícia, eu sou servidor público e estou aqui para garantia de direitos. Quero implementar também a ouvidoria itinerante, onde eu não puder ir a ouvidoria estará.
Quando delegado, o senhor foi afastado de uma operação de expulsão de invasores de uma terra indígena, por suspeitas de colaborar com os intrusos. O que houve?
Como fui parcial se eu presidi mais de 30 inquéritos policiais e indiciei mais de 40 pessoas? Determinei a mensuração do dano ambiental em alguns milhões. O que houve foi uma divergência de linha investigativa em que o superintendente resolveu pôr outro delegado.
Segundo boletim de ocorrência, o senhor é investigado por ter dado um soco no próprio pai...
O fato não existiu, e há testemunhas que dizem isso. Houve uma discussão. Há um problema familiar que não gostaria de detalhar. Não é um processo, é um boletim de ocorrência, não tem laudo. Meu pai foi induzido a fazer (o boletim) e voltou atrás. Estão explorando um fato que não houve.