O globo, n.31416, 12/08/2019. Sociedade, p. 17

 

Dia da juventude 

Constança Tatsch

12/08/2019

 

 

César Filho tinha 23 anos quando a mãe morreu de câncer, após 11 meses de tratamento. A dor e a impotência diante da doença foram canalizadas para um projeto inovador: um aplicativo que conecta pacientes e equipe médica para tirar dúvidas e monitorar a saúde.

—A minha dor era a dor de vários outros.

A vontade de ajudar a comunidade que move César é a mesma de muitos jovens criadores de projetos inspiradores, que podem ser celebrados hoje, no Dia Internacional da Juventude. A data, definida pela Organização das Nações Unidas (ONU), serve para reflexões sobre as novas gerações. Neste ano, o tema é “Transformando a educação”.

Para o professor e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o impacto desses projetos sociais é positivo.

—Essas ações aumentam a consciência social. Sou entusiasta porque esses jovens estão colaborando para esse processo de percepção e busca por soluções para os problemas da sociedade. É um processo que está em marcha. Mas, para que isso funcione, eles precisam se articular, não dá para ficar cada um no seu canto.

Cara diz que ainda não é possível saber se essa geração é mais engajada socialmente do que outras, mas vê o maior acesso à educação, a descoberta sociológica das periferias nos anos 1980 e menos oportunidades no mercado formal de trabalho como fatores que influenciam numa participação maior.

O GLOBO ouviu jovens que, assim como César, criaram projetos que mudam a sociedade. A história deles também será apresentada no Canal Futura, que essa semana terá uma programação especial dedicada a questões relativas à juventude e pode ser conferida no site futuraplay.org.

Conservante natural substitui agrotóxicos

João Pedro Silvestre Armani, 16, ficou impressionado quando descobriu que uma grande quantidade de carapaças de camarão era jogada em aterros sanitários da sua cidade, Palotina (PR), liberando chorume que contaminaria o ambiente. Mas ele gosta de problemas porque neles estão contidas soluções.

Descobriu que a tal carapaça tinha “boa plasticidade”, devido a uma substância chamada quitosana. Teve, então, a ideia de criar um produto que pudesse conservar frutos. Foram três projetos elaborados com a professora de biologia Carlise Debastiani, do colégio Gabriela Mistral, onde estudava

até a criação de uma substância líquida de quitosana e cera de abelha. Laranjas mergulhadas no produto se mantêm conservadas por muito mais tempo: intactas por 50 dias na temperatura ambiente (contra 14 dias das laranjas não revestidas).

O projeto ganhou destaque nacional e representou o Brasil na maior feira de ciências e engenharia do mundo, a Intel Isef, que ocorreu no Arizona, nos EUA.

—É uma ótima oportunidade para substituir agrotóxicos: melhor para a saúde das pessoas e para o meio ambiente. Busco desenvolver trabalhos com impacto social, sei que isso é importante.

Passeios pelo Rio para jovens da Maré

Moradora do Complexo da Maré, Gabrielle de Souza Vidal, 19, percebeu que seus amigos não conheciam espaços culturais do Rio nem passeavam pela cidade. Violência, custos e uma sensação de não pertencimento os afastavam de atividades bacanas.

Estudante da Escola Fundação Roberto Marinho, que conta na Maré com a parceria da Redes da Maré e do Instituto Humanize, ela criou o projeto Transitando, no qual apresentava a programação cultural da cidade e como chegar até ela. Foi assim que um grupo de mais de 20 jovens foi com Gabrielle a museus, teatro, cinema, à Lapa e até ao Cristo Redentor.

— Tinha uma questão de pertencimento. Você não se identifica, acha que tem uma barreira social. Passear também é caro, e a cidade é violenta. Na Maré todo mundo se conhece, se sai fica exposto a outras coisas.

Gabrielle fez uma pausa no Transitando para se preparar para o vestibular de Jornalismo. Quer continuar levando informação de cultura para quem é da Maré e produzir notícias sobre a periferia.

—Saber que posso ser inspiração para alguém é muito legal, porque eu inspiro alguém, que inspira outro. Um pega na mão do outro e vai todo mundo junto.

Aplicativo ajuda pacientes com câncer

Por 11 meses, César Filho acompanhou a batalha da mãe contra o câncer. Depois que ela morreu, o então estudante de Biologia de 23 anos só queria ajudar pessoas que pudessem estar passando pelo mesmo que passou. Achava ruim não ter tido nenhum apoio médico fora do hospital, em meio a dúvidas e preocupações. Após muita pesquisa, criou o conceito do aplicativo WeCancer, para monitoramento remoto de pacientes com câncer.

Mas como tirar a ideia do papel? Foram anos de estudo e dedicação, incluindo aí carona com caminhoneiro para participar de competição de start-up de Minas Gerais para o Espírito Santo, venda de brigadeiros para pagar curso nos EUA e sociedade com um amigo.

Hoje a WeCancer é uma empresa com oito funcionários, que atende ao Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e segue crescendo. Para chegar aos pacientes de outras regiões, ou com menos condições, têm um enfermeiro especializado em oncologia que tira dúvidas .

— Minha vontade era ajudar a comunidade. Minha mãe sempre foi ligada a projetos sociais, quero ajudar pessoas como ela e como aquelas com quem convivi no hospital. A minha dor era a dor de vários outros.