Valor econômico, v.20, n.4752, 17/05/2019. Política, p. A8

 

Bolsonaro cita risco de impeachment e diz que querem atingi-lo no caso Flávio

Paola de Orte 

Henrique Gomes Batista 

17/05/2019

 

 

Não vão me pegar", afirmou o presidente Jair Bolsonaro ontem logo pela manhã, em Dallas, no Texas, ao se referir à quebra dos sigilos bancário e fiscal do seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), determinado pela Justiça do Rio. Em seu último dia de agenda na cidade americana em que recebeu uma homenagem da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, o presidente demonstrou irritação ao comentar a situação jurídica do filho e as manifestações estudantis de anteontem contra o contingenciamento na área da educação.

Bolsonaro detectou tanto em um caso como em outro ameaças potenciais contra ele e seu mandato. "Estão fazendo esculacho em cima do meu filho. Querem me atingir? Venham para cima de mim", afirmou, ao sustentar que o senador deve se defender por si próprio, mas que enfrenta uma carga desproporcional. Em relação à educação, o presidente disse que a oposição tenta derrubar o contingenciamento para criar um fato desestabilizador de seu governo.

"Querem que eu responda um processo de impeachment no ano que vem por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal", disse, em entrevista a jornalistas que terminou em bate-boca. Ao responder a uma jornalista que o questionou sobre o contingenciamento, recomendou que a repórter entrasse de novo em uma faculdade.

Na entrevista, Bolsonaro minimizou as manifestações, afirmando que a principal motivação dos atos era político-partidária. "Ontem, só vi faixa aí de Lula Livre, mais nada", disse. E prometeu que não vai mudar: "É isso que querem? Um presidente vaselina para agradar todo mundo? Não vai ser eu. O que vai acontecer comigo? O Povo que decida, pô, o Parlamento decida, eu vou fazer minha parte."

O presidente voltou a criticar a qualidade das estatísticas do IBGE sobre desemprego, na opinião dele subestimado, e demonstrou desalento sobre como lidar com o problema. "Essa população não tem como ter emprego porque o mundo evoluiu. Não estão habilitados a enfrentar um novo mercado de trabalho, a indústria 4.0. Como é que você vai empregar esse pessoal? Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém", disse.

O almoço em homenagem ao presidente teve protestos contra e a favor de Bolsonaro na porta. O maior grupo era o contrário, formado por 15 organização que se dizem contrárias à posição do presidente brasileira sobre minorias, direitos humanos, LGBT e meio ambiente. Já o pró-Bolsonaro era formado basicamente por brasileiros que vivem no Texas e usavam bandeiras e camisetas do Brasil.

Estava na homenagem o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Um vídeo do secretário de Estado, Mike Pompeo, foi passado, para transmitir as boas-vindas do governo Trump. Ao se referir ao tucano, Bolsonaro fez uma mesura: "O nosso relacionamento está acima de quaisquer objetivos outros que possa haver entre nós". Tanto o presidente como o governador de São Paulo são potenciais candidatos a presidente na eleição presidencial de 2022.

Bolsonaro pouco falou da relação entre Brasil e Estados Unidos, preferindo tratar de questões domésticas, com muitos ataques à esquerda e comentários sobre as manifestações de anteontem. Exaltou a amizade entre Brasil e Estados Unidos. Ao se referir ao assassinato do militar americano Charles Chandler, em 1968, em uma ação da Vanguarda Popular Revolucionária, Bolsonaro culpou "quem até há pouco ocupava o governo" pelo crime. Não ficou claro se Bolsonaro se referia à ex-presidente Dilma Rousseff, que nunca foi acusada de ter participação no atentado, ou à esquerda como um todo.

"Precisamos, queremos e estamos, mais que propensos, convictos de que essa união possa trazer mais que felicidade para esses países". Para encerrar, o presidente quis fazer uma adaptação de seu bordão de campanha ["Brasil acima de tudo, Deus acima de todos"], mas se atrapalhou: "Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos."

Durante o almoço, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a falar da possibilidade de associação entre o Banco do Brasil e o Bank of America (BofA), sem se aprofundar. No fim do ano passado, após as eleições, Guedes já tinha ventilado a possibilidade de uma associação entre as duas instituições financeiras. Ele é amigo do presidente do BofA para América Latina, Alexandre Bettamio. Entretanto, há uma avaliação na instituição americana de que uma fusão com um banco público como o BB seria inviável, dadas as diferenças culturais e operacionais.

A imprensa não pôde entrar no evento. A lista de presentes não foi divulgada. No fim do dia, o presidente voltou a falar em sua 'live' semanal no Facebook, tendo a seu lado o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que falou da intenção do grupo Exxon Mobil em ampliar seus investimentos no Brasil. "Com certeza os preços dos combustíveis e do gás vão cair". "Aquele fantasma que estava o tempo todo na nossa frente de uma possível Venezuela vai deixar de existir", completou o presidente, que em seguida ironizou o ex-deputado José Dirceu, que teve a prisão determinada ontem pelo Tribunal Regional Federal das 4ª Região (TRF-4), para cumprir sua segunda condenação por corrupção no âmbito da Lava-Jato. "Parabéns José Dirceu, vai curtir uma cela num presídio federal por aí".

Bolsonaro encerrou a live com uma de suas obsessões: disse que irá conversar com Rodrigo Maia na próxima semana sobre uma medida provisória para alterar Código Nacional de Trânsito, ampliando o limite para a perda da carteira de 20 para 40 pontos.