O globo, n.31421, 17/08/2019. Opinião, p. 03

 

Impostos e revoluções 

Marcus Abraham

17/08/2019

 

 

Em meio aos debates sobre as diferentes propostas de reforma tributária, recentemente um grupo de bilionários norteamericanos apresentou um manifesto favorável à tributação sobre suas fortunas, justificado por uma responsabilidade moral e republicana.

Aqui no Brasil, a faculdade para instituir um “imposto sobre grandes fortunas” está prevista na Constituição (art. 153, VII). Não obstante, o imposto ainda não foi criado, mesmo passados mais de 30 anos de vigência do texto constitucional, com projetos de lei tramitando a passos de cágado no Congresso.

De fato, a questão é deveras controvertida. Se, por um lado, a nossa desigualdade econômica é imensa, e o modelo fiscal pátrio penaliza os mais pobres por basear-se na incidência sobre o consumo de bens e serviços; por outro, a carga tributária sobre as empresas já é excessivamente elevada, e aumentar a cobrança de impostos sobre o patrimônio ou renda daqueles que geram empregos e movem a economia pode provocar uma fuga de investidores ou o avanço de planejamentos fiscais agressivos, sem nos esquecermos de que o novo custo será transferido, de alguma forma, ao consumidor final. Ademais, o que seria uma “grande fortuna”, e quais os critérios objetivos e justos para sua tributação?

Não podemos negar que há um delicado equilíbrio no poder de tributar. Não à toa, a tributação foi a causa de diversas revoluções. A primeira revolta se deu na Grã-Bretanha, no século XIII, quando nobreza e alto clero se opuseram aos abusos fiscais do rei João Sem Terra, culminando na assinatura da Magna Carta Libertatum de 1215, a garantir direitos e instituir o princípio da legalidade (...)

A Revolução Americana eclodiu a partir dos novos impostos (chá e selo) cobrados pelos britânicos nas suas colônias norteamericanas, levando ao início da Guerra de Libertação e à Declaração de Independência em 1776, seguida pela promulgação da Constituição Americana de 1787, estabelecendo que apenas os representantes do povo no Congresso poderiam concordar com a criação de tributos.

Por sua vez, a Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, também teve um substrato financeiro e tributário na sua gênese, decorrente da necessidade de financiamento de diversas guerras e dos gastos excessivos da casa real de Luís XIV, sob um regime de privilégios e isenções tributárias em favor do clero (Primeiro Estado) e da nobreza (Segundo Estado), em detrimento de comerciantes, artesãos e camponeses (Terceiro Estado). No Brasil, tivemos a Inconfidência ou Conjuração Mineira de 1789, tendo como mola propulsora os excessos na tributação, sob a forma de quintos (20%) do valor dos minerais preciosos, ocasionando a conhecida “derrama”.

Todas essas revoltas propiciaram documentos jurídico-constitucionais limitativos dos poderes dos governantes, garantidores da liberdade e da forma justa de tributação. Porém, não nos olvidem os do que disse John Marshall, então presidente da Suprema Corte dos EUA, no caso McCulloch v. Maryland (1819): “the power to tax involves the power to destroy” – “o poder de tributar envolve o poder de destruir”.

O debate sobre uma reforma tributária (com ou sem imposto sobre grandes fortunas) é imprescindível para o desenvolvimento de nosso país. Porém, mais importante é o debate sobre a qualidade no gasto público.

Do contrário, o sentimento de insatisfação dos cidadãos — o mesmo que impulsionou os movimentos históricos mencionados — tende a se reproduzir, propiciando novos períodos de instabilidade e incerteza, lesivos para a nossa nação.