O Estado de São Paulo, n. 46071, 07/12/2019. Política, p. A8

 

Planalto mantém sob sigilo gastos do cartão corporativo

Patrik Camporez

07/12/2019

 

 

Governo usa artigo da Lei de Acesso à Informação para negativa; há um mês, STF derrubou decreto que mantinha dados em segredo

 O Palácio do Planalto decidiu ignorar decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) e manter sob sigilo os gastos com cartão corporativo da Presidência. Desde 1967, um decreto militar ampara a decisão de não divulgar as despesas da Presidência. Há exatos trinta dias, no entanto, o STF derrubou o artigo 86 do decreto-lei 200/67, segundo o qual a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais do presidente ou de ministro deveria ser feita sigilosamente.

O governo foi notificado em novembro sobre a mudança, mas não alterou o seu procedimento. Um mês após a decisão do Supremo, provocada por uma ação do partido Cidadania (ex-PPS), a Secretaria-Geral da Presidência (SGP) continua mantendo os gastos presidenciais em sigilo e disse que não pretende torná-los públicos. Segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal, a Presidência desembolsou, na gestão de Jair Bolsonaro, R$ 14,5 milhões com cartões corporativos.

Para justificar a preservação do sigilo, o governo informou que lança mão de outra legislação, a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 19 de novembro de 2011. “Sobre o assunto, cabe esclarecer que a legislação utilizada pela Presidência da República para classificar as despesas com grau de sigilo é distinta daquela que foi objeto da decisão do STF”, disse, em nota, a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto.

Na interpretação do Executivo, mesmo que o Supremo tenha decidido pela derrubada do artigo que permitia o sigilo, outra lei, a da Transparência, possibilita que a Presidência mantenha os gastos dos cartões corporativos sem serem revelados.

A nota cita, ainda, o artigo 24 da LAI, segundo o qual a informação em poder dos órgãos e entidades públicas, “observado o seu teor, e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada”.

As informações passíveis de pôr em risco a segurança do presidente, do vice-presidente e dos respectivos cônjuges e filhos serão carimbadas como reservadas, de acordo com o Planalto, ficando sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.

“Feitas as considerações acima, esta Secretaria compreende que a decisão do STF não modifica os procedimentos atualmente adotados, em face da legislação de fundamentação ser norma específica distinta do Decreto-Lei nº 200, de 1967”, afirmou a SGP.

O Estado solicitou, por meio da LAI, que o governo fornecesse o detalhamento das despesas com cartão corporativo neste ano – incluindo valor, local da compra e especificação do produto adquirido com dinheiro público –, mas não obteve os dados. Quem acessa o portal do governo também não consegue as informações e se depara com a referência ao sigilo das despesas presidenciais.

Na avaliação da secretária executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, o trecho da LAI citado pelo Planalto para manter os gastos com cartão corporativo em segredo não justifica essa decisão.

“Simplesmente porque as informações que eles classificaram sob essa justificativa não colocam em risco a segurança do presidente. Elas só são divulgadas depois que a compra foi feita. Ou seja, se alguém quisesse usá-las para atentar contra a vida dele (Bolsonaro), por exemplo, precisaria ter uma máquina do tempo”, afirmou Marina. “No máximo, uma ou outra despesa recorrente, a ponto de revelar brechas de segurança, trajetos ou outra coisa que comprometa a segurança dele, poderia ser enquadrada nesta lei. Mas todas serem dessa natureza, é impossível. Ou o cartão está sendo usado de forma indiscriminada”.

Para a especialista, o segredo sobre as despesas não faz sentido e atenta contra o princípio da publicidade, um dos que norteiam a administração pública. “Manter o sigilo é incompatível com o princípio constitucional da publicidade e com o discurso do governo de combate à corrupção e controle de gasto público”, argumentou ela.

Decisão. Fundador da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco disse que a decisão do STF foi vaga e não produziu resultados concretos. “Praticamente em todos os países os gastos do governo não são divulgados, para a própria segurança do Estado. Muitas vezes, porém, esse argumento é usado para preservar informações que simplesmente poderiam constranger governantes”, observou.

No diagnóstico de Castello Branco, o receio dos governantes está mais no constrangimento de divulgar todas as faturas do que na questão da segurança. “Em vários governos o gasto secreto gerou notícias de grande repercussão. Quando foram abertos os gastos secretos do governo (Fernando) Collor (1990-1992), por exemplo, veio à tona a questão dos vestidos da primeira-dama”, lembrou. “Todas as vezes em que essas despesas vêm à tona causam ruído”, completou.

 Princípio

“Manter o sigilo é incompatível com o princípio constitucional da publicidade.”

Marina Atoji

SECRETÁRIA-EXECUTIVA DO FÓRUM DE ACESSO A INFORMAÇÃO PÚBLICA

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CPI pedirá acesso a computadores do 'gabinete do ódio'

Patrik Camporez

07/12/2019

 

 

Comissão quer saber se foi usado dinheiro público para envio em massa de notícias falsas e ofensas a desafetos do governo 

Comissão. Coronel, presidente da CPI das Fake News

O terceiro andar do Palácio do Planalto entrou na mira das investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) das Fake News. Nas próximas semanas, o colegiado deve solicitar acesso aos IPs (números que identificam computadores, como uma impressão digital) e dados dos equipamentos usados por servidores que integram o chamado “gabinete do ódio”, que atuam no mesmo andar no qual o presidente da República, Jair Bolsonaro,

despacha diariamente. A comissão quer saber se foi usado dinheiro público para envio em massa de notícias falsas.

“Vamos pedir a quebra dos IPs para localizar as máquinas. Se, por um acaso, tiver requerimento, e tiver provas concretas que existe computador dentro do Palácio do Planalto que faz a divulgação, claro que pode ser quebrado. Não podemos quebrar se não tiver prova. Tendo provas, nós vamos correr atrás”, afirmou o presidente da CPI Mista, senador Angelo Coronel (PSD-BA).

Como mostrou o Estado em setembro, “gabinete do ódio” é como internamente integrantes do governo passaram a se referir ao grupo formado por três servidores ligados ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC), filho “02” do presidente. Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz produzem relatórios diários, com suas interpretações, sobre fatos do Brasil e do mundo e são responsáveis pelas redes sociais da Presidência da República.

A decisão de pedir acesso aos dados dos computadores desses servidores foi tomada depois que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, prestou depoimento na CPI, na quartafeira, e acusou o grupo de disseminar notícias falsas durante o horário de serviço.

Na sessão, que durou mais de dez horas e foi marcada por muito bate-boca, Joice disse que cerca de R$ 500 mil em recursos públicos foram usados “para perseguir desafetos”. “Estamos falando de crime. Caluniar, difamar e injuriar são crimes previstos no Código Penal”, disse ela. Joice afirmou que o próprio presidente tem publicações impulsionadas por robôs.

 Apuração. Segundo Angelo Coronel, a CPI vai apurar se há dinheiro público bancando a disseminação de notícias falsas a partir do Palácio do Planalto. “Obviamente, vamos correr atrás para ver se é dinheiro público que está sendo investido nessa prática. Se for, vamos indiciar os culpados e encaminhar para o Ministério Público Federal. E que aí se puna os verdadeiros culpados.”

Todos os funcionários do “gabinete do ódio” foram convocados para prestar depoimento na CPI, mas ainda não há data para isso acontecer. Procurado, o Palácio do Planalto informou que não comentará a intenção de integrantes da CPI de pedir acesso a informações dos computadores de funcionários da Presidência.

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Técnicos cobram controle em projeto de emendas

Daniel Weterman

07/12/2019

 

 

O relator da PEC das emendas parlamentares no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), retirou um trecho da proposta que permite a destinação de recursos para Estados e municípios sem a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e de outros órgãos federais, como é hoje. Técnicos do Congresso, auditores e o Ministério Público Federal, porém, apontam que mesmo assim a PEC segue permitindo o uso do dinheiro de emendas parlamentares sem o pente-fino dos órgãos de controle federais.

Na Câmara, a proposta foi aprovada com ampla maioria (apenas seis votos contrários). Já no Senado, a resistência é maior. A proposta cria uma nova modalidade de repasse de emendas parlamentares individuais (indicadas por deputados e senadores) para Estados e municípios, a chamada “transferência especial”. Nesse formato, os recursos não serão carimbados e poderão ser usados por prefeitos e governadores como bem entenderem.

Essas emendas somarão R$ 9,5 bilhões em 2020. A PEC determina que 60% do montante – R$ 5,7 bilhões – esteja no caixa das prefeituras e governos estaduais ainda no primeiro semestre do ano que vem, antes das eleições municipais. A regra que obriga a destinação de metade dos recursos para a Saúde continua válida.

O parecer de Anastasia retira os trechos da PEC que determinavam que as transferências diretas seriam fiscalizadas apenas por órgãos de controle locais, sem passar pelo Tribunal de Contas da União (TCU), Caixa ou Ministério Público Federal. O senador manteve, porém, o dispositivo da proposta determinando que os recursos, quando transferidos, “pertencerão” aos Estados e municípios. Para técnicos consultados pelo Estadão/Broadcast, esse item afasta o TCU da fiscalização.

A proposta, afirmam técnicos, é inconstitucional porque transforma recursos do Orçamento da União em “pertencentes” a prefeituras e governos estaduais. “O texto afeta cláusula pétrea, desarticulando a lógica do pacto federativo fiscal, uma vez que a União não pode impor restrições à aplicação de recursos que pertencem aos Municípios”, segundo nota da Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU encaminhada a senadores.