O globo, n.31423, 19/08/2019. País, p. 08

 

Foragido, 'Rei Arthur' leva vida de luxo em Miami 

19/08/2019

 

 

Empresário acusado de pagar propinas no governo Cabral é localizado pelo ‘Fantástico’, da TV Globo, nos Estados Unidos, onde circula livremente, passeia em carro italiano e frequenta restaurante cuja refeição sai por R$ 300

Foragido da justiça brasileira, o empresário Arthur Soares, acusado de atuar em licitações fraudadas e de pagar propinas na gestão do ex governador Sérgio Cabral, foi localizado nos EUA pela reportagem do “Fantástico”, da TV Globo. O “Rei Arthur”, apelido que ganhou devido à influência no governo Cabral, vive em uma residência na ilha de Miami Beach, na Flórida. Segundo a reportagem, o empresário leva uma vida com hábitos de luxo e circula livremente pelas ruas.

Arthur Soares é alvo de um pedido de extradição feito pelo Ministério Público Federal (MPF) às autoridades americanas em 2017. À época, o empresário foi acusado, na Operação Unfairplay, de pagar propinas a membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) para que o Rio fosse eleito sede dos Jogos Olímpicos de 2016. O governo dos EUA, porém, não atendeu o pedido do Brasil.

RESIDÊNCIA EM ILHA

De acordo com a reportagem do “Fantástico”, Arthur se mudou nos últimos meses da residência onde morava, em um condomínio de luxo na ilha de Key Biscayne, para uma casa em Miami Beach, outra ilha localizada junto à costa de Miami. A nova moradia tem acesso direto para rua, reforçando a integração de Arthur Soares à cidade. A reportagem flagrou “Rei Arthur” fazendo compras, praticando corrida e passeando a pé e de carro pelas ruas de Miami.

Segundo a reportagem, Arthur mantém uma vida de alto padrão nos EUA. O veículo usado pelo empresário, de uma fabricante italiana, é avaliado em R$ 530 mil no Brasil. Os registros do estado da Flórida confirmam que o carro pertence a Arthur Soares, segundo o “Fantástico”. Arthur também foi visto em um restaurante japonês onde as refeições custam, em média, R$ 300 por pessoa.

A reportagem também localizou imóveis ligados a Arthur Soares em oito endereços diferentes. Quatro deles foram sedes de pelo menos 14 empresas. Além da residência em Miami, o “Rei Arthur” tem uma casa na estação de esqui de Aspen, no estado do Colorado, também nos EUA, e um apartamento em Paris, capital da França. Após ser alvo de investigações do MPF, Arthur transferiu as empresas que tinha para o nome dos filhos. Segundo a reportagem do “Fantástico”, no entanto, ele segue dando expediente em um prédio em Miami onde funcionam cinco dessas empresas.

Ao ser abordado pela reportagem, durante uma caminhada em Miami, Arthur Soares não quis se pronunciar. O empresário ficou calado quando perguntado por que não se apresentou à Justiça brasileira e se comprou votos na eleição olímpica do Rio.

PROPINA OLÍMPICA

Dono do grupo Facility, Arthur Soares era um dos principais prestadores de serviços terceirizados no governo Cabral, em áreas como limpeza, segurança, alimentação e saúde. Segundo investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a Facility participava de licitações fraudadas e depois repassava valores dos contratos, de forma ilícita, a autoridades do Legislativo e do Executivo fluminense. Os contratos do empresário com o governo do Rio chegaram a totalizar R$ 3 bilhões na gestão de Cabral.

Em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, em julho deste ano, Cabral admitiu ter comprado votos para a candidatura olímpica do Rio, no valor de U$ 2 milhões. O ex-governador disse que pediu a Arthur Soares que combinasse o pagamento com Leonardo Gryner, braço-direito do então presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman. Segundo Cabral, a verba seria descontada do “crédito” que tinha com o empresário — isto é, de parte das propinas que o ex-governador receberia do “Rei Arthur”.

O acerto do pagamento ocorreu, segundo o MPF, em Paris, em setembro de 2009, dias antes do evento que ficou conhecido como “Farra dos Guardanapos”.

Em nota enviada ao “Fantástico”, a defesa de Arthur Soares afirmou que não se manifesta sobre casos em andamento na Justiça. Os advogados do empresário também têm afirmado que ele, embora foragido, está à disposição das autoridades.

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Facções se unem na Justiça contra portaria de Moro 

Aline Ribeiro 

19/08/2019

 

 

Rompidas desde 2016, as duas maiores facções do Brasil se juntaram em uma tentativa de derrubar as restrições impostas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para o sistema penitenciário federal. Integrantes das organizações criminosas paulista e fluminense concordaram em ir à Justiça para contestar a portaria 157, assinada por Moro em fevereiro, que proíbe o contato físico entre presos e seus familiares, além de reforçar o veto à visita íntima.

A medida visa a bloquear a comunicação com o mundo externo. Isso porque chefes presos costumam enviar ordens para outros integrantes por meio de bilhetes entregues a familiares e advogados. A portaria também ratifica outra decisão, de agosto de 2017, que proibiu visitas íntimas, por tempo indeterminado, a quem foi membro de facção, líder de quadrilha ou que tentou fuga.

A costura do acordo entre as facções, assim como as ações judiciais, foram feitas por advogados do Instituto Anjos da Liberdade, que atuam em nome de todos os presos das unidades federais. Para contestar as imposições da portaria de Moro, o instituto entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com três arguições de descumprimento de preceito fundamental, entre outras ações.

— Existia uma preocupação a respeito de quem me pagava (se era a facção rival). Eu disse: “Ninguém paga, não. O instituto tem um trabalho gratuito, a gente não recebe de ninguém” — afirma Flávia Pinheiro Fróes, presidente do instituto.

Em maio, Fróes levou a discussão à reunião da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Jamaica. No dia 21, o Instituto Anjos da Liberdade promoverá um colóquio internacional no auditório do Senado, em que mulheres dos presos das facções inimigas dividirão a mesa para falar sobre a rotina das visitas diante das restrições impostas.

A recente união judicial é vista como trégua pontual pelo promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.

—A guerra continua. Mas houve uma espécie de trégua não declarada com a ida desses chefes paulistas para o sistema penitenciário federal. Como eles estão privados de regalias, a tendência é haver alianças para pressionar o Estado e favorecer os chefes no sistema federal. Eles agem baseados em interesses próprios —diz o promotor.

As advogadas do Instituto Anjos da Liberdade, assim como o Ministério Público do Rio de Janeiro, negam que houve um armistício.