O globo, n.31426, 22/08/2019. Sociedade, p. 26

 

Fogo sem dono

Leandro Prazeres 

Thais Borges 

22/08/2019

 

 

Enquanto estados da Amazônia adotam medidas para conter os focos de incêndio que tomam a floresta, o presidente Jair Bolsonaro transferiu a responsabilidade pelas queimadas aos governos locais e às organizações não governamentais.

Sem citar nomes, Bolsonaro disse que alguns governadores “não estão movendo uma palha” para resolver a situação e que “estão gostando” disso. Ele também insinuou que o aumento pode ter sido causado por ONGs, em retaliação ao corte de verbas do governo federal. O presidente, no entanto, não apresentou provas ou indícios concretos que embasassem as acusações.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que houve um aumento de 83% no número de queimadas no Brasil entre janeiro e agosto de 2018 e janeiro e agosto de 2019. Cidades da região amazônica como Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e até mesmo cidades do Sudeste, como São Paulo, estão sendo atingidas pela fumaça dos incêndios.

—Olha só, tem governador, não quero citar nome, que está conivente com o que está acontecendo e bota a culpa no governo federal. Tem estados aí, que não quero citar, na Região Norte, que o governador não está movendo uma palha para ajudar a combater incêndio. Está gostando disso daí — afirmou Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.

Horas depois das declarações do presidente, o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), afirmou que Bolsonaro está tentando “transferir responsabilidades” e que essa postura não vai resolver o problema.

— Transferir responsabilidades não vai acabar com as queimadas. Os governadores da região não concordam com isso —disse o governador, que é presidente do recém-criado consórcio de nove estados da Amazônia Legal, que, além do Amapá, inclui Amazonas, Pará, falta do dinheiro (repassado a ONGs pelo governo federal). Então, pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa”.

‘CRIMINALIZAR A CIDADANIA’

Em Salvador para participar da Semana Latino-Americana e Caribenha sobre Mudança do Clima, o estrategista sênior de florestas do Greenpeace, Paulo Addario, criticou o que chamou de tentativa de criminalizar as entidades:

—O Estado não tem capacidade de atuar em todos os lugares, e parte da sociedade civil assume a responsabilidade de fazer isso. Aí você criminalizar isso é um desejo deliberado de descrédito porque o presidente não acredita na organização social, ele acha que é uma coisa manipulada pela esquerda, pelos comunistas. No fundo, é criminalizar a cidadania. Só governos autoritários, que sonham com ditaduras, podem pensar em criminalizar os seus cidadãos.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi vaiado ontem, na aberturado terceiro dia da Semana do Clima.

— Nós fomos convencidos pelo prefeito( A CM Neto) afazer o evento, oque permite que cada um dos senhores e senhoras esteja aqui fazendo suas manifestações—afirmou.

Mais tarde, em visita não prevista em sua agenda ao Mato Grosso, atribuiu os incêndios ao calor, à baixa umidade e ao vento forte, e disse que a área urbana é a mais atingida. Questionado sobre a origem das queimadas, concordou parcialmente com Bolsonaro:

—Verificamos alguns locais em que o fogo foi intencional e alguns em que foi incidental — disse o ministro, em entrevista coletiva no Aeroporto Internacional de Cuiabá.

Salles, no entanto, afirmou que bombeiros e equipes do Ibama e do Instituto Nacional Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foram enviadas a todos os estados da região. Segundo o ministro, não houve corte de recursos no trabalho de incêndios.

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Ibama busca empresa para monitorar desmatamento 

Leandro Prazeres 

22/08/2019

 

 

O governo federal lançou ontem um edital para iniciar o processo de escolha de uma empresa de monitoramento diário do desmatamento no país via satélite. De acordo com o edital, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quer receber propostas de empresas que forneçam esse serviço para balizar uma futura contratação. O edital foi lançado semanas após o governo ter exonerado o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, e ter feito críticas à qualidade das imagens produzidas pelos satélites a serviço do órgão.

O edital foi publicado na edição de ontem do Diário Oficial da União. A abertura das propostas será feita no dia 2 de setembro. De acordo com o documento, o governo utilizará as sugestões como parte de “estudos preliminares” para contratar uma empresa especializada nesse serviço.

Em julho, o presidente Jair Bolsonaro criticou a atuação do Inpe depois que dados divulgados pelo órgão indicaram aumento nas taxas de desmatamento. Bolsonaro chegou a dizer que o instituto, até então comandado por Galvão, estaria a serviço de organizações não governamentais. O desgaste na relação entre ambos levou à exoneração do cientista.

Durante todo o processo que antecedeu a exoneração do cientista, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez críticas à qualidade do monitoramento do desmatamento feito pelo Inpe. Segundo o ministro, os sistemas operados pelo órgão seriam lentos e insuficientes para atender às demandas de órgãos como o Ibama.

—Daqui pra frente é construir um sistema que seja mais rápido na detecção, que permita orientar as ações de comando de controle de fiscalização — disse o ministro no final de julho.

ESPECULAÇÕES

A intenção de Salles em contratar um novo sistema de monitoramento acontece após especulações sobre os encontros mantidos pelo ministro com representantes de uma empresa especialista no serviço.

Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, Salles já teria se reunido pelo menos duas vezes com representantes da empresa Santiago e Cintra, que atua no segmento de monitoramento via satélite.